O aumento do custo de vida tem ameaçado as famílias que apesar de terem trabalho não conseguem fazer face a todas as despesas do mês, sendo a renda da casa a que leva a maior fatia do rendimento e a mais difícil de comportar. A inflação, os aumentos das taxas de juro no crédito à habitação e a pouca oferta no mercado de arrendamento e de venda imobiliária tem acentuado a crise na habitação em Portugal e afeta sobretudo os mais carenciados, mas também a classe média.

O Governo apresentou o programa Mais Habitação que reúne um conjunto de medidas entre as quais se destacam 5:

  • Aumentar a oferta de imóveis para serem utilizados para a habitação
  • Agir para a simplificação dos processos de licenciamento
  • Aumentar a oferta ao arrendamento acessível
  • Combater a especulação imobiliária
  • Apoiar as famílias

Estes cinco pontos serviram como mote para a conversa com alguns dos principais municípios do país. O SAPO24 contactou Braga, Porto, Coimbra, Lisboa e Faro para perceber de que forma as medidas do Mais Habitação vão, ou não, contribuir para mitigar o problema da falta de habitação.

Entre os temas abordados, estão os programas de apoio à habitação existentes e a decorrer em todos os municípios. Quase todos financiados pelo governo e pelos fundos europeus. Apoios que levantam preocupações quanto ao seu tempo de execução e que suscitam receio de ficarem sobrepostos pelo Mais Habitação. As questões dos municípios e das entidades gestoras dos respetivos parques habitacionais locais são muitas e todas acabam por chegar ao mesmo ponto: Como as executar em tão curto tempo?

Em Braga, a porta está aberta (para a discussão)

Ação de protesto contra a crise da habitação em Braga
Ação de protesto contra a crise da habitação em Braga Ativistas acampados frente à dependência do Banco de Portugal na praça da República, participam numa ação de protesto contra a crise da habitação, em Braga, 16 de fevereiro de 2023. HUGO DELGADO/LUSA créditos: Lusa/arquivo

“Preocupa-nos que se tenha feito um programa desta natureza sem olhar para os instrumentos que já estão no terreno [ a ser feito]”, lamenta Carlos Videira, administrador executivo da BragaHabit. Embora sublinhe que o município está de “portas abertas” para ajudar a melhorar as medidas apresentadas. “Vamos participar no processo de discussão pública do programa porque temos alguns contributos que entendemos que podem ser relevantes no sentido de melhorar as medidas apresentadas e também sugerir outras medidas que entendemos serem importantes, inclusive para a nossa atividade aqui no âmbito do município”.

O administrador avança com um conjunto de medidas que, no seu entender, poderiam contribuir para uma melhor execução de qualquer programa habitacional.

“Há um conjunto de medidas que levaram à crise habitacional, mas sabemos que todas elas passam pela pouca oferta habitacional, se nós conseguirmos aumentar a oferta será mais difícil a especulação imobiliária prosperar”, garante o gestor da empresa municipal de habitação de Braga.

“Aqui em Braga tem havido um esforço significativo da parte da Câmara Municipal no sentido de acelerar os processos de licenciamento à construção. Somos a autarquia nacional com maior agilidade nesse campo", salienta Carlos Videira.

"Há também um processo em curso que diz respeito à revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) em aumentar mais a área de construção no concelho. Através destas medidas e do programa de arrendamento acessível que vamos implementar, para além dos benefícios dados pelo Estado aos proprietários que coloquem os seus imóveis neste programa e que passam pela isenção de IRS/IRC, vamos incluir também a isenção de IMI acreditando que podemos ajudar a aumentar a oferta e daí baixar os preços.

Quem não quiser entrar neste programa de arrendamento acessível, mas quiser praticar as rendas de referência, rendas acessíveis e a custos controlados, não terá isenção de IMI, mas terá um desconto associado ao IMI que paga por fazer um arrendamento responsável e comportável para as famílias arrendatárias”, diz o gestor da BragaHabit.

“Resumindo, acreditamos que as medidas que podem ser mais eficazes para reduzir a especulação passam pela necessidade de concretizar mais a construção e a reabilitação e de convencer os proprietários a trazer esses imóveis para o mercado com custos controlados”, acredita.

A cidade de Braga tem aumentado o apoio às famílias, incluindo as que se enquadram na classe média. “São pessoas que têm capacidade de alugar uma casa no mercado livre (privado)”, mas que ultimamente têm sentido mais dificuldades.

