O primeiro-ministro, António Costa, anunciou hoje que o Governo apoia a decisão do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para decretar o estado de emergência. A comunicação foi feita pelo líder do Governo após uma reunião urgente do Conselho de Ministros, que decorreu no Palácio da Ajuda, em Lisboa.

Após reunir o Conselho de  Estado, por vídeo-conferência, Marcelo Rebelo de Sousa propôs o Estado de Emergência, na sequência da pandemia de Covid-19. Numa nota divulgada no portal da presidência, o presidente da República diz que "depois de consultado o Conselho de Estado e ouvido o Governo, que se pronunciou em sentido favorável, o Presidente da República enviou à Assembleia da República, para autorização desta, o projeto de diploma decretando o estado de emergência".

O documento, sem datas de início ou fim, diz que o estado de emergência deve vigorar durante 15 dias. Depois do parecer dado pelo Governo, o decreto regressou, a Belém. A seguir, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa enviou-o para a Assembleia da República, acompanhado de uma mensagem a fundamentar a declaração do estado de emergência.

O estado de emergência só pode ser decretado por 15 dias, renováveis por períodos iguais. Durante o tempo em que estiver em vigor pode ser determinada a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias, prevendo-se, "se necessário, o reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e o apoio às mesmas por parte das Forças Armadas".

Estado de emergência. O que diz o decreto do Presidente da República
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Assim, cabe agora à Assembleia da República o próximo passo no processo. Os trabalhos no Parlamento estiveram suspensos até às 17h, para que os deputados analisassem o conteúdo do decreto onde Marcelo Rebelo de Sousa explica as razões por trás da declaração do Estado de Emergência.

Ainda sem alguns grupos parlamentares presentes, o vice-presidente da Assembleia da República Fernando Negrão abriu os trabalhos apenas para anunciar que "só agora chegou a mensagem do senhor Presidente da República". "Vai ser distribuída pelos líderes parlamentares para fazerem a devida análise. Os trabalhos suspendem-se até às 17:00", revelou o social-democrata.

Apenas em resposta a uma pergunta, o primeiro-ministro detalhou que o recolher obrigatório "não está sequer previsto no decreto" e remeteu para um Conselho de Ministros na quinta-feira a aprovação de medidas que irão dar execução ao decreto presidencial.

Porém, o documento do estado de emergência proposto pelo presidente prevê, por exemplo, a possibilidade de confinamento obrigatório compulsivo dos cidadãos em casa e restrições à circulação na via pública, a não ser que sejam justificados.

No Palácio da Ajuda, Costa começou por lembrar que, “como é do conhecimento público, o senhor Presidente da República, após audição do Conselho de Estado, procedeu à audição formal do Governo sobre um decreto de estado de emergência em Portugal".

"Atenta a gravidade desta decisão, que pela primeira vez é suscitada, no quadro da vigência da nossa Constituição de 1976, que o Governo se devia pronunciar através de uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros que agora foi concluída e o Conselho de Ministros, atendendo aos fundamentos do pedido do Senhor presidente da República, dá um parecer favorável ao decreto que o Senhor Presidente apresentará para apreciação e votação na Assembleia da República”, disse o primeiro-ministro.

"Com a declaração do Estado de Emergência a democracia não será suspensa", garantiu António Costa. "Nós continuaremos no pleno funcionamento das nossas instituições democráticas, continuaremos a ser uma sociedade aberta, de cidadãos livres, responsáveis por si e pelos outros.”

"E por isso a declaração do Estado de Emergência em caso algum pode desresponsabilizar o que tem sido um notável exemplo de civismo que os portugueses têm dado, seguindo as recomendações da Direção Geral de Saúde, procurando conter os contactos sociais ao mínimo essencial, e acatando as orientações das autoridades”, pede Costa.

“Queremos continuar a viver numa sociedade decente, uma sociedade em que cada um cuida de si e cuida dos outros também, onde ninguém é deixado ao abandono”, afirma, acreditando que "é mesmo nestes momentos de emergência que mais temos de sentir um sentimento comunitário de solidariedade uns para com os outros”.

António Costa diz que a primeira prioridade do Governo "é prevenir esta doença, conter a pandemia e salvar as vidas. Mas para salvar vidas é fundamental que a vida continue e tudo aquilo que são as cadeias de abastecimento fundamentais de bens essenciais tem de continuar a ser assegurado; os serviços essenciais têm de continuar a ser prestados, porque os nossos cidadãos e em particular aqueles que estão mais fragilizados nesta situação de pandemia mais necessitam de que toda a cadeia de produção de bens e serviços essenciais continue a ser assegurado.”

Assim, “o país não vai parar", sublinha líder do Governo. "Temos de continuar, porque só continuando temos um combate eficaz a esta pandemia.”

