A funcionar no Centro Nacional de Apoio a Integração de Migrantes (CNAIM), o Gabinete de Apoio à Vítima (GAV) atende, informa, apoia e encaminha mulheres migrantes vítimas de violência doméstica e de práticas tradicionais nefastas, designadamente mutilação genital feminina e casamentos infantis, precoces e forçados.
Desde que começou a funcionar, o GAV trabalhou 25 situações de apoio à vítima, das quais resultaram sete processos abertos de acompanhamento, além do apoio prestado a entidades que trabalham com estes casos em áreas como a segurança, saúde, justiça, entre outros.
Com uma experiência de quase 20 anos no apoio às vítimas de violência doméstica, a psicóloga Augusta Barbosa não tem dúvidas das “vulnerabilidades acrescidas” destas mulheres migrantes, muitas vezes indocumentadas, que se sujeitam ao agressor por julgar que não têm alternativa.
“A língua, as questões culturais, o facto de estarem irregulares, o medo de terem de voltar ao seu país, interrompendo o projeto de vida que as trouxe para cá, são vulnerabilidades acrescidas para estas mulheres e barreiras a um pedido de ajuda”, disse à Lusa esta técnica da Associação para o Planeamento da Família (APF) no GAV.
E acrescentou: “Em todas as vítimas de violência doméstica sentimos o medo do agressor. Nas vítimas migrantes, há o medo do agressor e o medo da sociedade”.
A convivência permanente com o agressor, devido ao confinamento imposto pelo combate à covid-19, veio agudizar as situações de violência doméstica em Portugal, tal como tem acontecido em todo o mundo.
Por cada três meses de confinamento, mais 15 milhões de mulheres são vítimas de agressão doméstica, segundo projeções das Nações Unidas.
Face ao risco acrescido de violência no contexto do isolamento necessário para a contenção da covid-19, o Governo adotou um conjunto de medidas para garantir a segurança e o apoio às vítimas de violência doméstica que passam, entre outras, pela divulgação nas redes sociais de informações úteis, em várias línguas, e a criação de uma linha para as vítimas pedirem ajuda por mensagem escrita.
No caso das mulheres migrantes, os riscos são ainda maiores. “Estas vítimas estão mais dependentes do agressor, o que aumenta a sua vulnerabilidade. É tudo muito mais intenso”, disse Augusta Barbosa.
A falta de documentos é, segundo a psicóloga, um dos principais obstáculos a um pedido de ajuda, daí a importância do GAV e de as vítimas saberem que, se e quando quiserem, há alguém para as apoiar.
Para Sónia Duarte Lopes, coordenadora da delegação de Lisboa da APF, o passo mais importante é a vítima pedir ajuda e para isso ela precisa de confiar.
“Aqui elas vão ser muito respeitadas. Vão ser ouvidas, sem julgamento. Elas precisam de saber que aqui é um lugar seguro, com a vantagem de o gabinete funcionar no CNAIM e elas poderem dizer [ao agressor] que vão tratar de algum processo, quando na verdade vão pedir ajuda”, adiantou.
Para Sónia Duarte Lopes, o pior que pode acontecer é “não estar lá para um pedido de ajuda”.
Devido à pandemia, a psicóloga receia que ainda não seja desta que as mulheres migrantes, com toda a sua vulnerabilidade, sejam uma prioridade.
“Temo que ainda não seja desta que se possa dar o apoio necessário para as mulheres migrantes serem vistas como iguais, como vítimas que são todas”, disse.
Relativamente às sobreviventes de práticas tradicionais nefastas, designadamente mutilação genital feminina e casamentos infantis, precoces e forçados, Sónia Duarte Lopes defendeu um “papel muito ativo e transversal, com ligações às comunidades”.
Daí a importância dos tradutores – uma vez que a este gabinete ocorrem mulheres de variadas nacionalidades – e de “uma visão holística que abranja setores como a saúde, nomeadamente na área da saúde sexual e reprodutiva”.
Sónia Duarte Lopes reconhece que ainda se está longe de chegar às mulheres em Portugal que se estima serem sobreviventes da prática de mutilação genital feminina: cerca de 6.000.
Em 2020, os profissionais de saúde em Portugal detetaram 101 casos de mutilação genital feminina, menos 18 do que em 2019.
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