“Tivemos, ao longo do ano de 2022, um aumento do número de famílias apoiadas por parte da BragaHabit. Estamos a falar dos vários regimes de apoio que temos, que é o arrendamento apoiado, também conhecido por habitação social, as residências partilhadas e o subsídio de arrendamento. Em 2021, tínhamos um número de famílias apoiadas na ordem das 1200, e chegamos ao final do ano de 2022 com o número de famílias apoiadas na ordem das 1500. Portanto, houve aqui um aumento bastante significativo, sobretudo ao nível do subsídio ao arrendamento, onde apoiávamos cerca de 560 famílias e passamos a apoiar 850. De momento, já estamos a falar de um público diferente: enquanto no rendimento apoiado temos sobretudo as pessoas mais carenciadas, mais pobres, agora falamos na classe média, que já começa a ter dificuldades em pagar as suas rendas da casa”, descreve o administrador.

“Temos uma lista de espera relativamente extensa para o arrendamento apoiado, na ordem das 280 famílias, o que nos levou a adotar novas medidas no sentido de tornar os nossos apoios mais abrangentes, revendo os critérios de elegibilidade para que as pessoas possam usufruir de alguma forma desse apoio habitacional”.

"Em 2022, fizemos uma revisão da estratégia local de habitação em que aumentamos o número das famílias que têm habitação, mas que precisam de outra solução habitacional. Uma habitação nova ou de habitação com condições de habitabilidade. São proprietários que vivem em casas antigas e que não têm capacidade para as renovar, não conseguem adaptá-las para melhores soluções energéticas e portanto estamos a apoiá-las. Pretendemos, também, aprovar um novo regime de apoio habitacional local que consiste em apoiar as famílias que estejam a ter dificuldades com os créditos que devem ao banco”, avança o gestor.

O subsídio ao arrendamento acessível do município de Braga, está focado para as famílias ou pessoas que têm trabalho, que conseguem aceder ao mercado livre, mas não conseguem pagar uma renda sozinhas. “São pessoas da classe média que vão ter acesso a este programa, que ainda não está em marcha aqui em Braga”, disse.

Medidas essas que coincidem com uma das anunciadas no programa Mais Habitação.

“Quando falamos no apoio direto às famílias, seja ao arrendamento, seja ao empréstimo, há neste novo pacote do governo, medidas que vão nesse sentido, e portanto, estamos expectantes para perceber em que é que essas medidas se consubstanciam na prática”. Carlos Videira, BragaHabit

“Há programas que têm o mesmo objetivo [que o nosso]", constata Carlos Videira. “Quando falamos no apoio direto às famílias, seja ao arrendamento, seja ao empréstimo, há neste novo pacote do governo, medidas que vão nesse sentido, e portanto, estamos expectantes para perceber em que é que essas medidas se consubstanciam na prática”, desconfia, apontando alguns erros que a administração central tem feito. “Aquilo que temos é um Powerpoint, não temos a proposta de lei que nos permita perceber qual vai ser a elegibilidade e as condições de acesso, prazos e quem vai gerir esses programas”.

O administrador da BragaHabit compara um dos seus programas locais com o Porta65. “Não é nada que as câmaras municipais não tenham: temos subsídio ao arrendamento. O governo tem o Porta 65, que é destinado ao arrendamento para jovens. Isto sempre coexistiu. O problema é que os apoios não podiam ser cumulativos aos apoios do Estado Central”, critica. “Julgo que esta lógica deverá manter-se, no entanto, há que sublinhar que algumas das nossas medidas locais têm sido mais eficazes do que as do Estado central”, compara.

“O Porta 65, por exemplo, para além de estar limitado a jovens, tem uma renda máxima. Ou seja, se os jovens quiserem candidatar-se a um T2, através da ajuda do Porta 65, que para o município de Braga tem um limite de renda até 500 euros, mas se só existirem T2 a 600 euros, esses jovens ficam liminarmente eliminados da sua candidatura”, lamenta o administrador.

“No nosso programa, assumimos que os 500 euros não são a renda máxima, mas sim a renda de referência. E o apoio que damos é sempre 40% da renda de referência. Portanto, se alguém em Braga não conseguir encontrar uma casa, por ela ter um valor superior a 500 euros, nós apoiamos na mesma até 40% sobre o valor de referência” e dá um exemplo, “se alguém em Braga estiver à procura de casa e não conseguir encontrar uma até 500 euros, pode avançar para uma, a custar 600 euros, por exemplo, e é apoiado na mesma. Neste caso, receberá 200 euros de apoio”, conclui Carlos Videira.

