O Serviço Nacional de Saúde tinha, em 20 de março, 2.164 camas ocupadas com internamentos sociais, mais 11% face ao mesmo período de 2023, com um custo de mais de 68 milhões de euros para o Estado.

A falta de resposta da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) é a principal causa do número de internamentos sociais em todas as regiões, sendo que no Centro representa 74% dos internamentos, seguido do Algarve (49%) e do Alentejo (46%).

Neste momento, existe um total de 9.732 utentes a usufruir desta rede, mas também há uma grande lista de espera: em todas as tipologias, cerca de 2.200 pessoas aguardam uma vaga.

O que são os cuidados continuados?

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) foi criada pelos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e Segurança Social e da Saúde e é "formada por um conjunto de instituições públicas e privadas que prestam cuidados continuados de saúde e de apoio social", pode ler-se num guia disponibilizado pela Segurança Social.

Assim, estas instituições têm como objetivo "a prestação de cuidados de saúde e de apoio social de forma continuada e integrada a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência, na sequência de episódio de doença aguda ou necessidade de prevenção de agravamentos de doença crónica".

"Os Cuidados Continuados Integrados estão centrados na recuperação global da pessoa, promovendo a sua reabilitação, autonomia e melhorando a sua funcionalidade, no âmbito da situação de dependência em que se encontra, com vista à sua reintegração sociofamiliar", é ainda explicado.

Todas as unidades existentes no país estão disponíveis online, com dados e contactos.

Que cuidados são prestados?

Trabalham nos cuidados continuados "equipas multidisciplinares, nomeadamente nas áreas de medicina e enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia e serviço social, tendo como objetivo a reabilitação, readaptação e reinserção familiar".

Os cuidados prestados são divididos em várias áreas, a saber:

  • Unidade de Convalescença (UC) — destinada "a pessoas que já não necessitam de cuidados hospitalares de agudos, mas que devido a uma situação de doença súbita, recorrência ou descompensação do processo crónico, requeiram cuidados de saúde que, pela sua frequência, complexidade ou duração, não possam ser prestados no domicílio". Neste caso, estão em causa internamentos até 30 dias.
  • Unidade de Média Duração e Reabilitação (UMDR) — para "pessoas que, na sequência de doença aguda ou reagudização de doença crónica, perderam a sua autonomia e funcionalidade, mas com potencial de reabilitação funcional e que necessitem de cuidados de saúde, apoio social, que pela sua frequência ou duração, não podem ser prestados no domicílio". Estão em causa internamentos entre 30 a 90 dias.
  • Unidade de Longa Duração e Manutenção (ULDM) — destinada a "utentes com doença ou processo crónico, com diferentes níveis de dependência e graus de complexidade, que não reúnam condições para serem cuidadas em casa ou noutro tipo de resposta. Presta apoio social e cuidados de saúde de manutenção que previnam e retardem o agravamento da situação de dependência, favorecendo o conforto e a qualidade de vida". Os internamentos são superiores a 90 dias.
  • Equipa de Cuidados Continuados Integrados – Domiciliários (ECCI) — para "pessoas em situação de dependência funcional transitória ou prolongada, que não se podem deslocar de forma autónoma, cujo critério de referenciação assenta na fragilidade, limitação funcional grave, condicionada por fatores ambientais, com doença severa, em fase avançada ou terminal, ao longo da vida, que reúnam condições no domicílio que permitam a prestação dos cuidados continuados integrados". Aqui está em causa uma "frequência de prestação de cuidados de saúde superior a uma vez por dia ou prestação de cuidados de saúde superior a 1 hora e 30 minutos por dia, no mínimo de três dias por semana".
  • Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental (CCISM) — esta tipologia inclui tratamentos em "Residências de Treino de Autonomia", "Unidades Sócio Ocupacionais", "Residências de Apoio Máximo" ou "Residências de Apoio Moderado", tanto para adultos (a partir dos 18 anos) como para crianças e adolescentes (entre os cinco e os 17 anos). Há ainda a possibilidade de aceder a tratamentos por parte de equipas de apoio domiciliário.

Como aceder aos cuidados continuados?

Podem aceder aos cuidados continuados "todos os cidadãos nacionais e a estrangeiros com a situação regularizada em Portugal", desde que inseridos em alguma das categorias seguintes:

  • dependência funcional temporária;
  • dependência funcional prolongada;
  • idosos com critérios de fragilidade (dependência e doença);
  • incapacidade grave, com forte impacto psicológico ou social;
  • doença severa, em fase avançada ou terminal.

