A desigualdade nos níveis de vacinação contra a covid-19 entre países ricos e pobres tem sido alvo de fortes críticas.
O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, classificou recentemente como “um escândalo” o facto de todos os dias estarem a ser administradas no mundo seis vezes mais doses de reforço do que doses iniciais para imunizar contra o vírus SARS-CoV-2.
Com apenas 6,6% da população totalmente vacinada, África é de longe o continente com menor cobertura de vacinação. Segundo o ‘site’ ‘Our World in Data’, a Ásia tem 47,3% da população completamente vacinada (com as duas doses da vacina) e todos os outros estão acima dos 50%.
Ainda assim, existem grandes desigualdades entre os 54 países africanos.
Cabo Verde anunciou na sexta-feira que inicia em dezembro a administração de doses de reforço da vacina e, segundo o ‘Our World in Data’, a Tunísia já administrou mais de 300 mil terceiras doses (2,82% da população) e a Argélia 13 mil (0,03%).
Enquanto isso, apenas 10,57% da população africana já recebeu pelo menos uma dose de vacina anti-covid-19, 27 países africanos têm menos de 10% da população completamente vacinada e apenas seis (Seicheles, Maurícias, Marrocos, Cabo Verde, Tunísia e Ruanda) já atingiram o objetivo de vacinar 40% da população até ao fim do ano, segundo os dados do ‘Our World in Data’.
Enquanto as Seicheles já têm mais de 80% da população completamente vacinada, na República Democrática do Congo e no Burundi esta percentagem não chega a 1% e na Eritreia a vacinação ainda não começou.
Questionado na quinta-feira pela Lusa sobre esta discrepância, o diretor do Centro de Controlo e Prevenção e Doenças da União Africana (África CDC), John Nkengasong, sublinhou que a posição da organização “é muito clara e devia ser de senso comum”: “Como continente precisamos de chegar a 70% de imunização total. Hoje estamos em 6,6%”.
“De um ponto de vista de políticas e programas, o nosso objetivo deveria ser elevar de 6% para 70% [a taxa de vacinação] e não tentar fazer reforços”, afirmou.
No entanto, o responsável lembrou que África não é um país, mas sim 54, e os Estados-membros da União Africana são soberanos para decidir sobre os seus programas de vacinação.
Ainda assim reiterou: “O nosso conselho aos Estados-membros que foram bem-sucedidos na vacinação e que estão interessados em dar terceiras doses é escolher as pessoas imunocomprometidas e idosos, e não dar terceiras doses universalmente, porque não temos verdadeiramente vacinas suficientes no continente”.
O mecanismo internacional COVAX, criado pela Aliança para as Vacinas e pela Organização Mundial de Saúde para permitir a 92 países e territórios desfavorecidos receberem gratuitamente vacinas financiadas pelos países ricos, tem falhado as suas metas e já admitiu que não conseguirá cumprir o objetivo de entregar dois mil milhões de doses até ao fim do ano.
Segundo um relatório recente da Aliança Vacinas do Povo, intitulado “Uma dose de realidade”, dos 1,8 mil milhões de doses prometidas pelos Estados mais ricos, apenas 261 milhões (14%) chegaram aos países de baixos rendimentos.
Além disso, as farmacêuticas entregaram muito menos doses do que as promessas feitas inicialmente: dos 994 milhões de doses prometidas, apenas 120 milhões ? 12% ? foram realmente entregues.
Mas a falta de vacinas não é o único problema.
Na conferência de imprensa do Africa CDC de quinta-feira, John Nkengasong alertou que o argumento da falta de vacinas já não serve para explicar a baixa taxa de vacinação no continente, que administrou apenas 55% das mais de 400 milhões de doses que já recebeu.
E a UNICEF alertou recentemente para o risco de uma escassez de seringas a nível mundial, que poderá comprometer ainda mais os objetivos de vacinação do continente.
O continente africano regista mais de 8,5 milhões de casos de covid-19 desde o início da pandemia e mais de 221 mil mortes associadas à doença.
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