As novas medidas anunciadas em fevereiro estiveram em consulta pública até 13 de março, mas a Associação Nacional de Municípios (ANMP) pediu ao governo mais uns dias.

“Esperamos que as propostas que estão nesse documento em aberto sejam posteriormente concretizadas em propostas de lei, como é normal, para que possamos ajustar os nossos programas em função disso.

Carlos Videira critica o governo central não somente por ter feito um programa sem olhar para os instrumentos que estão no terreno, mas também pela fraca taxa de execução do que já existe. “Temos, a data de hoje, uma taxa de execução muito baixa do programa 1º Direito, que é um programa financiado pelo PRR, e que tem como meta garantir a habitação condigna a 26 mil famílias até o final do primeiro semestre de 2026. As notícias que temos é que as taxas de execução são muito baixas”, sublinha. “Há dias o Expresso trazia uma notícia em que a taxa de execução era de 3%”.

O administrador da BragaHabit aponta para um relatório da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, que identificou 15 investimentos em “estado de preocupante”. “Entendemos que isso tem muito a ver com a burocracia deste programa, que não nos permite dar mais soluções às famílias que precisam de resposta habitacional, de resposta pública”, lamenta Carlos Videira.

“Existem várias duplicações de funções, excessiva demora na análise das candidaturas. Várias alterações sistemáticas que tornam os valores de referência desadequados face àquilo que é a realidade do mercado. E por isso, entendemos que o sistema de controlo do programa, por parte do IHRU, devia mudar. Os valores de referência por metro quadrado deviam ser alterados e as exigências simplificadas sobre as propriedades das autarquias ao nível de registos que tornam as candidaturas muito mais morosas e burocráticas. E até avançar para um regime de deferimento tácito com a respectiva fiscalização, reforçada, mas à posteriori”, propõe o administrador de Braga.

Mitigar o problema

“Temos uma estratégia local de habitação que foi atualizada em 2022 no sentido de dar novas respostas públicas a um conjunto muito alargado de famílias. Até 2026, com o acesso aos fundos do PRR, queremos construir mais 170 casas e adquirir no mercado mais 87 habitações. Se juntarmos estas cerca de 250 casas, vamos reforçar em 35% o parque habitacional público no concelho de Braga e assim dar resposta à lista de espera de pessoas que vieram pedir ajuda à BragaHabit".

A Câmara Municipal tem uma série de edifícios públicos que estão à responsabilidade da autarquia, "como por exemplo, antigas escolas que estão a ser utilizadas com cariz social. Temos também antigas fábricas que vão ser convertidas em 800 camas para a habitação estudantil com o apoio do PRR. Mas para que a oferta pública seja aumentada de forma concertada é preciso que o governo promovesse um inventário completo e atualizado do seu património", sugere o administrador. "É fundamental que este inventário seja feito a nível nacional", acrescenta o gestor da BragaHabit.

Tempo de execução é curto

"Faltam pouco mais de três anos" para chegar à data final de execução deste plano e o Governo "só executou 3%" ao nível do PRR, até ao momento. "Nós aqui em Braga já temos 12 candidaturas aprovadas e várias candidaturas a aguardar aprovação. Ao todo estamos a falar de quase 200 imóveis que precisamos de fazer, mas com a taxa da inflação, com valores de referência desajustados, estamos a ter muito cuidado com a forma como lançamos estes concursos públicos porque, se ficarem desertos, são mais uns meses que o processo atrasa".

O administrador demonstra preocupação com os prazos de execução, dizendo que a meta de 30 de junho de 2026 para alcançar as 26 mil casas é "demasiado otimista". E sugere que "para chegarmos a esse objetivo temos de rever duas coisas: a excessiva burocracia dos programas e trabalhar em valores de referência que sejam mais consentâneos com os valores de mercado", conclui o administrador executivo da empresa municipal de habitação, BragaHabit.

No Porto, a indignação saiu logo após o anúncio do Mais Habitação

20º Aniversário do Metro do Porto
20º Aniversário do Metro do Porto JOSÉ COELHO/LUSA créditos: Lusa/arquivo

O presidente da Câmara de Porto, Rui Moreira, foi dos primeiros autarcas a queixar-se que o governo devia ter consultado as câmaras municipais sobre o programa anunciado, acusando-o de “centralismo absoluto” e de uma “total incoerência com o processo de descentralização”, acrescentou.