Amanhã, caso a Assembleia aprove também o decreto, o Conselho de Ministros "terá de apreciar as medidas que deverá tomar se a AR aprovar a proposta de decreto presidencial no dia de hoje”.

Em resposta aos jornalistas, António Costa explicou o processo: “o que está previsto é que a Assembleia da República discuta hoje à tarde a proposta de decreto presidencial e que se vier a ser aprovado entrará imediatamente em vigor”.

“A partir desse momento o governo fica habilitado a poder tomar as medidas que estão previstas no decreto presidencial”, esclarece. Havendo aprovação do decreto “no conselho de ministros de amanhã podemos tomar as medidas adequadas.”

Para isso, como, aliás, tinha explicado ainda no discurso, o primeiro-ministro esteve hoje reunido no ministério da Saúde com a ministra Marta Temido e os secretários de Estado, com a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, com o presidente do Instituto Nacional de Saúde e também com o presidente do Conselho Nacional de Saúde Pública. Costa pediu-lhes, até ao final do dia, "a base técnica e cientifica mais sólida possível", bem como "as recomendações do conjunto de medidas que na sequência da eventual declaração do estado de emergência o governo deve adotar para reforçar o combate e a prevenção desta pandemia”.

“Naturalmente todos temos a consciência de que não podemos pedir à ciência a certeza que a novidade desta realidade, a falta de conhecimento da sua evolução nos possa dar uma informação 100% segura, mas é absolutamente essencial que numa sociedade democrática os decisores políticos continuem a agir com base na informação técnica e científica adequada e não com base nas suas opiniões voluntaristas”,  afirmou António Costa.

“E é desta forma rigorosa que, tal como temos feito ao longo das últimas semanas, iremos continuar a fazer, com estado de emergência ou sem estado de emergência, adotando em cada momento as medidas que são essenciais, adequadas e necessárias para proporcionalmente sacrificar o que tiver de ser sacrificado para salvar esse bem maior que é a saúde pública e a vida de todos os portugueses”, concluiu o primeiro-ministro.

Conselho de Ministros de urgência após o Conselho de Estado

O primeiro-ministro convocou um Conselho de Ministros de urgência para analisar a posição do Conselho de Estado sobre uma eventual declaração do estado de emergência. A reunião, no Palácio da Ajuda — para permitir um maior distanciamento entre os ministros —, em Lisboa, começou poucos minutos após o final do Conselho de Estado (de que o primeiro-ministro também faz parte), realizado por vídeo-conferência.

Antes do final do encontro, fonte do gabinete de Costa tinha dito à agência Lusa que a reunião servia para seguir o enquadramento constitucional que determina que cabe ao Presidente da República declarar o estado de emergência, ouvido o Governo e autorizado pela Assembleia da República.

Apesar de o primeiro-ministro integrar o Conselho de Estado, órgão de consulta política do Presidente da República, que se reuniu hoje de manhã, António Costa entendeu que deveria informar e ouvir todo o Governo sobre esta matéria.

"Declarar o estado de sítio ou o estado de emergência" é uma das competências próprias do Presidente, previstas no artigo 138.º da Constituição da República Portuguesa. Se Marcelo Rebelo de Sousa decidir pela declaração do estado de emergência, terá de ouvir o Governo e submeter um pedido de autorização à Assembleia da República, que autoriza ou recusa, através de uma resolução.

Na ordem de trabalhos dos deputados para esta quarta-feira, estava previsto já o "eventual debate sobre o pedido de autorização da declaração do estado de emergência". Estava igualmente previsto o debate da proposta do conselho de ministros que aprova "medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo novo Coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19".

A reunião do Conselho de Estado começou esta manhã, às 10:15, por videoconferência, com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, onde passou a noite, depois de ter estado 14 dias em quarentena voluntária na sua casa em Cascais. Fonte da Presidência afirmou à Lusa que dois conselheiros — o ensaísta Eduardo Lourenço e Costa Andrade, presidente do Tribunal Constitucional — não participaram na reunião.

Quatro horas depois, a reunião terminou, sem que fossem divulgadas as conclusões. Marcelo Rebelo de Sousa fará ainda uma declaração ao país, emitida na RTP, ao final da tarde/início da noite desta quarta-feira.

Na conferencia de líderes parlamentares, na terça-feira, ficou em aberto a possibilidade de se realizar mais uma reunião plenária esta semana, para o caso de o processo de uma eventual declaração do estado de emergência ser mais demorado."

Foi o primeiro-ministro, António Costa, que anunciou no domingo passado que seria convocado um Conselho de Estado para analisar aquela possibilidade, como resposta à pandemia de Covid-19.

