“Quando se fala em autonomia do MP estamos a falar de uma autonomia externa, a atuação do MP não pode ser influenciada pelos outros poderes, mas dentro do MP a subordinação hierárquica é fundamental, para que cada magistrado do MP, que toma uma série de decisões no MP, esteja sujeito a critérios de uniformização, e isso é feito pelos superiores hierárquicos”, defendeu Cláudia Santos.
Em declarações à Lusa, a título pessoal, não representando a posição do PS, a deputada e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra defendeu que a diretiva não introduz “nada de novo”, sendo “estranho que alguns estejam a apresentar como uma grande fratura num entendimento que, na verdade, é só a manutenção daquilo que já existia há muito tempo”.
“Houve uma alteração do Estatuto dos Magistrados do MP que entrou em vigor a 1 de janeiro, e essa alteração começou a ser interpretada por alguns como o fim da subordinação hierárquica e o que se vem dizer nesta diretiva é que, neste ponto, o estatuto não altera aquilo que está na Constituição e, portanto, não há nenhuma mudança de modelo”, justifica.
“Até porque, a existir essa mudança de modelo, teriam de ficar previstos outros mecanismos de controlo. Não podemos admitir que as inúmeras decisões que um magistrado toma não estão sujeitas a nenhum controlo, há outros países em que estão, nomeadamente o controlo democrático, com o controlo eleitoral dos ‘prosecutors’ do sistema anglo-saxónico”, acrescentou.
Cláudia Santos, que integra a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sublinhou que “a Constituição prevê desde 1976 que o Ministério Público é uma magistratura com subordinação hierárquica e isso resulta também do estatuto do Ministério Público e do Código do Processo Penal”.
A deputada e professora universitária explicou que “é inevitavelmente assim”, sustentando que, ao contrário dos magistrados do MP, “os juízes são independentes das suas decisões, mas estão sujeitos a um controlo de todas essas decisões, porque elas são recorríveis, os cidadãos conhecem-nas e podem recorrer das decisões judiciais”.
“Por outro lado, sempre que essas decisões ofendem muito gravemente direitos fundamentais, por exemplo, porque está em causa uma pena de prisão longa, superior a cinco anos, são tomadas por mais de um juiz, são decisões colegiais”, acrescentou.
Em contraste, prosseguiu a deputada, “com o MP, esses mecanismos de controlo não existem, cada magistrado do MP num inquérito toma dezenas ou centenas de decisões” que não se podem controlar porque delas o cidadão não pode recorrer “e que são tomadas por uma única pessoa”.
Um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), cuja doutrina Lucília Gago determinou que seja "seguida e sustentada pelo Ministério Público (MP)", e que prevê que a hierarquia do MP pode intervir nos processos-crime, "modificando ou revogando decisões anteriores".
Segundo o parecer, nos processos-crime a intervenção da hierarquia e o exercício dos poderes de direção do MP não se circunscrevem ao que está previsto no Código de Processo Penal, "compreendendo ainda o poder de direção através da emissão de diretivas, ordens e instruções, gerais ou concretas".
O parecer em causa gerou uma onda de contestação por parte dos magistrados, levando o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público a anunciar que vai exigir, por abaixo-assinado e mobilização da classe, que a procuradora-geral da República revogue a diretiva que reforça os poderes dos superiores hierárquicos.
Hoje, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, defendeu que a diretiva sobre a intervenção da hierarquia em processos judiciais não compromete a autonomia dos magistrados do Ministério Público nem coloca em crise a figura do procurador-geral.
No entanto, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público já fez saber hoje, que a diretiva sobre hierarquia permitirá ao procurador-geral da República interferir nos processos do Departamento Central de Investigação e Ação Penal sem que se saiba.
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