2024: A morte de Odair Moniz e a revolta dos bairros da periferia de Lisboa

O ano de 2024 ficou marcado pela morte de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP na Cova da Moura, na Amadora, que desencadeou a revolta, nalguns casos acompanhada por distúrbios, em vários bairros da periferia de Lisboa.

As circunstâncias da morte do cidadão cabo-verdiano de 43 anos, residente no Bairro do Zambujal, também no concelho da Amadora, continuam por esclarecer, desconhecendo-se os resultados dos inquéritos abertos quer pela própria PSP, quer pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

Segundo a Polícia de Segurança Pública (PSP), na madrugada de 21 de outubro, Odair Moniz, que seguia de carro, pôs-se “em fuga” após ver uma viatura policial e despistou-se no Bairro da Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”.

Na operação, foram disparados quatro tiros e Odair Moniz morreu, pouco depois, no hospital.

O agente de 27 anos que o baleou foi constituído arguido, estando atualmente de baixa médica. Foi chamado pelo Ministério Público no dia 11, mas, segundo fonte judicial, optou por não prestar declarações, já que a defesa ainda não teve acesso ao processo.

À saída, o seu advogado indicou que havia uma arma branca no local do crime e, posteriormente, uma fonte judicial disse à Lusa que a arma foi apreendida pelas autoridades e consta do processo.

A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa têm contestado a versão policial e exigiram uma investigação “séria e isenta” para apurar responsabilidades, considerando estar em causa “uma cultura de impunidade” nas forças de segurança.

A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, pediu à IGAI um inquérito “com caráter de urgência” sobre o que considerou ser um “infeliz incidente”, confiando que as forças de segurança “não são racistas ou xenófobas”. Também no âmbito do processo da IGAI o agente foi já notificado para prestar esclarecimentos.

Segundo a família de Odair Moniz, uns dias após a sua morte, a PSP entrou à força na sua casa no Zambujal, onde se cumpria o ritual do luto, causando danos psicológicos e materiais.

A polícia negou ter invadido a habitação, mas a família apresentou queixa contra o Comando Geral da PSP por crimes de abuso de poder, dano e violação de domicílio por funcionário.

A morte de Odair Moniz desencadeou incidentes em várias comunidades da Área Metropolitana de Lisboa, com autocarros, automóveis, motos e caixotes do lixo incendiados, dos quais resultaram em cerca de duas dezenas de detidos e pelo menos seis pessoas feridas, umas das quais com gravidade (o motorista de um autocarro). Já em novembro e dezembro, foram anunciadas novas detenções, com pelo menos quatro suspeitos a ficar em prisão preventiva.

O caso dividiu opiniões – como o demonstram as duas campanhas de angariação de fundos criadas, uma para a família de Odair Moniz, outra para o motorista ferido – e colocou na agenda o problema do racismo estrutural e sistémico, as condições de vida nos bairros e as políticas públicas implementadas nesses territórios, a relação entre as forças de segurança e as comunidades e as condições de atuação da própria polícia.

Em 26 de outubro, milhares de pessoas desceram a Avenida da Liberdade, em Lisboa, respondendo à manifestação convocada pelo movimento Vida Justa para homenagear o cidadão cabo-verdiano, denunciar a violência policial e clamar que “sem justiça não há paz”.

Uns dias depois, o Governo convocou associações representativas das comunidades da área de Lisboa “para dialogar” e ouvir as suas propostas de combate ao racismo e à violência policial.

Sem apresentar medidas concretas, o executivo prometeu apoios para habitação, saúde e educação, para melhorar a vida concreta das pessoas dos bairros.

Um mês após a reunião, as associações não tinham voltado a ser contactadas pelo Governo, o que as levou a denunciar o convite ao diálogo como “uma manobra política”.

Em 24 de novembro, três centenas de pessoas participaram na primeira Assembleia Popular do Bairros, organizada pelo Vida Justa em Lisboa e que aprovou um plano de ação incluindo a realização de um novo encontro, ainda sem data marcada.