António Costa já tinha dito que não se opunha à declaração do estado de emergência, que nunca vigorou em Portugal, mas manifestou dúvidas, considerando que as medidas devem ser tomadas à medida das necessidades e que não vê motivos para, por exemplo, se limitarem as liberdades de reunião ou de expressão.

Entre os partidos, que na generalidade não se opõem, o PCP considerou prematuro e não antecipou o sentido de voto face ao decreto que vier, se vier, a dar entrada na Assembleia da República.

Segundo a lei, a declaração do estado de emergência conterá "clara e expressamente" a "caracterização e fundamentação do estado declarado", o seu âmbito territorial, a duração, a "especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso ou restringido", a determinação "do grau de reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e do apoio às mesmas pelas Forças Armadas, sendo caso disso".

Economia em "tempos de guerra"

O ministro das Finanças, Mário Centeno, afirmou esta manhã que a contenção já implementada devido ao novo coronavírus "está a levar a economia a tempos de guerra", referindo que o momento exige "uma resposta sem precedentes".

Na conferência de imprensa conjunta dos Ministérios das Finanças e da Economia, transmitida 'online', para anúncio de novas medidas de apoio às empresas, o ministro Mário Centeno começou por considerar que se vivem "circunstâncias excecionais" que exigem "uma resposta sem precedentes".

"Não regatearemos nenhum esforço para daqui por três meses dizer que enfrentamos mais uma crise", declarou o ministro das Finanças.

Mário Centeno referiu que as medidas decididas para apoiar as empresas e proteger o emprego resultam de "uma resposta política coordenada de todo o governo — é um momento de pensar em iniciativas para conter a doença e acudir à liquidez das empresas, em particular das pequenas e médias empresas (PME), e às famílias que já hoje sentem impacto das medidas adotadas".

"A contenção já implementada está a levar a economia a tempos de guerra. A hora é de conter aquilo que é a pandemia, mas a hora é também de manter a economia a funcionar, de manter o emprego, de garantir que as empresas têm liquidez para num momento difícil conseguir manter as suas obrigações".

Centeno abriu já a porta a um Orçamento do Estado retificativo durante 2020, de forma a acomodar as medidas previstas. "Não estamos em tempos normais, não estamos em tempo de pôr em causa a execução destas medidas e de outras que venham a ser necessárias, e os orçamentos retificativos servem exatamente para isso", disse o ministro das Finanças.

No entanto, Centeno ressalvou que o atual Orçamento do Estado, quando entrar em vigor, "tem um conjunto de mecanismos de adaptação que vão ser utilizados", e que quando esses mecanismos se esgotarem, "não há nenhuma questão que possa impedir" a apresentação de um orçamento retificativo.

Ponto de situação em Portugal

O coronavírus responsável pela pandemia da Covid-19 infetou mais de 189 mil pessoas, das quais mais de 7.800 morreram. Das pessoas infetadas em todo o mundo, mais de 81 mil recuperaram da doença.

O número de infetados pelo novo coronavírus subiu para 641. A Direção-Geral da Saúde (DGS) avançou inicialmente com 642, novos casos, mais 194 do que os contabilizados na terça-feira, mas a autoridade regional de saúde dos Açores retificou em baixa o número de infetados no arquipélago para apenas dois. Segundo o boletim sobre a situação epidemiológica de Covid-19 em Portugal, divulgado hoje às 12:00, desde 1 de janeiro foram registados 5.067 casos suspeitos.

Segundo a DGS, há 351 casos a aguardar resultado laboratorial e três casos recuperados.

Até agora há dois mortos confirmados pelas autoridades de saúde.

Portugal está em estado de alerta desde sexta-feira, e o Governo colocou os meios de proteção civil e as forças e serviços de segurança em prontidão. Entre as medidas para conter a pandemia, o Governo suspendeu as atividades letivas presenciais em todas as escolas desde segunda-feira e impôs restrições em estabelecimentos comerciais e transportes, entre outras.

O Governo também anunciou o controlo de fronteiras terrestres com Espanha, passando a existir nove pontos de passagem e exclusivamente destinados para transporte de mercadorias e trabalhadores que tenham de se deslocar por razões profissionais.

O Governo declarou ainda o estado de calamidade pública para o concelho de Ovar.

A DGS criou vários sites onde concentra toda a informação atualizada e onde é possível acompanhar a evolução da infeção em Portugal e no mundo. Podem também ser consultadas as medidas de segurança recomendadas e esclarecer dúvidas sobre a doença.
Quem suspeitar estar infetado ou tiver sintomas em Portugal - que incluem febre, dores no corpo e cansaço - deve contactar a linha SNS24 através do número 808 24 24 24 para ser direcionado pelos profissionais de saúde. Não se dirija aos serviços de urgência, pede a Direção-geral de Saúde. 

*Com Lusa