Na véspera do segundo aniversário da eleição do secretário-geral, em 5 de outubro de 2016, a que se seguiu a proclamação em Assembleia-Geral a 13 de outubro, António Guterres é visto como um secretário-geral detentor de muita experiência e de um historial de grandes conquistas dentro e fora da ONU.
A Lusa falou com Farhan Haq, porta-voz adjunto do secretariado das Nações Unidas há 18 anos, que trabalhou com três secretários-gerais; com Michael Doyle, professor universitário, autor, antigo assistente de Kofi Annan (secretário-geral de 1997 a 2006) e presidente do Conselho Académico do Sistema da ONU entre 2006 e 2013 e com um diplomata português nos Estados Unidos.
Todos consideram que os secretários-gerais que dirigiram a ONU neste milénio (Kofi Annan, Ban Ki-moon e António Guterres) tiveram “diferentes estilos”, “diferentes personalidades” e atuaram em tempos “muito, muito diferentes”, e coincidem que António Guterres tem causado uma mudança interna significativa.
A trabalhar como porta-voz adjunto do Secretariado das Nações Unidas há quase duas décadas, Farhan Haq recorda que, durante as eleições para secretário-geral da ONU em 2016, “havia muita esperança” à volta de António Guterres dentro da organização.
“Já havia conhecimento de Guterres como pessoa e da sua liderança, dentro do sistema da ONU, no momento em que entrou em funções”, diz à Lusa.
O porta-voz considera que António Guterres granjeou “muito respeito internacional” desde o seu tempo como primeiro-ministro de Portugal, de 1995 a 2002, e que teve um “registo de conquistas muito bom” à frente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que dirigiu por dez anos, a partir de junho de 2005.
Por tudo isto, Guterres “já tinha um historial estabelecido de liderança e de responsabilidade numa grande variedade de assuntos internacionais”, indica o porta-voz do Secretariado da ONU, o que reuniu “muito apoio interno” para o novo secretário-geral desde o início do mandato.
Um diplomata português, atualmente a trabalhar nos EUA, diz que a experiência e independência de Guterres no ACNUR construíram “laços de confiança” que ainda se mantêm: “quando falo com colegas de países que tiveram grande influxo de refugiados da Síria ou do Corno de África, todos esses países têm muito boas memórias da colaboração que tiveram com o alto-comissário António Guterres”.
Também os anos em que serviu como primeiro-ministro de Portugal são “uma credencial acrescida” para a credibilidade internacional de António Guterres, segundo o diplomata, devido à presidência portuguesa do Conselho Europeu em 2000, quando o atual secretário-geral das Nações Unidas era chefe do Governo português e foi, por um semestre, presidente do Conselho Europeu.
Para o diplomata português entrevistado pela Lusa, a vitória de Guterres como secretário-geral, em 2016, “não era nada provável”, porque o então candidato “não era cidadão de nenhum dos países do grupo de Europa de Leste, nem era uma mulher”, duas expectativas que se tinham criado sobre o próximo secretário-geral, depois dos mandatos de dez anos do ganês Kofi Annan e do sul-coreano Ban Ki-moon.
A questão do género foi também sublinhada por Michael Doyle, especialista em diplomacia e assuntos internacionais, que disse que “estava na altura” de a ONU ser dirigida por uma mulher, mas que ficou “agradado” com a eleição de Guterres.
Michael Doyle, assistente do secretário-geral Kofi Annan entre 2001 e 2003, descreve que António Guterres, que assumiu o cargo há menos de dois anos, encontrou um contexto internacional muito diferente do ganês, que tinha sido eleito 20 anos antes.
“Quando o secretário-geral Annan assumiu o cargo [janeiro de 1997], estávamos no meio de uma era de relativamente bons sentimentos entre EUA, China e Rússia. Era um período de pós-Guerra Fria, de acomodação e cooperação”, descreve Michael Doyle.
Pelo contrário, Guterres assumiu o cargo “sob uma espécie de uma nova guerra fria” entre esses três países, que procuram “ganhos para si próprios e perdas para os outros” em vez de soluções ‘win-win’ [em que todos ganham], o que “restringe muito significativamente a oportunidade para cooperação internacional” e o espaço que o secretário-geral tem para aplicar a sua diplomacia.
Apesar das dificuldades, António Guterres tem sido capaz de promover mudanças no sistema das Nações Unidas, concluem os três entrevistados.
