Os jihadistas que executaram, com máxima crueldade, demoradamente, a sangue frio, a carnificina no Bataclan e em outros cinco lugares na noite de barbárie em Paris, gritavam Allahu Akbar, literalmente Deus é Grande em árabe. São guerreiros kamikaze pela expansão de um califado que invoca abusivamente uma religião que nada tem de terrorista. Estes fanáticos que manipulam a religião como ideologia querem fazer vergar e submeter o mundo tolerante que é o nosso e que eles consideram de pecaminosos infiéis.

A motivação destes matadores é certamente a mesma dos que na véspera, em dois atentados, tinha causado a morte de 41 pessoas e ferimentos em mais de 200, em Beirute.

Também a dos assassinos que há dois sábados fizeram abater no Sinai egípcio um Airbus russo com 224 pessoas a bordo.

Ou a dos bombistas que há cinco sábados mataram 99 pessoas frente à gare ferroviária de Ankara.

É o mesmo terrorismo que em 26 de junho matou 38 turistas na praia de Sousse e que em 18 de março também levou 24 vidas no museu do Bardo em Tunes, estes dois ataques na Tunísia.

Estes são apenas alguns dos infames atentados que marcam este ano que começou com o ataque em 7 de janeiro ao Charlie-Hebdo. Aqui, o alvo eram os valores da França: a liberdade, a igualdade, a fraternidade. Alvo específico: a liberdade de expressão, a liberdade de denunciar pelo riso quem cultiva a intolerância. Já tinha sido um ato de guerra que nos fez a quase todos proclamarmos que também somos Charlie.

Agora, a frente de guerra amplia o seu alvo: todos passamos a estar na linha de mira desta barbárie. Os massacrados nesta noite de novembro em Paris são sobretudo rapazes e raparigas, jovens que tinham procurado o prazer de uma noite a ouvir música numa célebre sala de espetáculos de Paris, são os também jovens que petiscavam na esplanada de uma pizaria e os não tão jovens clientes de um restaurante asiático na zona da République, uma praça parisiense muito associada a manifestações pela liberdade. Eles tinham saído na noite que parecia amena desta sexta-feira para viver, beber e cantar. De facto, não imaginavam que lhes tinham declarado guerra.

Os passageiros do avião russo abatido há duas semanas no Sinai eram, a maioria, cidadãos russos de São Petersburgo que tinham ido em férias em Charm Al-Cheikh, praia no mar Vermelho.

Há um ponto comum a estas duas matanças nas últimas duas semanas: tanto a França como a Rússia iniciaram no final de setembro raids de bombardeamento sobre abrigos e campos de treino, na Síria, dos terroristas que pretendem devastar o Ocidente. Estamos em guerra e o campo de batalha não é apenas nos terrenos do Médio Oriente onde, com fatal precipitação, as potências ocidentais patrocinaram os ditadores em funções. Obviamente, eles mereciam ser combatidos, mas era preciso assegurar que a alternativa não seria uma terra de outros gangues ainda mais nocivos.

Este jihadismo do auto-proclamado califado islâmico está a ocupar esse espaço e tem sabido catequisar e converter jovens europeus para a sua guerra santa contra o Satã ocidental. Ou seja, o inimigo nem precisou de cavalos de Tróia para se infiltrar dentro da Europa. O inimigo nesta guerra também já está dentro da Europa, com passaporte europeu. Quantos serão os jihadistas nascidos, crescidos e residentes em França, à espera de serem ativados para o combate e prontos para o sacrifício em nome do que consideram ser a vontade de um deus? Muitos deles são jovens de segundas e terceiras gerações, descendentes de imigrantes chegados no século passado de África e do Médio Oriente. Tornaram-se combatentes ao serviço da causa terrorista e estão dentro da casa europeia.

E agora? Esta é a pergunta que costumava colocar Paulo Cunha e Silva ao juntar gente de múltiplas origens e saberes a quem desafiava para construir pontes que fizessem avançar soluções. Os líderes das maiores potências mundiais reúnem-se em cimeira G-20 este domingo em Antalya, na Turquia, com uma agenda que vai da economia ao clima, mas passando muito pela crise dos refugiados (tantos, tantos em espera de desesperar, da Turquia aos Balcãs, passando pelas ilhas gregas) e a guerra contra o terrorismo. Vão ter de pensar nas duas frentes desta guerra: a que está na Síria e no Iraque e a que está a avançar na Europa. Sendo que, frente ao ódio, importa que triunfe a liberdade, o que implica unidade, clareza e democracia. Os valores da França, liberdade, igualdade e fraternidade são a referência. Os ataques em Paris são ataques à liberdade, ao nosso modo de vida, são ataques a todos nós. Têm por alvo a alma da nossa sociedade. Apetece clamar Je Suis Français e colocarmo-nos mobilizados ao lado dos cidadãos de um país que nos habituámos a sentir terra de asilo.