
A eleição antecipada para este domingo acontece num contexto de crise económica, de fragmentação do cenário político e de dúvidas sobre o modelo industrial e geopolítico do país. As sondagens apontam para a vitória dos conservadores, mas o perigo da extrema-direita na Europa é eminente e Berlim não fica imune.
Depois de três anos de um governo de coligação liderado pelo social-democrata Olaf Scholz, a sua posição como chanceler é agora posta em causa. O social-democrata disputa o lugar com o conservador Friedrich Merz, um advogado milionário sem experiência política, que lidera as sondagens para estas eleições.
Os conservadores da União Democrata-Cristã e a União Social-Cristã (CDU/CSU) estão à frente na corrida para o governo, com 30% das intenções de voto, seguidos pelo partido de extrema direita Alternativa para Alemanha (AfD, 20%). Uma das principais economias da Europa, manchada por um passado nazi e pelo Holocausto, não consegue fugir há nova onda ideológica extremista do ocidente e volta a ser ameaçada pelo avanço do fascismo.
O atual chanceler Olaf Scholz do SPD também se está a recandidatar, e surge em terceiro lugar na preferência dos eleitores alemães, com 18%. Dos Verdes, Robert Habeck é o segundo líder preferido para o país, com 24% dos votos. No entanto, o partido não tem muitos votos e a vantagem da extrema direita é clara, segundo as sondagens.
Para representar o AfD, Alice Weidel é a escolhida, acompanhada de Tino Chrupalla. A antiga economista está atualmente em quarto lugar como chanceler preferida dos eleitores (13%), mas o seu partido sobe para segundo lugar com 20% dos votos e reconhece a hipótese de ganhar.
A Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), fundada no ano passado por um grupo de políticos que se separaram do Partido da Esquerda (Die Linke), avança com Sahra Wagenknecht e autodenomina-se o "único partido da paz". Na ala liberal, Christian Lindner candidata-se pelo Partido Democrático Livre (FDP), mais conservador do ponto de vista fiscal.
O candidato preferido é Friedrich Merz, um ex-advogado de 69 anos, com 32% dos votos, segundo as sondagens. O social-democrata promete uma forte inclinação à direita para reduzir os receios dos cidadãos com a imigração irregular, tema que alimenta os ideais fascistas.
Um possível futuro com Merz e a CDU
Friedrich Merz tenta projetar uma imagem de diplomata e disse estar confiante de que poderia enfrentar o presidente americano, Donald Trump, a quem chamou de "previsivelmente imprevisível".
Com dúvidas em relação ao seu lugar no governo alemão, Friedrich Merz coloca-se contra o AfD e refere que “a maioria dos alemães não quer mais extremismo, mais ódio, nem mais polarização". Culpa Olaf Scholz pela ascensão da extrema-direita e argumenta ainda que se as forças moderadas não atuarem, a extrema direita poderá um dia obstruir o trabalho do governo ou, inclusive, "aproximar-se de uma maioria".
Ainda assim, quer captar eleitores da AfD e, para isso, apresenta uma série de propostas sobre o fecho de fronteiras para migrantes sem documentos, mesmo que solicitem asilo — um direito legal — e a prisão daqueles que aguardam deportação. Na sua candidatura, Friedrich Merz prometeu aos eleitores alemães "tolerância zero" em termos de ordem pública, limitar a política "woke" e a linguagem inclusiva e estudar um retorno à energia nuclear.
O candidato da CDU quer transformar a sua longa carreira nos negócios num ponto forte da sua campanha. O cientista político Antonios Souris, da Universidade Livre de Berlim, acredita que Friedrich Merz “gosta de namorar um pouco com o papel de se ter voltado à política como um outsider, um líder empresarial experiente, não apenas um político de carreira como Scholz".
O seu currículo e fortuna pessoal deixaram Friedrich Merz vulnerável a críticas de que seria desconectado dos eleitores, acusação que refutou, insistindo que pertence à "classe média alta".
A aproximação de Merz à extrema-direita
Apesar de descartar a possibilidade de um governo com o partido extremista, Friedrich Merz procurou recentemente o apoio da AfD para aprovar uma moção parlamentar controversa que pretende endurecer a política migratória, em resposta a um ataque terrorista recente.
