“Se realmente é muito menos grave do que a Delta em populações muito vacinadas, como é a nossa, talvez faça mais sentido deixar que as pessoas se imunizem naturalmente. Nunca advoguei teorias de imunidade de grupo por infeção natural, mas estamos numa situação completamente diferente, com a população praticamente toda vacinada e uma variante que, para já, não parece ser muito preocupante em hospitalizações”, afirma.
Em declarações à Lusa, o investigador realça que é preciso aguardar mais alguns dias e analisar os casos de Reino Unido e Dinamarca - onde a disseminação da Ómicron está mais avançada - para recolher mais informação, mas alerta que o país pode chegar rapidamente “às dezenas de milhares de casos” e que já está a “esgotar os recursos de saúde pública” para tentar responder aos “aumentos exponenciais” dos casos.
“Não vejo que haja recursos humanos para conseguir acompanhar em termos de rastreadores, isolamentos de casos, vigilância, etc. Temos já uma quantidade imensa de pessoas empenhadas nisto e os cuidados de saúde primários podem ser postos em causa”, refere, sublinhando: “Se isso se confirmar, talvez faça sentido deixar que imunize as pessoas naturalmente do que empenhar toda a nossa saúde pública e os cuidados de saúde primários”.
Para o especialista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, medidas mais duras, como confinamentos, dificilmente se poderão justificar perante a “transmissibilidade elevadíssima” desta nova variante do vírus SARS-CoV-2 e mesmo o “aumento brutal” que houve recentemente na testagem tem “limites”, com Manuel Carmo Gomes a apontar já para uma média de 300 mil testes diários para fazer face às necessidades.
“Precisamos ter mais segurança de que a Ómicron não nos vai encher os hospitais como tivemos em janeiro. Embora o risco de hospitalização possa ser muito pequenino, se os números começam a ser da ordem das dezenas de milhar por dia, uma percentagem muito pequenina aplicada a números muito grandes dá números grandes de pessoas que vão parar aos hospitais. Esse é o grande perigo”, observa.
Apesar de considerar uma hipotética mudança de atitude em relação à pandemia devido a esta variante, o epidemiologista defende que ainda é cedo para encarar a covid-19 somente como doença endémica, uma vez que a dinâmica do vírus ainda não se estabilizou.
“Ainda é uma doença endémica epidémica, porque ela gera grandes subidas, muito anormais, como neste caso que estamos agora a assistir. Diria que ela não estabilizou a sua dinâmica, ainda tem muito ‘combustível’ para consumir e vai levar algum tempo até que nós consigamos perceber que tipo de endemismo é que vamos ter”, resume.
Questionado sobre a eventual reavaliação de medidas restritivas pelo governo em 05 de janeiro, Manuel Carmo Gomes evita comentar, ao salientar ser “fundamental compreender melhor o impacto em termos de hospitalização” e diz esperar que já exista mais informação disponível sobre esta nova variante nessa data.
“Se se se confirmar que o impacto não é muito preocupante, acho que não se vai sacrificar a economia, os cuidados de saúde primários ou a saúde pública. Agora, se o sinal for mais preocupante em termos de doença grave que a Ómicron pode provocar, aí as coisas mudam de figura”, refere, concluindo: “Se realmente o perigo não for muito preocupante, é preferível ter esta imunização natural a andar a correr atrás da quinta, sexta ou sétima dose”.
Em Portugal, desde março de 2020, morreram 18.909 pessoas e foram contabilizados 1.303.291 casos de infeção, segundo dados da Direção-Geral da Saúde.
Uma nova variante, a Ómicron, considerada preocupante pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi detetada na África Austral, mas desde que as autoridades sanitárias sul-africanas deram o alerta, a 24 de novembro, foram notificadas infeções em pelo menos 110 países, sendo dominante em Portugal.
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