Milhares de sudaneses saíram hoje às ruas, gritando “revolução”, para protestar contra o golpe militar ocorrido no início desta semana e que ameaça inviabilizar a transição do país para a democracia.
Grupos pró-democracia convocaram marchas de protesto em todo o país para exigir a reinstalação do governo de transição deposto e a libertação de figuras políticas que foram detidas.
Os Estados Unidos e as Nações Unidas advertiram o homem forte do Sudão, o general Abdel-Fattah Burhan, de que encarariam o tratamento dado pelos militares aos manifestantes como um teste e pediram moderação.
Burhan afirmou que a transição para a democracia continuaria, apesar do golpe militar, e que instalaria um novo governo tecnocrata em breve. O movimento pró-democracia no Sudão teme, contudo, que os militares não tenham intenção de abrandar o comando e acabem por nomear políticos que podem controlar.
Os protestos de hoje aumentarão, provavelmente, a pressão sobre os generais, que enfrentam crescentes condenações dos EUA e de outros países ocidentais para restaurar um governo liderado por civis.
As multidões de manifestantes começaram a reunir-se esta tarde na capital Cartum e en Omdurman. Os manifestantes gritavam “Desiste, Burhan” e “Revolução, revolução”. Alguns seguravam faixas onde se lia “Retroceder é impossível”.
As manifestações foram convocadas pela Associação de Profissionais do Sudão e pelos chamados Comités de Resistência. Ambos estiveram na linha de frente de um levantamento que derrubou o autocrata de longa data Omar al-Bashir e o seu governo islâmico, em 2019.
Os manifestantes exigem o desmantelamento do conselho militar agora no poder, liderado por Burhan, e a entrega do governo aos civis. Reclamam também o desmantelamento de grupos paramilitares e a reestruturação das agências militares, de inteligência e de segurança, para afastar oficiais ainda leais a al-Bashir.
O Comité Sudanês de Médicos (Sudan Doctors Committee), um sindicato profissional, avançou que as forças de segurança mataram duas pessoas em Omdurman, tendo uma das vítimas sido baleada na cabeça e a outra no estômago.
O comité, que faz parte da Associação de Profissionais do Sudão, disse que as forças de segurança usaram munições verdadeiras contra os manifestantes em Omdurman e noutros locais da capital e que um número não especificado de manifestantes sofreu ferimentos.
Noutra zona, as forças de segurança dispararam gás lacrimogéneo contra os manifestantes, enquanto estes tentavam atravessar a ponte Manshia, sobre o rio Nilo, para chegar ao centro de Cartum, disse à agência Associated Press (AP) o porta-voz da associação de profissionais, Mohammed Yousef al-Mustafa, em declarações via telefone enquanto participava na manifestação.
Antes do início dos protestos, as forças de segurança bloquearam as principais estradas e pontes que ligam os vários bairros de Cartum, assegurando uma apertada e rigorosa vigilância no centro da cidade e em torno do quartel-general dos militares.
Desde a tomada militar no Sudão, os protestos de rua têm sido diários. Com as mortes registadas hoje, o número total de vítimas mortais desde o golpe subiu para 11, de acordo com o Comité de Médicos do Sudão e ativistas. Pelo menos 170 outras pessoas ficaram feridas, segundo as Nações Unidas.
O Sudão foi palco de violentos protestos violentos nos últimos anos contra o regime do ditador Omar al Bashir, tendo a transição do país para a democracia começado em 2019, quando uma revolta popular forçou a retirada de al-Bashir e do governo aliado islâmico, após quase três décadas no poder.
Contudo, na segunda-feira, o chefe das Forças Armadas sudanesas, general Al-Burhan, anunciou na televisão estatal a dissolução do Governo e do Conselho Soberano — o mais alto órgão executivo do país –, a suspensão de vários pontos da carta constitucional, aprovada em agosto de 2019 e que estabelece um roteiro para a realização de eleições, e a instauração do estado de emergência.
A tomada de poder pelos militares foi amplamente condenada pela comunidade internacional e seguiu-se a semanas de crescente tensão política no país, intensificadas como uma tentativa de golpe de Estado em 21 de setembro último.
Esforços de membros civis do Governo em reformar o setor da segurança no país geraram uma forte reação dos militares, inclusive de Al-Burhan.
Os militares deixaram de participar em reuniões conjuntas com membros civis, o que atrasou, por exemplo, a aprovação por parte do Conselho de Ministros de entregar o antigo ditador Omar al-Bashir e outros dois responsáveis do regime deposto em abril de 2019 ao Tribunal Penal Internacional (TPI).
Nas primeiras horas de 25 de outubro, os militares prenderam pelo menos cinco ministros, bem como outros funcionários e líderes políticos, incluindo o primeiro-ministro Abdalla Hamdok, levando-os para um local não revelado.
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