Até lá, o movimento vai organizar uma Grande Marcha dos Bairros, durante os meses de março e abril de 2025, percorrendo os territórios da Área Metropolitana de Lisboa “com manifestações e ações políticas”.

O plano de ação aprovado defende o direito à habitação, o fim dos despejos e das denominadas Zonas Urbanas Sensíveis, e mais creches e espaços verdes nos bairros.

2024: Começa com protestos dos polícias e acaba com contestação dos bombeiros

Vários protestos dos polícias pelo aumento do subsídio de risco marcaram os primeiros meses de 2024, um ano que termina com uma forte contestação dos bombeiros sapadores por melhores condições salariais.

No início do ano, elementos da PSP e GNR protagonizaram vários protestos, tendo as reivindicações subido de tom com as baixas médicas apresentadas pelos polícias e a concentração espontânea junto ao Capitólio, em Lisboa, durante o debate para as eleições legislativas de 10 de março.

Manifestações em Lisboa e Porto, que foram consideradas as maiores de sempre ao reunirem mais de 20.000 elementos da PSP e da GNR, carros de patrulha parados, principalmente no comando de Lisboa, alegando os polícias que estavam inoperacionais e com várias avarias, foram outros protestos que só acalmaram com as eleições legislativas e a promessa do aumento do subsídio de risco.

Em julho, o Governo e os principais sindicatos da PSP e associações da GNR chegaram a um acordo em relação ao suplemento, que se traduziu num aumento faseado de 300 euros até 2026, passando de 100 para 400 euros.

Depois do anterior Governo socialista ter aumentado o subsídio de risco aos elementos da Polícia Judiciária, sindicatos da PSP e associações da GNR uniram-se e criaram uma plataforma para exigir um suplemento idêntico.

Mas não foi por iniciativa desta plataforma que os protestos ganharam força, mas sim de um agente da PSP, que no início de janeiro acampou em frente à Assembleia da República.

Os protestos, que foram organizados através de redes sociais, compreenderam igualmente vigílias à noite em frente ao parlamento e em várias cidades do país junto às câmaras municipais, bem como concentrações de polícias juntos às esquadras e postos.

Em fevereiro, cerca de uma centena de polícias apresentaram, quase em simultâneo, baixas médicas e faltaram ao serviço, nomeadamente ao policiamento de jogos de futebol. Apesar dos polícias não terem associado a formas de luta, o ato foi visto como um protesto concertado e levou à abertura de inquéritos pelas forças policiais, Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e Inspeção-Geral de Atividades em Saúde (IGAS).

A PSP instaurou 10 processos de inquérito, nove dos quais foram arquivados e um foi remetido à IGAI, que ainda não concluiu os três inquéritos em investigação. A IGAS prevê para este mês de dezembro o relatório sobre a emissão de baixas aos polícias destacados para três jogos de futebol organizados pela Liga Portuguesa de Futebol nos dias 03 e 04 de fevereiro.

O ponto alto dos protestos aconteceu a 19 de fevereiro, quando centenas de polícias concentraram-se junto ao cineteatro Capitólio, onde estava a decorrer um debate entre os dois principais candidatos a primeiro-ministro nas legislativas, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, depois de uma manifestação que tinha juntado na Praça do Comércio cerca de 3.000 elementos da PSP e da GNR.

O Ministério Público arquivou o inquérito ao “cerco do Capitólio”, nome pela qual ficou conhecida a manifestação das forças de segurança, enquanto a PSP arquivou 39 dos 43 processos disciplinares, não existindo ainda uma decisão em relação a quatro.

Depois dos polícias terem abrandado com os protestos, após o acordo alcançado com o Governo, foi a vez dos bombeiros sapadores subirem de tom nas ações de luta, tendo já sido realizadas três manifestações desde outubro com rebentamento de petardos e lançamento de tochas, além de uma ocupação da escadaria da Assembleia da República.

Sempre fardados, os bombeiros sapadores manifestaram-se pela primeira vez a 02 de outubro junto do parlamento, onde queimaram pneus, rebentaram vários petardos e ocuparam a escadaria por completo durante algumas horas, apesar da ordem policial para descerem.