As medidas do programa Mais Habitação, "sobrepõem-se ao Plano Diretor Municipal (PDM), aprovado democraticamente? Isto é objetivamente um caso de centralismo absoluto”, contestou o autarca do Porto, em fevereiro.

Na Invicta, entre os programas de apoio à habitação social, o município destaca ao Sapo24, o programa “Porto com Sentido”. Em meados de fevereiro, arrancou o 19.º concurso para arrendamento acessível, que disponibilizou habitações na União de Freguesias do Centro Histórico, em Paranhos e em Ramalde, a valores cerca de 20% inferiores aos praticados no mercado de arrendamento.

“Desde a municipalização da Porto Vivo, SRU, o programa já contemplou 310 beneficiários nas 170 habitações entregues. Atualmente, um novo concurso atribuirá mais 15 fogos, elevando, assim, o número total para 185 habitações disponibilizadas no âmbito do programa”, diz o documento enviado pela autarquia.

O programa “Porto com Sentido” pretende “atrair e fixar os habitantes na cidade” através da oferta de habitação no mercado de arrendamento acessível com “a atribuição de casas a valores 20% inferiores aos praticados no mercado de arrendamento”.

Segundo a autarquia, a oferta habitacional resulta em boa parte de imóveis que pertencem à Câmara e também de privados. Estes últimos, entram no mercado de arrendamento ao abrigo do programa de arrendamento acessível.

Disperso por diversas zonas da cidade, as habitações estão disponíveis a cidadãos residentes, ou que trabalhem na cidade, mediante sorteio que tem sido aberto periodicamente ao longo do ano.

Coimbra quer crescer com este programa, mas a cidade dos estudantes quer primeiro saber as regras

CIDADE DE COIMBRA
CIDADE DE COIMBRA Cidade de Coimbra. Manuel Ribeiro/Madremedia créditos: Manuel Ribeiro/Madremedia

Coimbra também se queixa que não foi consultada previamente pelo governo sobre o programa Mais Habitação. “Portanto, ninguém pediu os nossos contributos”, começa por dizer ao SAPO24 a vereadora com o pelouro da Habitação Social da Câmara Municipal de Coimbra. “O que penso sobre o programa Mais Habitação é que acaba por ser algo muito vago”, lamenta Ana Cortez Vaz.

“Mesmo o que está em discussão pública. São ideias e não estão explicadas. Não está explícito como é que se vai chegar à sua concretização e, portanto, é óbvio que num mundo ideal todos nós queríamos aumentar a oferta de habitação. Agora expliquem é como? Não passem os problemas para as câmaras municipais”, avisa a vereadora de Coimbra, Ana Cortez Vaz.

“Uma das coisas que eu tenho visto e ouvido é que de facto grande parte das medidas que estão agora em discussão pública, e que nós não fomos vistos nem achados, já estão previstas na lei, portanto, é fazer cumprir. Porque é que não foram cumpridas até agora?” Ana Cortez Vaz, vereadora.

“Uma das coisas que eu tenho visto e ouvido é que de facto grande parte das medidas que estão agora em discussão pública, e que nós não fomos vistos nem achados, já estão previstas na lei, portanto, é fazer cumprir. Porque é que não foram cumpridas até agora?”, questiona Ana Cortez Vaz, eleita pela coligação “Juntos Somos Coimbra” (PSD, CDS-PP, Nós, Cidadão!, PPM, Aliança, RIR e Vol), liderada por José Manuel Silva, presidente da autarquia.

“Agora que tem estado em consulta pública, nós, na Câmara, estamos a analisar o documento, quer tecnicamente, quer politicamente e logo à partida há coisas que não podemos deixar, já, de chamar a atenção, nomeadamente, o fato de a política de habitação para o 1.º Direito, a política de habitação para o Arrendamento Acessível e esta nova política do Mais Habitação serem todas ou terem todas o mesmo horizonte temporal - 2026? Vai ser impossível”, avisa a vereadora que foi professora de geografia e de história antes de ser eleita.

“Os empreiteiros não se multiplicam, nem os trabalhadores da construção civil e, portanto, das duas uma: ou o mercado privado vai parar, porque efetivamente as câmaras, autarquias, governos e respetivas CIM vão necessitar desta força de trabalho, ou então vai haver aqui muitas obras que não vão poder avançar, porque efetivamente não temos mão de obra”, afirma a geógrafa.

