Ainda faltava algum tempo para a data quando, numa conversa cruzada na redação, pensámos no dia 8 de outubro de 1998. A verdade é que nenhum dos dois jornalistas que tiveram a ideia deste “Especial Saramago” tem memória do dia em questão — éramos apenas crianças com três anos. Mas construímos memórias a partir daquilo que vimos depois e, sobretudo, a partir daquilo que lemos. Porque se Saramago não está fisicamente connosco, os seus livros têm como destino natural as estantes de quem encontra na literatura refúgio.
No dia em que a ideia surgiu, tudo era vago. Há alguma coisa pensada?, perguntámos. Ainda não, o que sugerem?, perguntaram-nos. Hesitação. Ainda não temos a certeza, mas vamos pensar. E foi assim que da dúvida ganhámos uma tarefa: fazer alguma coisa.
Daqui, era quase impossível que essa coisa não começasse pelo Memorial do Convento. Foi o livro que inaugurou a grande obra do Saramago exclusivamente escritor e é a obra que tem dentro toda a literatura que ele inventou. Assim, pensámos em pegar no percurso do livro, que é um retrato da geografia dos montes, mas também das pessoas, e usá-lo como fio condutor para um trabalho que permitisse ilustrar as parábolas, a riqueza das personagens e cenários, a gramática e os demais traços que fazem de Saramago, Saramago. Foi daqui que surgiu um mapa, um roteiro que nos permitisse ver e ouvir a obra.
Contudo, era impossível manter a tarefa — que já parecia tão hercúlea quanto o transporte da pedra de Pero Pinheiro até Mafra — apenas entre duas pessoas. Era tempo de pedir ajuda. Primeiro que tudo era preciso uma voz para a história: tinha de ser alguém relacionado com José Saramago e, preferencialmente, com o dia do Nobel. A resposta estava bem perto: a nossa voz era Francisco Sena Santos, cronista do SAPO24, e que deu a notícia do Nobel a Zeferino Coelho, editor de Saramago, a 8 de outubro de 1998.
Mas a voz, sozinha, não era tudo. Era preciso colori-la. Aí entraram mais três elementos da equipa: Paulo Rascão, com as fotografias e vídeo, Pedro Marques na edição e Rodrigo Mendes nas ilustrações. Depois, veio tudo o resto. Há Saramago e a sua obra, as notícias do Nobel, a polémica com a escola de Mafra, Saramago e a Política — e pedimos mais mãos para escrever, ao Miguel Morgado.
E foi ao ler sobre José Saramago que tivemos a grande surpresa deste trabalho. Para nós, tudo começou verdadeiramente no dia em que Saramago nos deixou. No funeral do escritor, Eduardo Lourenço surgiu com um exemplar do livro, pedindo a Pilar que o colocasse junto do corpo. Ela assim o fez, “porque não se questionam os mestres”, e porque este havia dito sobre o Memorial “aqui está tudo”.
Falta falar do nome deste especial. “E disto fez Nobel”. Saramago, sempre ele, a deixar-nos a deixa: “Não nasci para isto, mas isto foi-me dado”, foi o que disse a terminar o discurso no banquete do Nobel. E sim, "disto" fez Nobel e "disto" conquistou um lugar que ultrapassa o seu espaço e o seu tempo.
No Memorial do Convento, Eduardo Lourenço encontrou tudo. E foi disto tudo que Saramago fez Nobel — que não há de ser muito diferente de fazer história.
Ficha técnica
Ideia
Alexandra Antunes e Pedro Soares botelho
Textos
Alexandra Antunes, Miguel Morgado, Pedro Soares Botelho e Lusa
Fotografia
Paulo Rascão
Ilustração
Rodrigo Mendes
Vídeo e Edição
Paulo Rascão e Pedro Marques
Mapa
Knightlab, edição de Pedro Soares Botelho
Um projeto desenvolvido pela MadreMedia
Agradecimentos
Fundação José Saramago (Ricardo Viel)
Hemeroteca Municipal de Lisboa (João Oliveira)
Museu de Lisboa — Palácio Pimenta (Paulo Almeida Fernandes)
Escola Secundária José Saramago (Perpétua Franco)
Palácio Nacional de Mafra (Mário Pereira e Fernanda Santos)
Porto Editora (Maria João Sales Machado)
Biblioteca Universitária João Paulo II, UCP (Ana Folque Gouveia, Bruno Marçal e Ricardo Cunha)
Turismo do Município de Loures — Feira Setecentista de Santo Antão do Tojal (Carla Ferreira)
MarmoFervença (José Manuel Coelho e Luís Santos)
Equipa técnica do Portal SAPO
Veja aqui o trabalho especial que o SAPO24 preparou para assinalar os 20 anos do Nobel
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