Além disso, têm de estar numa de duas situações para serem propostos para as respostas disponíveis na rede:

  • Internamento num hospital do Serviço Nacional de Saúde

Neste caso, deve contactar o serviço onde o doente está internado ou a Equipa de Gestão de Altas (EGA). "É a equipa do hospital onde o doente está internado que analisa a situação do doente e verifica se reúne as condições necessárias para ser referenciado para a RNCCI, mediante o envio de uma proposta de admissão à Equipa Coordenadora Local da área de residência do doente/família".

  • Internamento em hospital privado ou noutras instituições ou no domicílio

Nestas circunstâncias, "deve contactar um elemento da equipa de saúde familiar (médico, enfermeiro e/ou assistente social) da Unidade de Saúde da área onde reside que avaliará se reúne as condições necessárias para ser referenciado para a RNCCI, mediante o envio de uma proposta de admissão à Equipa Coordenadora Local da área de residência do doente/família".

"Se conhecer alguém que esteja em situação de dependência que precise de cuidados continuados de saúde e/ou apoio social, deve contactar qualquer profissional das unidades de cuidados na comunidade (UCC) para que seja feita a sinalização às USF (Unidades de Saúde Familiar) e UCSP (Unidade de Cuidados Saúde Personalizados) dos doentes com potencial de referenciação para a RNCCI", é ainda alertado pela Segurança Social.

Qual a documentação necessária?

O utente tem de ter regularizada a seguinte documentação:

  • Bilhete de Identidade/Cartão do Cidadão ou Título de Residência Válido;
  • Número de Utente de Saúde (SNS);
  • Número de Identificação Fiscal (NIF);
  • Número de Identificação da Segurança Social (NISS);
  • Declaração de Terceiro Pagador/Entidade Financeira Responsável a assumir a totalidade ou parte dos encargos dos cuidados, nas situações que envolvem a responsabilidade de seguradoras.

Quanto custa estar inserido nos cuidados continuados?

Há situações gratuitas para os utentes, algumas que implicam um pagamento e outras que podem até ser comparticipadas pela Segurança Social, de acordo com o guia disponibilizado:

  • O internamento numa Unidade de Convalescença é gratuito para o utente;
  • O apoio domiciliário da ECCI é gratuito para o utente;
  • Apenas nas Unidades de Média Duração e Reabilitação e nas Unidades de Longa Duração e Manutenção há lugar a comparticipação do utente;
  • Em todas as tipologias da RNCCI os custos referentes aos cuidados de saúde são assumidos pelo Serviço Nacional de Saúde, ou por outros subsistemas de saúde;
  • Os custos referentes ao apoio social são comparticipados pelo utente, de acordo com os seus rendimentos, em complementaridade pela Segurança Social;
  • A Unidade apenas cobrará, os cuidados e serviços de saúde e de apoio social, relativos ao valor diário apurado acordado aquando da assinatura do Termo de Aceitação do Internamento;
  • As demais despesas, que não sejam parte dos cuidados e serviços acordados, são da exclusiva responsabilidade do utente, quando por si solicitadas;
  • Prevê-se ainda a realização de um contrato de prestação de serviços no ato da admissão, entre o utente e o prestador, reforçando os compromissos subjacentes no Termo de Aceitação, transpondo para escrito os direitos e deveres, entre os quais a modalidade de pagamento.

Para ter comparticipação da Segurança Social é necessário preencher um formulário, que depois deve ser entregue através da Segurança Social Direta ou em mão num Serviço da Segurança Social.

Este documento tem como objetivo "declarar a composição do agregado familiar do utente e respetivos rendimentos para efeitos de apuramento da comparticipação da Segurança Social ao utente, com a prestação dos encargos decorrentes dos cuidados de apoio social".

De recordar que "o valor da comparticipação da segurança social corresponde ao diferencial entre os encargos com a prestação dos cuidados de apoio social e o valor a pagar pelo utente de acordo com a sua condição de recursos".

Quantas camas há disponíveis nos cuidados continuados?

De acordo com dados disponibilizados em abril, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados foi reforçada com mais 180 camas, nas tipologias de Convalescença (UC), Média Duração e Reabilitação (UMDR) e Longa Duração e Manutenção (ULDM).

Com estas aberturas, a rede ficou com uma capacidade total instalada nestas tipologias de 9.737 camas, informou a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) em comunicado.

Ao SAPO24, José Bourdain, presidente da Associação Nacional dos Cuidados Continuados (ANCC) explica que, neste momento, existem 9.732 utentes a usufruir dos cuidados continuados.

