“O medo da pandemia pode tornar-se, nas circunstâncias em que vivemos, no medo dos mísseis russos, no medo da fome, no medo do desemprego, no medo da escalada dos preços de bens essenciais de que dependemos”, avisou João Pedro Caupers, na abertura da 5.ª Assembleia da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa (CJCPLP).

Sob o tema “Garantia da proteção dos direitos fundamentais em tempo de pandemia”, representantes dos tribunais constitucionais de Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, reunidos em Lisboa até sexta-feira, vão “trocar impressões” sobre as decisões dos diferentes tribunais perante a redução de direitos fundamentais que resultou das medidas contra a covid-19, explicou Caupers à Lusa, à margem do encontro.

“Se me perguntassem qual a principal lição que os anos de 2020 e 2021 me trouxeram, eu responderia: Afinal, a garantia e proteção dos direitos fundamentais, que eu tinha por certa e, tanto quanto possível, eficiente, é bem menos segura e garantida”, lamentou o juiz durante o seu discurso.

Recordou que, desde o início da pandemia, Portugal conheceu “15 declarações do estado de emergência, 11 declarações de situação de alerta, 11 declarações de situação de calamidade, duas declarações de situação de calamidade, contingência e alerta, três declarações de situação de contingência e alerta e três declarações de situação de contingência”.

“A anormalidade tornou-se uma nova normalidade. Entraram nas nossas rotinas coisas antes impensáveis como confinamentos forçados, proibição de deslocações, reconduções ao domicílio por agentes policiais, internamentos compulsivos, encerramento de escolas, serviços públicos e estabelecimentos comerciais”, lembrou.

Questionando a audiência sobre o motivo por que “a larga maioria dos cidadãos foi tolerando, com resignação, a limitação brutal das suas liberdades e direitos fundamentais”, Caupers rejeitou que fosse por “consciência cívica apurada” ou “resiliência e espírito de sacrifício”

“A minha explicação é bem mais simples: medo. Puro e simples medo”, apontou.

No caso de Portugal, a questão chegou ao TC quando um cidadão que regressava a Ponta Delgada, onde vivia, foi obrigado a um confinamento de 14 dias num hotel, “em piores condições do que as de um preso a cumprir pena”.

“O seu advogado, lembrando-se que o Estado de direito ainda estava vivo, embora em situação comatosa, interpôs um pedido de ‘habeas corpus’”, que “uma jovem e corajosa juíza do tribunal local deferiu, determinando a sua imediata restituição à liberdade”.

A partir do recurso que o Ministério Público interpôs para o TC, “iniciou-se a saga da jurisprudência covid-19", recordou.

“A principal luta do Tribunal Constitucional de Portugal foi precisamente contra o medo. Que o medo transformasse cidadãos livres em súbditos de um novo poder, o poder do vírus”, afirmou o presidente do TC.

Alertando que ao medo da pandemia se podem seguir outros medos, João Pedro Caupers afirmou que “apenas os governos e as instâncias internacionais de cooperação podem lutar contra as causas destes medos”.

“Às jurisdições constitucionais cabe a tarefa de recordar que esta luta não pode implicar o sacrifício dos direitos e das liberdades fundamentais, mantendo viva a chama do Estado de direito, mesmo e sobretudo, quando é difícil alimentá-la. Estou convicto de que seremos capazes de o fazer”, disse, perante os restantes juízes lusófonos.

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