Embora de forma mais calma, a 25 de novembro os sapadores voltaram a manifestar-se, desta vez junto à sede do Governo para exigir a valorização da carreira, que dizem não ser revista há mais de 20 anos, e o aumento de subsídios como o de risco.

Um novo protesto voltou a realizar-se a 03 de dezembro, também junto à sede do Governo, enquanto os dirigentes sindicais se reuniam com a tutela. Esta reunião acabou por ser suspensa pelo executivo, que alegou falta de condições devido aos petardos e fumo.

As negociações entre bombeiros sapadores e Governo estão suspensas e desconhece-se quando são retomadas.

2024: Terminaram as greves, mas milhares de alunos continuaram sem aulas por falta de professores

A recuperação do tempo de serviço marcou o ano de 2024, encerrando um período de sucessivas greves de professores, mas milhares de alunos continuaram sem aulas devido à falta de docentes, um problema que o Governo assumiu como prioridade.

Há vários anos reivindicado pelos professores, o tempo de serviço congelado durante a ‘Troika’ tinha motivado em 2023 mais de 500 greves e manifestações que juntaram milhares de docentes, mas em janeiro, em vésperas de eleições legislativas antecipadas, adensavam-se as promessas eleitorais para recuperar os seis anos, seis meses e 23 dias.

Foi uma das primeiras medidas para a Educação do novo Governo, que logo em abril iniciou negociações com os representantes dos professores.

Cerca de um mês depois, é assinado com sete das 12 organizações sindicais o acordo que prevê a contabilização, ao longo de quatro anos, de 25% do tempo de serviço congelado, encerrando finalmente um período de intensa contestação.

O fim das greves trouxe alguma tranquilidade às escolas, mas milhares de alunos começaram o ano letivo, em setembro, sem aulas por não terem professor atribuído a, pelo menos, uma disciplina.

A resolução do problema foi assumida como prioridade pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação e, ainda em junho, é anunciado um programa para reduzir o número de alunos sem aulas, com 15 medidas que incluem, por exemplo, a possibilidade de os professores adiarem a entrada na reforma e de as escolas contratarem docentes que já estavam aposentados.

Além do plano ‘+ Aulas + Sucesso’, o Governo criou um apoio de deslocação para os professores colocados em escolas carenciadas e lançou um concurso extraordinário que permitiu vincular 1.094 professores onde mais faltam docentes.

O objetivo era chegar ao final do primeiro período com menos 90% de alunos sem aulas a, pelo menos, uma disciplina em relação a 2023/2024 e, em novembro, o Governo anunciou que esse objetivo tinha sido cumprido.

As medidas permitiram reter e atrair para a profissão 5.612 professores, a maioria a estrear-se na escola pública, e apenas 2.300 continuavam sem aulas a uma disciplina desde o início do ano letivo, um número que, segundo o ministro Fernando Alexandre, comparava com os 20.887 alunos na mesma situação há um ano.

Os dados, fornecidos pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, foram contestados pela oposição e, poucos dias depois, o ministério acabou por pedir uma auditoria aos números de 2023/2024 para esclarecer as diferenças.

A somar à falta de professores nas escolas, o início do ano letivo foi também marcado por várias greves do pessoal não docente, que reivindicam melhores condições de trabalho e a valorização salarial.

No âmbito do processo de descentralização, estes profissionais passaram a ser contratados pelas autarquias, mas é sobretudo ao Ministério da Educação que continuam a pedir respostas.

A promessa de olhar para a situação dos não docentes foi feita no início do ano letivo e, em novembro, o ministro anunciou que o Governo vai propor a diferenciação de tarefas, para que alguns profissionais possam dedicar-se em exclusivo às funções educativas, mas afastou a criação de uma carreira especial.

Foi também o ano em que se intensificou o debate sobre a digitalização nas escolas, com queixas sobre a forma como decorreram as provas de aferição digitais e falhas na preparação das provas nacionais do 9.º ano, que acabaram por realizar-se em papel.