“As coisas mais valiam ser analisadas e pensadas e deixarmo-nos destes prazos tão fixos, porque ninguém estava à espera desta guerra da Ucrânia, ninguém estava à espera que os preços subissem tanto. Posso dar-lhe como exemplo aquilo que tínhamos contabilizado para o 1.º Direito, que é um investimento de cerca de 60 milhões de euros, aprovados pelo IHRU. Desses 60 milhões que antes dariam para fazer “x” fogos habitacionais. Agora, com a inflação, dá para fazer “x menos y” fogos, certo? Está tudo muito mais caro”, lamenta.

O 1.º Direito é um programa em execução do governo que visa “apoiar as pessoas que vivem em condições habitacionais indignas e que não dispõem de capacidade financeira para suportar o custo do acesso a uma habitação adequada”. O programa está focado na reabilitação do edificado e no arrendamento e tem como intermediários os municípios, que apresentam as candidaturas ao IHRU que as vai avaliar e celebrar o respetivo acordo de financiamento em caso de aprovação.

“Nós temos várias obras de reabilitação, já no âmbito do 1.º Direito. Mas, para arranjar, por exemplo, serviços de carpintaria (madeiras, materiais e mão de obra), tem sido um autêntico pesadelo, porque efetivamente a área da construção civil, não está a dar resposta ao que necessitamos e ao que o governo está a impor”, lamenta a vereadora de Coimbra.

O problema da habitação é uma realidade que os municípios enfrentam desde sempre, no entanto, está a afetar a classe média. O aumento da inflação, para o preço dos produtos e serviços, por um lado e o aumento das taxas de juros nos créditos à habitação - que estavam praticamente no negativo-, a subir para 3,5 pontos percentuais, veio impactar o esforço financeiro dos agregados que, até à pouco tempo, pagavam entre 300 a 600 euros por uma renda ou por um crédito à habitação e, agora, enfrentam mensalidades com aumentos superiores a 3%.

Casos de pessoas em Coimbra que não conseguem pagar a renda

“O paradigma da habitação social está a mudar. Se há 20 anos eram pessoas maioritariamente muito carenciadas economicamente, pessoas de etnia cigana, por exemplo. Hoje em dia aparecem-nos agregados mono familiares, temos por exemplo o caso de uma mãe que é técnica superior, mas que não consegue chegar ao mercado de arrendamento privado, porque o mercado está extremamente elevado”, disse ao SAPO24 a vereadora da Habitação Social da Câmara Municipal de Coimbra.

"Falei com um colega que me disse que um T2, em  Coimbra, está a 700 euros. Qualquer técnico superior, com dois filhos, não consegue suportar todas essas despesas. Como estava a dizer, se há 20 anos as pessoas que vinham ter connosco não tinham sequer trabalho, hoje em dia são pessoas que trabalham e que não conseguem pagar uma renda".

Questionada sobre o que a Câmara tem planeado para mitigar a especulação imobiliária, a vereadora responde que, “no que diz respeito à habitação social, a Câmara Municipal de Coimbra, tem ao abrigo do 1º Direito, 826 agregados sinalizados com carência habitacional. Isto não quer dizer que sejam pessoas sem casa, mas sim pessoas que vivem em casas sem condições. Uma das coisas que a CIM - região de Coimbra vai discutir em março com a ministra da Habitação, é uma concertação entre todos os municípios do centro para o arrendamento acessível”, disse.

Em Coimbra, “temos um mecanismo que é o fundo municipal de emergência social. Através de comissões sociais da freguesia, e que ‘custa’ à câmara 319 mil euros/ano.” Este fundo foi criado pela Câmara de Coimbra em juntamente com municípios próximos e que dotam as juntas de freguesia com verba para ajudar os seus fregueses. “Todos os anos esta verba é distribuída pelas comissões sociais de freguesia que, regra geral, é presidida pelo presidente da junta e reúne todas as entidades sociais que trabalham nessa freguesia”. Os pedidos de ajuda são debatidos entre os parceiros e atribuídos. “Isto tem sido um instrumento fundamental na proximidade aos problemas das pessoas”, reconhece a vereadora. “São apoios de emergência”, sublinha.

“Temos por exemplo, a família que a mulher ficou desempregada e o marido continua a trabalhar. Com três filhos, o que vão fazer? Entre pagar a renda, a alimentação para dar conforto aos filhos, é óbvio que o casal opta pela segunda via. A renda vai ficar atrasada, falo da renda, do pagamento da luz, da água e por aí. Este tipo de famílias vai falar com uma dessas entidades que são analisadas pelas juntas de freguesia e avança-se para o apoio. É uma ajuda do momento, para que as famílias possam ter ajuda e voltar a autonomizar-se e fazer a sua vida”.