Mas a lista de espera é grande — e pode ser consultada online: estão 1.588 pessoas à espera de um lugar "nas principais tipologias". Mas o número é maior. "Se contarmos com todas são cerca de 2.200 no total", adianta.

Demora muito tempo a ter vaga?

O tempo entre a identificação do doente para a rede de cuidados continuados e a existência de vaga aumentou em 2022, quando mais de 90% da população residia a uma hora ou menos de um ponto da rede com internamento.

Segundo os dados da monitorização da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) divulgados em abril deste ano, houve uma tendência de agravamento da mediana de tempo desde a identificação do doente para a rede (referenciação) até que se encontrasse uma vaga, tanto nas Unidades de Média Duração e Reabilitação (UMDR) como nas Unidades de Longa Duração e Manutenção (ULDM), em todas as regiões.

No final de 2022, aguardavam vaga para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) 1.562 utentes, mais 19,24% do que no ano anterior e mais 23,09% do que no final de 2020. Nas ULDM concentrava-se o maior número de utentes à espera.

Relativamente ao ano anterior, no final de 2022 a Região de Lisboa e Vale do Tejo era a única que tinha menos utentes a aguardar vaga na RNCCI (passou de 671 para 649 pessoas), mas mesmo assim ainda era a região com mais utentes em lista de espera.

Os dados do regulador indicam ainda que, dos utentes efetivamente internados em 2022, cerca de 80% residia a 60 minutos ou menos da unidade respetiva e mais de 40% a 30 minutos ou menos.

Segundo a Monitorização sobre o acesso à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, nas UC (Unidades de Convalescença) e nas Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) a mediana do tempo de espera agravou-se na maioria das regiões de saúde.

A duração média do internamento excedeu a duração previsível para a tipologia respetiva, na maioria das regiões de saúde, “o que impactará no tempo de espera até obtenção de vaga”, sublinha a ERS.

O que está a ser feito para melhorar a resposta?

Segundo José Bourdain, "foram abertos concursos para o PRR (já muito tarde) e as entidades aguardam as decisões para poderem avançar com as obras para o terreno. O PRR está assim muitíssimo atrasado e coloca em causa a execução desses fundos, podendo o país vir a perdê-los por culpa desses atrasos".

Assim,"o que deve ser feito é criar vagas em apoio domiciliário, lares de idosos e também na RNCCI, sendo que fecharam 307 camas devido ao subfinanciamento (as verbas pagas pelo Estado não têm sido atualizadas ou quando são atualizadas não são suficientes para suportar os custos). Há várias unidades na iminência de fechar devido a não ter dinheiro suficiente para pagar as suas despesas", alerta.

A Associação Nacional dos Cuidados Continuados (ANCC) tinha já chamado a atenção esta quarta-feira para os “enormes atrasos” no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) — que previa a disponibilização de 5.500 novas camas de cuidados continuados — e sugeriu a dispensa de concurso público para agilizar processos e cumprir metas.

“Neste momento só o Norte é que tem avisos publicados da listagem das camas atribuídas às instituições que concorreram nas tipologias de média duração, longa duração, saúde mental e unidades de promoção de autonomia. Mas ainda não saíram também as camas de convalescença”, explicou o responsável.

José Bourdain contou que há entidades que se queixam de já terem sido contactadas pelo PRR, nomeadamente na região centro, para responder a algumas questões e dúvidas por parte de quem está a analisar as candidaturas (…), mas depois, na plataforma, nem sequer aparecem as respostas como tendo sido abertas e os documentos como tendo sido lidos”.

Nesse sentido, defende que para agilizar os processos se poderia pensar em “isentar as organizações de concurso público”. “Não sei se a União Europeia permitirá que tal possa acontecer, mas, a ser possível, penso que seria uma forma de agilizar o processo para que consigamos cumprir as metas exigidas pelo PRR”, acrescentou.

Exemplificando os atrasos, apontou a Região de Lisboa e Vale do Tejo, lembrando que aqui nem sequer as entidades foram contactadas por alguma dúvida que possa surgir na análise de candidatura”.

Segundo os dados recolhidos pela associação, houve candidaturas para um total de 1.900 camas, a maior parte precisamente da Região de Lisboa e Vale do Tejo (1.282).

Das tipologias existentes, a grande fatia de candidaturas foi para camas (1.144) em Unidades de Longa Duração e Manutenção (ULDM), seguidas de 467 camas em Unidades de Convalescença (UC), 247 em Unidades de Média Duração e Recuperação (UMDR) e 42 em Unidades de Cuidados Paliativos (UCP).