Ainda assim, o Governo decidiu manter as provas digitais até ao 9.º ano e manteve também os manuais escolares digitais, mas com a avaliação do impacto nas aprendizagens para decidir a continuidade do projeto-piloto no próximo ano.

Pendente ficou também uma decisão sobre o uso de telemóveis nas escolas, depois de o ministério recomendar a proibição nos 1.º e 2.º ciclos, que será avaliada até ao final do ano letivo.

2024: SNS com uma nova organização, mas com os mesmos problemas crónicos

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) arrancou em 2024 com um novo modelo de organização e funcionamento, mas as dificuldades crónicas mantiveram-se ao longo do ano, obrigando o Governo a avançar com medidas de emergência.

No início de abril, na sequência da entrada em funções do novo Governo, a farmacêutica Ana Paula Martins substituiu o médico Manuel Pizarro como ministra da Saúde e, antes do prazo prometido de 60 dias, apresentou o Plano de Emergência e Transformação na Saúde, composto por 54 medidas urgentes, prioritárias e estruturantes a implementar a curto, médio e longo prazo.

A recuperação das listas de espera cirúrgicas de doentes com cancro e a criação da linha SNS Grávida foram duas das medidas com resultados mais visíveis do plano, o qual não foi, porém, suficiente para resolver um dos problemas crónicos do SNS: os constrangimentos no funcionamento e o encerramento parcial de serviços de urgência por falta de médicos para completar as escalas de serviço.

À semelhança de anos anteriores, o verão de 2024 ficou marcado pela instabilidade nas urgências, principalmente nas de obstetrícia/ginecologia e pediatria, que levaram mesmo Ana Paula Martins a alertar que os gestores hospitalares tinham de garantir uma gestão eficaz dos recursos humanos, alegando que “não podia acontecer” o encerramento de 17 serviços como no último domingo de agosto.

A falta de médicos de família, outro dos problemas crónicos do SNS nos últimos anos, oscilou ao longo de 2024, passando das 1.647.700 pessoas sem um especialista de medicina geral e familiar atribuído em janeiro para os 1.566.436 utentes no final de outubro.

Ainda no que se refere aos médicos de família, o Governo aprovou em junho um decreto-lei que passou para as Unidades Locais de Saúde (ULS) a responsabilidade pelos concursos de novos especialistas, mas, perante atrasos que se verificaram nas colocações, recuou poucos meses depois e voltou a centralizar o recrutamento na Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

Já ao nível da organização, 2024 foi um ano de profundas mudanças no SNS, com a generalização no país de 39 ULS, cada uma a juntar numa gestão única os hospitais e os centros de saúde da sua área, e das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B, em que os profissionais de saúde são remunerados também em função do seu desempenho. Este novo modelo de funcionamento levou à extinção das Administrações Regionais de Saúde (ARS).

Este ano o SNS assistiu também a mudanças em dirigentes de topo, desde logo na Direção Executiva, com a demissão em abril de Fernando Araújo, alegando que não queria ser obstáculo ao Governo nas políticas e nas medidas que considerasse necessárias implementar, e que foi substituído pelo médico militar António Gandra D´Almeida.

No início do verão, foi a vez do então presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), Luís Meira, apresentar a demissão, por “quebra de confiança na atual tutela”, devido ao processo de contratação do serviço de helicópteros de emergência.

Para o lugar de Luís Meira, o Ministério da Saúde escolheu Vítor Almeida, mas o médico acabou por não aceitar o cargo dias depois. Perante essa recusa, foi nomeado interinamente o militar Sérgio Dias Janeiro, que teve de enfrentar, em novembro, uma crise que colocou em evidência a falta de recursos humanos no instituto.

Duas greves em simultâneo - da administração pública e dos técnicos do INEM às horas extraordinárias – levaram à paragem de dezenas de meios de socorro e a atrasos significativos no atendimento das chamadas para os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU).