Guterres trouxe mudanças e aumentou eficácia da ONU em quase dois anos
Em menos de dois anos de mandato, António Guterres, trouxe mudanças no sistema da organização e mais eficácia no trabalho, disseram à Lusa analistas.
A agência Lusa falou com Farhan Haq, porta-voz adjunto do Secretariado das Nações Unidas há 18 anos, que trabalhou com três secretários-gerais; com Michael Doyle, professor universitário, antigo assistente do antigo secretário-geral Kofi Annan (1997-2006) e presidente do Conselho Académico do Sistema das Nações Unidas entre 2006 e 2013; e com um diplomata português nos Estados Unidos sobre os dois anos da eleição de António Guterres.
Todos consideram que António Guterres tem causado uma mudança interna significativa na ONU, devido à sua experiência política.
“Reformar o trabalho e torná-lo bem mais eficiente e bem mais racionalizado” é uma das coisas que António Guterres já conseguiu em pouco mais de ano e meio como secretário-geral, segundo Farhan Haq.
O atual secretário-geral “tem procedido a grandes revisões do trabalho” que se faz na esfera política, “como manutenção da paz e de desenvolvimento internacional e também nas práticas da ONU”, diz o funcionário da organização.
Farhan Haq considera ainda que Guterres usa o conhecimento de décadas de experiência política para chegar a objetivos concretos, seja na criação e aplicação de acordos de paz no mundo ou no estabelecimento de outros tratados internacionais em questões como as alterações climáticas.
O professor universitário da Columbia University em Nova Iorque, Michael Doyle, avalia “que no último ano e meio, António Guterres tem-se focado, sabiamente, numa reforma interna do secretariado para o tornar mais eficiente e organizado”.
O especialista aponta que se criou, em simultâneo com a eleição de Guterres como secretário-geral, e principalmente, com a eleição de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos, em 2016, um ambiente de “Guerra Fria”, entre EUA, Rússia e China, o que restringiu a “oportunidade de cooperação internacional”.
António Guterres soube contornar a situação para continuar a cumprir as funções de secretário-geral, mesmo num contexto de “cooperação indesejada” entre os três países que mais praticam a sua influência no mundo.
Na visão de Michael Doyle, o facto de António Guterres ter estado envolvido na política nacional constitui uma grande força, mas também leva à sua fraqueza.
A força é a de ter entendimento sobre a atividade inter e intra-governamental, “o que é muito importante, especialmente ao lidar com o Presidente norte-americano”.
A fraqueza é a de se focar “quase totalmente nos governos”.
Guterres “vê-se ou desinteressado ou incapaz de ser apelativo para além dos governos, para a sociedade civil, para pessoas individuais”, diz Michael Doyle, acrescentando que a ONU perde assim uma “potencial fonte de ideias e influência”.
O professor universitário entende que a falta de atratividade para a sociedade civil é um fenómeno de âmbito institucional, mas também é “um problema de liderança estratégica inovadora, que tem de vir do secretário-geral”.
“A prevenção tem sido um dos grandes motores da sua ação como secretário-geral” diz à Lusa um diplomata português a trabalhar nos Estados Unidos, na avaliação que faz do mandato de António Guterres como secretário-geral.
Com a experiência com primeiro-ministro de Portugal entre 1995 e 2002 e alto-comissário da ONU para os Refugiados, de 2005 a 2015, Guterres tem sido capaz de praticar uma “influência discreta” e indireta na prevenção de muitos conflitos iminentes, diz o diplomata.
“São essas pequenas vitórias de prevenção que muitas vezes não aparecem nas páginas dos jornais, porque não chegou a morrer ninguém, porque não houve guerra, mas que são o emblema deste ano e nove meses de mandato”, considera o funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros português.
Quanto aos desafios para o futuro, os três analistas indicam a manutenção da paz e segurança mundial, a gestão de conflitos e das atuais crises humanitárias na África e no Médio Oriente, o reforço de Estados em vias de serem “Estados falhados” e as alterações climáticas como assuntos que vão ser fulcrais nos três anos que faltam para o final do mandato de António Guterres à frente do Secretariado da ONU.
É “impossível prever onde e quando é que a próxima crise vai explodir”, mas o trabalho da ONU e do secretário-geral é “garantir que as soluções para as crises possam ser atingidas coletivamente, ao juntar todas as nações do mundo” para o efeito, sintetiza o porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq.
Comentários