“Têm chegado centenas de denúncias de professores sobre a falta de condições para o ensino à distância, que irá prejudicar não só os docentes e as suas famílias, mas também milhares de alunos a quem dão aulas”, alertou André Pestana, coordenador nacional do Sindicato de Todos os Professores (STOP.).

Sónia Gouveia é um desses casos. A professora de Ciências Naturais é mãe de uma menina de 3 e outra de 8 anos e, na próxima segunda-feira, terá de conciliar a missão de ensinar os seus alunos, sem descurar o apoio à filha que está no 1.º ciclo e a atenção que exige uma criança de três anos.

“Ainda não descobri a fórmula mágica para conseguir gerir esta situação”, desabafou em declarações à Lusa, explicando que agora a situação é mais complicada porque haverá mais horas de aulas síncronas.

“No ano passado, também passava o dia ao computador a preparar aulas, responder a alunos, corrigir trabalhos e outras tarefas. Mas era mais fácil de gerir, porque podia parar e retomar a qualquer momento”, contou.

Na próxima segunda-feira, cerca de 1,2 milhões de alunos do 1.º ao 12.º ano recomeçam as aulas com ensino á distância depois de duas semanas de pausa letiva, uma decisão do Governo tendo em conta o agravamento da situação de pandemia de covid19 no país e a dificuldade de resposta do serviço de saúde.

O Ministério da Educação deu autonomia às escolas para definirem o tempo de aulas síncronas e assíncronas, tendo em conta a realidade escolar. A direção do agrupamento onde Sónia Gouveia dá aulas decidiu que 70% da carga horária será com aulas síncronas, contou à Lusa.

“Sei que há escolas onde os professores só terão 40% ou 50% de aulas síncronas, ora isto também cria desigualdades e injustiças”, lamentou a professora do 3.º ciclo.

Para Sónia Gouveia uma das soluções para os professores com filhos pequenos podia ser precisamente a redução de aulas síncronas ou a possibilidade de deixar as crianças em escolas de acolhimento: “Ia custar-me muito deixar as minhas filhas, por causa da situação pandémica, mas se calhar era uma alternativa viável”.

A partir de segunda-feira, haverá muitos momentos em que a professora estará a ensinar mais de 20 alunos ao lado da filha que também está a ter aulas ou a solicitar ajudar com os seus trabalhos. “Infelizmente, não são assim tão autónomos como gostaríamos”, desabafou.

“Nenhum de nós se quer escusar às suas responsabilidades enquanto professores, até porque sabemos que os nossos alunos precisam de nós, mas também não nos podemos demitir das nossas responsabilidades parentais”, explicou à Lusa.

A docente lembrou ainda que uma criança de três anos “nunca pode ficar sem supervisão”.

Para o STOP, a situação é grave e irá afetar milhares de alunos que têm professores com filhos menores. “Quando exigimos condições para estes professores também estamos a salvaguardar a situação destes alunos”, defendeu André Pestana.

O coordenador do sindicato referiu o relato de uma outra professora de Matemática do ensino secundário, que tem três filhos, e que já antevê uma grande confusão.

“Os professores vão estar a tentar dar aulas com crianças em casa a pedir ajuda ou mesmo a chorar. Os professores estão desesperados e vários já disseram ao sindicato que estão dispostos a ter um corte no salário para poderem acompanhar os filhos ou que vão meter baixa, porque já não aguentam”, contou André Pestana.

Ao STOP também têm chegado relatos de docentes que se queixam de ter feito um investimento em material para poder dar aulas ‘online’, sem que fosse possível receber algo em troca.

No ano passado, quando o Governo decidiu encerrar as escolas e continuar com ensino à distância, Luís Guarda comprou uma mesa digitalizadora e uma webcam para continuar a dar as aulas de matemática.

“Foi ótimo porque os alunos conseguiam acompanhar muito melhor as aulas. Mas, quer dizer, o mínimo era ter direito a meter estas despesas no IRS”, criticou o professor.

Luís Guarda comprou um computador, que serve para dar aulas. A Internet que usa é paga com o seu dinheiro assim como todo o restante material necessário: “Os professores deveriam ter um plafond, de 20 ou 30 euros por mês, para material que deveria ser deduzível no IRS”.