A ministra da Saúde chamou a si competência direta do instituto que estava delegada na secretária de Estado da Gestão da Saúde e Sérgio Janeiro considerou ter condições para se manter no cargo, apesar de ainda não serem conhecidos os inquéritos abertos às mortes alegadamente associadas a falhas no socorro do INEM.

A nível laboral, 2024 fica marcado por várias greves dos profissionais de saúde, que exigem a revisão das carreiras, a valorização salarial e medidas para reter a atrair profissionais para o SNS, outra das dificuldades crónicas do serviço, mas também por um acordo entre o ministério e uma plataforma de cinco sindicatos de enfermeiros, que prevê aumentos de 20% até 2027.

Nesta reta final, o SNS prepara-se para mais um teste à capacidade de resposta dos hospitais para enfrentarem o aumento da procura provocado pelas infeções respiratórias próprias do inverno, a que se junta um tradicional período de férias dos profissionais de saúde.

2024: Madeira começa e termina ano com crise política e poderá ir novamente a votos

 A Madeira começou 2024 com uma crise política, que deu origem a eleições antecipadas, em maio, e o Governo Regional do PSD poderá agora cair outra vez se a moção de censura apresentada pelo Chega for aprovada na terça-feira.

No início do ano, o presidente do executivo, Miguel Albuquerque, reeleito em setembro de 2023, foi constituído arguido num processo sobre suspeitas de corrupção, abuso de poder, prevaricação e outros crimes, o que levou à sua demissão.

Depois de um ano politicamente atribulado, com Albuquerque a ser reeleito líder do PSD/Madeira e a vencer novamente as regionais, mas sem maioria absoluta, 2024 termina com um novo acentuar da crise política que já havia começado em janeiro.

Se os partidos mantiverem os votos anunciados, a moção de censura ao Governo Regional minoritário do PSD apresentada pelo Chega – justificada pelo partido com os processos judiciais envolvendo Albuquerque e quatro secretários regionais, constituídos arguidos em casos distintos - tem aprovação garantida e levará à queda do executivo, em funções há seis meses.

Albuquerque foi constituído arguido no final de janeiro num inquérito em que estão em causa alegados favorecimentos de empresários pelo poder público, em troca de contrapartidas.

O social-democrata, líder do Governo Regional desde 2015, acabou por se demitir, depois de o PAN retirar o apoio que permitia à coligação PSD/CDS-PP governar com maioria absoluta. Entretanto, em março, nas eleições internas do PSD/Madeira, derrotou Manuel António Correia e voltou a concorrer à presidência do executivo do arquipélago.

Os sociais-democratas deixaram de ter neste mandato, pela primeira vez em tempo de democracia e autonomia, maioria absoluta na Assembleia Legislativa: no único acordo pós-eleitoral deste sufrágio, PSD (com 19 eleitos) e CDS-PP (dois) não conseguiram os 24 assentos necessários a uma maioria absoluta.

O parlamento é também composto por 11 eleitos do PS, nove do JPP, quatro do Chega, um da IL e um do PAN.

PS e JPP, com 20 deputados, ainda tentaram formar uma coligação, mas o representante da República, Ireneu Barreto, considerou que os dois partidos não tinham condições para apresentar uma alternativa de governo e indigitou Miguel Albuquerque como presidente do executivo.

Em junho, o parlamento regional começou a discutir o Programa do Governo, mas a proposta acabou por ser retirada por Miguel Albuquerque por não ter condições de ser aprovada, atendendo a que PS, JPP e Chega, que em conjunto têm 24 deputados, já se tinham manifestado contra.

Após novas negociações, o Chega, que recusava a ideia de viabilizar um executivo liderado por um presidente arguido, acabou por se abster na votação da nova proposta e também do Orçamento para este ano, aprovado em 17 de julho.

Entretanto, em agosto, deflagrou na ilha da Madeira um incêndio rural de grandes dimensões que lavrou durante vários dias e contribuiu para reacender a tensão política na região.

A gestão das operações foi contestada por vários partidos da oposição, incluindo o Chega, que na ocasião admitiu vir a apresentar uma moção de censura.