Além desse caso, vários atentados mortais nas semanas que antecederam as eleições inflamaram o debate sobre a imigração e aumentaram o apoio ao partido. A aproximação de Friedrich Merz à extrema direita levou dezenas de milhares de manifestantes às ruas, que denunciaram uma "campanha como se fosse 1933".
O atual chefe de Governo do país, Olaf Scholz, também criticou o acordo, que definiu como um "mau presságio" para a negociação pós-eleitoral. Em resposta, os restantes partidos prometeram aplicar um "cordão sanitário" contra a coligação de Merz e recusaram cooperar com a extrema direita, uma postura que a AfD descreveu como o "acordo de um quartel antidemocrático".
O que justifica o regresso da Alemanha ao extremismo?
Foram vários os fatores que contribuiram para a ascensão da extrema direita e a perda de estabilidade política na Alemanha. Do regresso de Donald Trump à Casa Branca, à guerra comercial com a China, ao desastre da coligação “semáforo”. O SAPO24 explica o cenário político alemão num explicador, que pode ler aqui.
O cenário internacional encorajou o AfD, que celebrou a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e recebeu o apoio do magnata Elon Musk, que declarou que "apenas a AfD pode salvar a Alemanha".
Além de apoiar o AfD, Elon Musk atacou o chanceler Olaf Scholz nas redes sociais, chamando-o de "tolo" e "Oaf Schitz", usando a palavra "bobo" em inglês e modificando seu sobrenome para soar semelhante a "merda" ("shit", em inglês).
"[Os alemães] precisam de votar pela mudança", disse Elon Musk numa conversa com a candidata do partido, Alice Weidel. "E é por isso que recomendo fortemente que as pessoas votem no AfD”.
"Se o homem mais rico do mundo e as pessoas no círculo de Trump dizem que o AfD é boa, que é possível trabalhar com eles, essa é a melhor coisa que poderia ter acontecido. Acho que isso abrirá ainda mais portas para nós", concluiu a líder do partido em Berlim, a arquiteta Kristin Brinker.
Quais foram os erros de Scholz?
Olaf Scholz não é conhecido por ter estabelecido relacionamentos fortes com outros líderes internacionais, ao contrário do presidente francês Emmanuel Macron, embora tenha mantido uma relação próxima com o ex-presidente americano Joe Biden.
O seu discurso com maior destaque ocorreu no início de seu mandato, três anos atrás, quando declarou o ataque da Rússia à Ucrânia uma "Zeitenwende" — um momento de mudança — e aumentou drasticamente o investimento na defesa, no valor de 100 bilhões de euros.
No entanto, apesar de reforçar o apoio da Alemanha à Ucrânia, também reiterou o seu apelo por moderação, o que lhe rendeu o apelido de "chanceler da paz", ou, para outros, “do tédio”.
A guerra na Ucrânia passou, assim, a dominar o seu mandato, durante o qual aumentou também os preços da energia, alimentando disputas internas na coligação com os Verdes e o FDP. A imagem de Olaf Scholz ficou afetada pelo insucesso da coligação anterior, que colapsou em novembro, com a saída do ministro das finanças.
"Estamos prontos para nos responsabilizarmos pelo nosso país, mas também sabemos que as coisas não podem continuar como nos últimos três anos", respondeu Friedrich Merz. Além das promessas económicas, o candidato prometeu reconstruir o papel internacional de Berlim para "uma Alemanha da qual possamos nos orgulhar novamente".
O objetivo é reavivar a economia alemã e ganhar as eleições.
Os próximos desafios da Alemanha
Entre turbulências geopolíticas, a lista de tarefas do próximo governo é ampla, começando pela revitalização de uma economia que antes era invejada ao redor do planeta. O país tem um cenário de crescimento estagnado desde antes da pandemia, e para o qual contribuiu o aumento da inflação nos últimos dois anos.
A China, que era um mercado crucial para as exportações alemãs, virou uma concorrente ferrenha, em particular no setor automóvel, fundamental no berço de marcas como a Volkswagen ou a Mercedes. Já do outro lado do globo, os EUA, que antes era um forte aliado de Berlim, agora ataca a Alemanha por não contribuir o suficiente para a NATO e ameaça aumentar as tarifas alfandegárias.
"A incerteza e a escalada de um conflito comercial podem prolongar a recessão por mais um ano no país", alertou o Instituto Alemão de Pesquisa Económica. E, num cenário de crise profunda, a Alemanha precisa de um consenso.
*Com AFP
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