Abel Silva, reformado "mas ativo", começou há 18 anos a percorrer a região, desde Sagres a Vila Real de Santo António, com a sua Yashica analógica, a tirar fotografias apenas a chaminés em casas "em ruínas ou abandonadas".
"Interessa-me as chaminés que estão em vias de desaparecer e que, mais tarde ou mais cedo, vão cair como já caíram muitas", conta à agência Lusa o residente de Albufeira, de 70 anos.
Das mais de 1.200 chaminés algarvias que tem devidamente catalogadas (e a maioria georreferenciadas), são mais aquelas que desapareceram do que as que foram reconstruídas.
Na passagem da fotografia analógica para a digital, Abel Silva voltou a alguns dos sítios onde tinha tirado as primeiras fotografias. "Nalgumas, já não encontrei as chaminés".
Há dois anos, criou um grupo na rede social Facebook, unindo várias pessoas que também ali depositam fotografias daquele que é um dos símbolos icónicos do Algarve.
Para Abel Silva, é na zona central da região, nomeadamente nos concelhos de Loulé, Faro, Albufeira e Silves, que há chaminés "mais elaboradas".
Numa região onde vão pululando chaminés pré-feitas, seja em empreendimentos turísticos ou habitações e que padronizaram a imagem que se tem das mesmas, o seu interesse recai sempre sobre as chaminés artesanais, das mais variadas formas e feitios, até porque “não há duas iguais".
"Tem de ser feito um levantamento que não existe a nível oficial. A nível particular, há muita gente com fotografias de chaminés", mas o Algarve, nomeadamente as entidades públicas, "esqueceram-se das chaminés", constatou, recordando que esta também deixou de ser o símbolo da Região de Turismo do Algarve.
Para Filipe Palma, de 45 anos, fotógrafo no município de Portimão, há um carácter de urgência no registo da arquitetura popular algarvia, da qual fazem parte as chaminés.
"O que procuro fotografar são elementos diferenciados do sentir e do viver da região. Esses elementos estão a sofrer erosão a cada dia que passa e é urgente fotografá-los. Mais que não seja para manter o registo visual", sublinhou.
Começou a tirar fotografias há cerca de 20 anos. "Talvez um oitavo já tenham desaparecido", refere.
Para o fotógrafo no município de Portimão, não "há reconhecimento" nem "carinho próprio da população algarvia" pela sua arquitetura popular, que foi sendo destruída para "pôr tudo ao gosto do turismo".
Na sua opinião, apesar de haver hoje "um pouco mais de consciência", ainda se situa num "nível muito baixo". Os próprios estudos publicados sobre o tema não saem da esfera académica.
Filipe Palma defende que a mesma urgência com que fotografa deveria estar presente na proteção e salvaguarda do património, construído por uma "escola de antigos mestres" que criavam "objetos únicos". Agora, já quase não há pessoas que façam chaminés à mão - trabalhos que poderiam demorar dias ou semanas.
Por enquanto, Filipe Palma vai fotografando os testemunhos "ainda tangíveis, ainda palpáveis", desse Algarve "muito rico que existia", para mostrar às pessoas que a região "não é o cimento e as milhares de chaminés todas iguais".
Há muito trabalho por fazer
Em todo o Algarve, ainda estão de pé várias chaminés algarvias tradicionais, algumas com mais de 200 anos, mas muito do trabalho para proteger um dos símbolos da arquitetura popular algarvia ainda está por fazer.
Em forma de cilindro, retângulo, quadrado ou prisma, as chaminés algarvias artesanais fazem parte do património arquitetónico da região, com algumas das estruturas criadas principalmente entre o século XVIII e início do século XX a afirmarem-se como objetos esteticamente ricos, muitas vezes, em contraste com a própria simplicidade das moradias.
No sítio da Direção Geral do Património Cultural, a agência Lusa apenas encontrou uma casa com chaminé algarvia classificada como imóvel de interesse municipal, em Silves.
No Algarve, a Direção Regional da Cultura desconhece que haja a introdução de um sistema ou mecanismos de proteção por parte de municípios e os levantamentos de chaminés tradicionais não são prática em toda a região.
À Lusa, a diretora regional da Cultura, Alexandra Gonçalves, afirma que os mecanismos legais para proteger este objeto "já existem" e tem-se tentado "desafiar algumas pessoas" para se arrancar com um processo de salvaguarda das chaminés algarvias.
A proteção, enfatiza, terá sempre de passar pelos municípios, que poderão - através dos seus regulamentos de urbanização (como o Plano Diretor Municipal) ou da classificação de interesse municipal - salvaguardar as chaminés.
No entanto, a proteção das mesmas terá de ser acompanhada "pela comunidade, proprietários e associações", refere, antevendo também a possibilidade de proteger o próprio património imaterial associado às técnicas artesanais de construção destas chaminés - arte que se perdeu no Algarve e que já poucos dominam.
"Hoje assiste-se a uma maior consciência das pessoas" e é “frequentemente apontada nos pareceres municipais” a necessidade de preservar, mas "faltará muitas vezes a vontade dos proprietários em fazer a sua salvaguarda", nota.
Entretanto, há já alguns municípios e freguesias que procuram valorizar este património, espalhado por toda a região.
Em Monchique, caracterizado pela "chaminé de saia", a autarquia tem uma rota de chaminés e fez um levantamento destas estruturas no seu concelho, informou o presidente do município, Rui André, referindo que há uma equipa que está a trabalhar no sentido de classificar as chaminés, mas "não tem sido fácil".
Apesar de querer avançar com a classificação, o autarca admite que esta situação "vai criar um ónus para o proprietário e para as habitações à volta", um processo "moroso e burocrático".
Para Rui André, o mais importante seria realizar-se um levantamento com georreferenciação das chaminés e há um caminho a ser feito por todo o distrito.
Também em Cacela, Vila Real de Santo António, foi feito um estudo das chaminés tradicionais. Segundo o coordenador da Divisão de Cultura e Património Histórico do município, Miguel Godinho, há "apenas trabalhos isolados de inventariação de algumas zonas".
Um estudo da região "está por ser feito", constatou, sublinhando que um inventário, "por si só, já seria um instrumento que permitiria proteger".
Porém, "dever-se-ia caminhar para a classificação. A arquitetura popular é uma parte extremamente importante no património cultural algarvio e não se tem prestado a devida atenção", constatou.
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