Só mais de dois meses depois, em 06 de novembro, o partido decidiu avançar com a moção.

O parlamento decidiu adiar a discussão para depois da discussão do Orçamento Regional, apesar de o Chega não ter concordado e de terem sido levantadas dúvidas, uma vez que o regimento da Assembleia Legislativa prevê que o documento seja apreciado até oito dias após a sua apresentação.

As propostas de Orçamento e Plano de Investimentos para 2025 apresentadas pelo Governo da Madeira acabaram por ser rejeitadas, após a discussão na generalidade, no passado dia 09, com os votos contra de toda a oposição - PS, JPP, Chega, IL e PAN. Apenas PSD e CDS-PP votaram a favor.

Este foi o primeiro Orçamento Regional alguma vez chumbado na Assembleia Legislativa da Madeira ao longo de quase 50 anos de autonomia.

O chumbo não implica a demissão do executivo, mas significa que a região será governada em regime de duodécimos em 2025 ou até que novos documentos sejam apresentados e aprovados.

Na terça-feira, dia 17, é votada a moção de censura e a sua aprovação implica a demissão do Governo Regional e a permanência em funções até à posse de uma nova equipa. PS, JPP, Chega e IL já anunciaram que votarão a favor.

Tendo em conta que Miguel Albuquerque já assumiu que para o PSD/Madeira “só há uma solução” se a oposição “deitar o governo abaixo”, que é “devolver a voz ao povo madeirense”, a região autónoma deverá ir novamente a votos nos primeiros meses de 2025.

Com a queda do executivo, o primeiro passo será do representante da República, Ireneu Barreto, que deverá chamar os partidos ao Palácio de São Lourenço. Contudo, a última palavra caberá sempre ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que tem competência para dissolver a Assembleia Legislativa.

A haver eleições regionais, serão as terceiras no espaço de um ano e meio.

2024: Coligação de direita vence sem maioria absoluta as primeiras regionais antecipadas

A coligação PSD/CDS-PP/PPM venceu em 04 de fevereiro as primeiras legislativas regionais antecipadas da história da autonomia açoriana, mas ficou a três deputados da maioria absoluta, necessitando do apoio de alguns partidos para aprovar as suas propostas no parlamento.

PSD, CDS-PP e PPM elegeram no total 26 deputados (43,56% dos votos), ficando a três da maioria absoluta, enquanto o PS, que é a segunda força no arquipélago, obteve 23 mandatos e o Chega cinco. O BE, a IL e o PAN elegeram um deputado regional cada, completando os 57 eleitos.

Apesar de a coligação liderada pelo social-democrata José Manuel Bolieiro – chefe do Governo Regional desde o final de 2020 – ter vencido as eleições sem maioria absoluta, já conseguiu ver aprovados dois Orçamentos Regionais.

O Plano e o Orçamento dos Açores para 2024 foram aprovados em maio na Assembleia Regional, após o sufrágio, com 31 votos a favor de PSD, CDS-PP, PPM e Chega, 25 abstenções de PS, IL e PAN e um voto contra do BE. Os documentos para 2025, apresentados e discutidos em novembro, tiveram votos a favor de PSD, CDS-PP, PPM e Chega e votos contra de PS, BE, IL e PAN.

Em dezembro de 2023, após a quebra da ‘geringonça’ de direita e do chumbo do Plano e Orçamento Regional para este ano, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou a dissolução da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e marcou eleições regionais antecipadas.

A proposta de Orçamento foi chumbada em 23 de novembro do ano passado na generalidade, com votos contra de PS, BE e IL e abstenções do Chega e do PAN, tendo recebido apenas votos favoráveis de PSD, CDS e PPM (que formaram governo após as eleições de 2020 e só este ano concorreram juntos) e do deputado independente Carlos Furtado, ex-Chega.

Nessa legislatura que não chegou ao fim, o executivo de Bolieiro deixou de ter apoio parlamentar maioritário desde que um dos dois deputados eleitos pelo Chega se tornou independente e o deputado da IL rompeu com o acordo de incidência parlamentar, em março, mantendo-se apenas o acordo com o deputado único do Chega.

