Esse aumentar das desigualdades existentes entre homens e mulheres aconteceu “tanto na Europa como fora, regredindo conquistas duramente alcançadas nos últimos anos”, lê-se no “Relatório de 2021 sobre a igualdade de género na UE” publicado pela Comissão Europeia.

No documento, é referido que os Estados-membros registaram um “aumento da violência doméstica”, tendo o número de relatos deste tipo de incidentes sido multiplicado por cinco na Irlanda, e tendo-se registado também um aumento de 32% de queixas em França durante a primeira semana de confinamento.

No que se refere à participação das mulheres na linha da frente do combate à pandemia, o relatório da Comissão salienta que 76% do pessoal de saúde e de assistência social são mulheres, uma percentagem que sobe para 86% nos casos de prestadores de cuidados pessoais nos serviços de saúde.

“Com a pandemia, as pessoas que trabalham nestes setores viram um aumento sem precedentes da sua carga de trabalho, dos seus riscos para a saúde e dos desafios que encontram no equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”, frisa o relatório.

No âmbito do mercado de trabalho, a Comissão informa ainda que as mulheres estão “sobre-representadas” nos setores mais severamente afetados pela crise e que não conseguem operar em teletrabalho, como as lojas, hospitais e cuidados de saúde.

“As mulheres, especialmente em trabalhos mal pagos ou que requerem poucas qualificações, não estão apenas a experienciar um risco maior de desemprego, mas também mais barreiras para beneficiar dos esquemas de apoio extraordinário que foram estabelecidos para mitigar o impacto desse mesmo desemprego”, é apontado.

Ao maior risco de desemprego e à presença na linha da frente, o executivo comunitário precisa também que o trabalho doméstico continua a ser maioritariamente exercido pelas mulheres: segundo as estatísticas do relatório, as mulheres gastam, em média, 62 horas semanais a tomar conta das crianças (contra 36 horas para os homens) e 23 horas em tarefas domésticas (contra 15 horas para os homens).

Abordando ainda a questão das mulheres em lugares de liderança na UE, a Comissão refere que os homens “superam vastamente” as mulheres “nos órgãos criados para responder à pandemia”.

Neste aspeto, no entanto, Portugal é apresentado pelo executivo comunitário como um bom exemplo, sendo um dos 11 países da UE em que a paridade entre homens e mulheres nos governos corresponde a, pelo menos, 40% de cada género.

Em comunicado, a vice-presidente executiva da Comissão Europeia para os Valores e Transparência, Vera Jourova, reagiu ao relatório, referindo que “as mulheres estão na linha da frente da pandemia e são mais afetadas", não se podendo a UE “dar ao luxo de regredir” nesta matéria.

“Temos de continuar a lutar por mais justiça e igualdade. É por isso que a UE colocou as mulheres no centro da recuperação e obrigou os Estados-membros a incluir a igualdade de género em investimentos financiados pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência”, afirma a responsável.

Também a comissária para a Igualdade, Helena Dalli, sublinha que a UE está “determinada em aumentar os esforços” e a continuar a “progredir para não permitir um retrocesso em todas as conquistas feitas para a igualdade de género”.

“Apesar do impacto desproporcional nas vidas das mulheres devido à crise da covid-19, temos de utilizar esta situação como uma oportunidade”, destaca a comissária.

Nesse âmbito, a Comissão relembra, numa nota de imprensa, que, apesar da pandemia, “a igualdade de género nunca teve um destaque tão grande na agenda política da UE” e informa que irá criar um Portal de Monitorização da Estratégia para a Igualdade de Género, que visa “acompanhar o progresso” feito pelos Estados-membros nesta matéria.

Eurodeputadas defendem fiscalização do cumprimento das leis de igualdade de género

Quatro eurodeputadas portuguesas defenderam hoje a necessidade de fiscalização do cumprimento das leis de igualdade de género e a importância de ter mulheres em cargos de decisão e de combater a precariedade para haver igualdade salarial.

Num 'webinar' que debatia a igualdade de género durante a crise pandémica e o período pós-crise, a eurodeputada socialista Maria Manuel Leitão Marques começou por evidenciar que "as mulheres ocupam empregos mais precários e, portanto, vão ser mais castigadas em termos de desemprego".

Para trazer as mulheres "de volta para o mercado de trabalho", a eurodeputada do PS defendeu a importância das "competências digitais", tendo em conta que é uma área que representará "90% das profissões no futuro", e apontou a necessidade de "ter mulheres a fazer legislação e em cargos de decisao", uma "falta evidente" durante a pandemia.

A eurodeputada Graça Carvalho (PSD) notou, nesse sentido, a importância de "ter acesso aos dados desagregados do género" para que sejam "trabalhados por quem faz as políticas", mas também de usar "os novos financiamentos europeus para que sejam dirigidos às mulheres" e para "melhorar o acesso à internet" em zonas remotas, para que "tenham acesso à informação".

A social-democrata sublinhou também a questão do "desenvolvimento de carreiras", em que "há bons exemplos nas carreiras científicas" devido à "paridade no número de doutorados e doutoradas", mas não no número de reitores em universidades, sendo que "no campo empresarial os números são muito piores".

A parlamentar europeia do BE Marisa Matias, por seu lado, apontou uma tendência de foco na esfera pública, em que "há muito por fazer" nas questões "essenciais" da desigualdade salarial e do trabalho precário, mas que leva ao descuido "do espaço doméstico e privado".

"Enquanto não houver uma divisão e ocupação real mais igualitária do espaço privado, é difícil que se traduza no espaço público", frisou Marisa Matias, ressalvando que "a igualdade de género, mesmo consagrada no quadro legal existente na maior parte dos países, continua longe de se cumprir".

Para a eurodeputada bloquista, é "óbvio" que a reprodução das desigualdades "tem muito que ver com o papel da maternidade e com o não reconhecimento dos direitos das mulheres", sendo que o combate "passa por ter instrumentos de proteção legal do direito à maternidade, nomeadamente por via de fiscalização", pois "há ainda muita violação da legislação existente", e também por "uma partilha das licenças de maternidade e paternidade".

Marisa Matias alertou ainda para a necessidade de "haver políticas fiscais para que as mulheres possam aceder a produtos necessários durante a sua idade reprodutiva", uma questão "sistematicamente ignorada e, por vezes, ridicularizada" e em que "há uma pobreza extrema".

A eurodeputada comunista Sandra Pereira concordou com Marisa Matias e criticou a falta de "meios no terreno que possam fazer a fiscalização" e de "um verdadeiro combate à precariedade", dando o exemplo da "subcontratação em serviços essenciais".

"Tem de haver proteção no emprego e, para haver igualdade salarial, temos de começar por combater a precariedade", argumentou.

Sandra Pereira apontou ainda "retrocessos relacionados com o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos", destacando "os rastreios que não foram feitos ao nível do cancro da mama e do colon do útero" e o "acesso a consultas para interrupção voluntária de gravidez", o que vai "sentir-se futuramente na vida das mulheres".

As eurodeputadas portuguesas participaram hoje num 'webinar' organizado pelo Parlamento Europeu em Portugal no âmbito do Dia Internacional da Mulher, que teve como tema "Perspetiva de género na crise covid-19 e no período pós-crise".

A igualdade de género é uma das prioridades da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que prevê organizar uma Cimeira Social, no Porto, em maio, em que vai estar em debate o plano de ação do Pilar dos Direitos Sociais e a importância deste na recuperação da crise provocada pela pandemia.