Este fundo municipal de emergência social “acaba por ser uma descentralização da parte social, que podia ser feita diretamente pela câmara, mas serve como instrumento de maior proximidade das pessoas que vão mais depressa pedir ajuda às juntas do que à câmara porque estão mais próximas”. No entanto, ao contrário das medidas do Mais Habitação, este apoio municipal é pontual.

“A única diferença aqui é o apoiar permanentemente que é uma coisa que não fazemos, mas que o Mais Habitação prevê. Mas como não fomos vistos nem achados, pedi aos serviços também que analisassem isso. Uma das coisas que tenho visto, até agora, e tenho ouvido é que, de facto, grande parte destas medidas já estão previstas na lei, portanto, é fazer cumprir, mas efetivamente porque é que não foram cumpridas até agora?”, pergunta a vereadora.

“Estamos a analisar, politicamente e tecnicamente todo o documento porque há aqui coisas que não podemos deixar de chamar a atenção, nomeadamente a política de habitação do 1º Direito, a política de habitação do Arrendamento Acessível e o Mais Habitação, todas têm o mesmo horizonte temporal”, alerta a vereadora.

“Dos programas de apoio que temos em execução, só agora é que o Arrendamento Acessível vai ser discutido entre a CIM - Região de Coimbra e a ministra da Habitação. E o horizonte temporal é 2026”, lembra Ana Vaz Cortez.

O Arrendamento Acessível é um dos cinco pontos focais do novo programa Mais Habitação para mitigar a pouca oferta de casas e “é aí que temos muita esperança de conseguir apoio”, espera a vereadora. “Aqui em Coimbra queremos um verdadeiro plano Marshall para a baixa da cidade. Queremos trazer pessoas para a baixa através do Arrendamento Acessível. Queremos renovar o edificado, que está velho, mas é privado e não conseguimos entender a razão, porque muitos deles nem sequer estão à venda. Estão fechados, ponto final. E é isso que queremos mudar. Temos esperança que nos seja concedido financiamento através desse programa”, sublinha a vereadora de uma Câmara que tem fama de atrasar processos de licenciamento à construção e renovação de casas. “A lei é para ser cumprida, se houver um pedido com falhas na lei, obviamente que vai tudo para trás e acaba por atrasar”, responde a vereadora sublinhando que o urbanismo não é o seu pelouro. No entanto, nesse sentido, a vereadora da Habitação Social lembra que é uma “herança pesada” de processos de habitação (incluindo Social) que vem de trás, do anterior executivo. “Nunca, estatisticamente, se fizeram tantos despachos, desde que assumimos o executivo”, sublinha Ana Vaz Cortez. “A herança que está para trás é pesada, estamos a trabalhar para que se acabe com esse ‘mito urbano’, que é quase isso, um mito”, conclui.

Câmara de Lisboa reforça apoio à renda das famílias com rendimentos médios

Lisboa
Lisboa Edifícios de habitação em Lisboa, 2 de julho de 2021. MÁRIO CRUZ/LUSA créditos: Lusa

É em Lisboa onde as famílias mais têm sentido asfixiamento orçamental, cada vez que chega aquele dia do mês de pagar a renda.

Ao SAPO24, a Câmara de Lisboa respondeu que “está atenta à situação das pessoas ou famílias que trabalham e, no entanto, têm dificuldades em pagar a renda de casa”.

Por email, de forma sucinta, a autarquia reconhece que “não é possível quantificar o número exato destes agregados, é, porém, possível afirmar que em 2022, para fazer face à inflação e à falta de oferta de habitação, a autarquia abriu um programa de apoio à renda através do qual atribuiu 563 apoios, por meio do pagamento de um terço da renda contratada no mercado privado de habitação”.

De acordo com o município, receberam cerca de 700 candidaturas ao segundo programa de apoio à renda, cujo prazo terminou recentemente. “Desta forma, neste ano a Autarquia irá reforçar o apoio à renda de modo a abranger cerca de mil famílias”, conclui.

O governo fechou na segunda-feira, 13 de março, a consulta pública para as Rendas e o Crédito à Habitação no âmbito do programa Mais Habitação que vai esta quinta-feira, 16 de março, ao parlamento para discussão. E adiou a parte do Arrendamento Coercivo, os limites ao Alojamento Local e os Vistos “Gold” para 16 de março com discussão parlamentar agendada para a 30 de março.

O SAPO24 contactou também a Câmara Municipal de Faro, mas do Sul não obteve resposta, até à data de publicação deste artigo.