Nas eleições deste ano, o PS, que recandidatou o antigo presidente do Governo Regional Vasco Cordeiro, ficou em segundo lugar (37,18% dos votos) e o Chega, com a candidatura do líder regional José Pacheco, ficou em terceiro (9,51%), com mais três eleitos do que nas eleições de 2020.

O BE candidatou o líder regional António Lima, o único eleito do partido (2,63%), que assim perdeu um parlamentar em relação às últimas regionais.

A IL manteve o deputado Nuno Barata, que tinha sido eleito em 2020, tendo alcançado 2,22% dos votos, tal como o PAN, que recandidatou Pedro Neves e obteve 1,71% dos votos.

A campanha eleitoral ficou marcada pela presumível integração do Chega no Governo Regional, pelos partidos da oposição, que por várias vezes desafiaram Boleiro a esclarecer o assunto. O social-democrata sempre negou e, a certa altura, disse mesmo que a possibilidade não se colocava, o que, de facto, se verificou.

Mantêm-se, contudo, críticas à relação da coligação com o Chega, incluindo sobre as negociações para o Orçamento Regional, que José Pacheco descreveu como “muito positivas”, fazendo depender o seu voto da viabilização das propostas de alteração.

Uma das reivindicações foi o cumprimento de uma resolução (sem força de lei) que o partido apresentou e foi aprovada no plenário recomendando ao executivo a alteração das regras de acesso às creches gratuitas nos Açores, de forma a dar prioridade a filhos de pais com emprego. A medida já foi confirmada pelo Governo Regional.

Às legislativas de 04 de fevereiro concorreram 10 candidaturas. Duas eram de coligações (PSD/CDS-PP/PPM) e CDU (PCP/PEV) e oito de partidos isolados (PS, PAN, BE, Chega, JPP, IL, ADN e Livre).

Após as eleições regionais, o socialista Vasco Cordeiro, que ocupava a liderança do PS no arquipélago desde 2013, deixou o cargo, mantendo-se como deputado no parlamento açoriano, e a presidência da estrutura passou a ser assumida em junho pelo deputado na Assembleia da República Francisco César.

Na IL/Açores também ocorreram mudanças na liderança, que, a partir de novembro, deixou de ser ocupada por Nuno Barata e passou para Hugo Almeida.

2024: Vítimas mortais em incêndios voltam a alarmar o país

Nove pessoas morreram durante os incêndios rurais que em setembro atingiram o Norte e Centro de Portugal, mas 2024 fica também marcado pela morte de cinco militares da GNR na queda de um helicóptero de combate aos fogos.

A situação mais crítica aconteceu na terceira semana de setembro, com os incêndios a atingir sobretudo os distritos de Viseu, Aveiro, Porto, Vila Real e Braga, onde queimaram mato e florestas, casas, empresas, propriedades agrícolas e carros, levaram à evacuação de aldeias e ao corte de ferrovias e estradas.

À memória dos portugueses voltaram os fogos de 2017, os mais trágicos em Portugal até à data, com mais de 100 mortos. No entanto, o balanço foi este ano menos grave em perda de vidas humanas.

Nove pessoas morreram em setembro, entre as quais quatro bombeiros das corporações de Vila Nova de Oliveirinha e de São Mamede de Infesta, e contabilizaram-se ainda mais de 150 feridos. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil fechou a operação com um registo de cinco óbitos, excluindo da contagem dois civis que morreram de doença súbita e dois civis feridos que morreram na semana seguinte.

Antes, no final de agosto e em plena época mais crítica de fogos, um helicóptero caiu ao rio Douro, entre Lamego e o Peso da Régua, o que causou a morte de cinco militares da GNR que faziam parte da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro.

A aeronave regressava à base em Armamar, depois de ter sido acionada para um incêndio em Baião, quando caiu ao rio. Apenas sobreviveu o piloto.

O ano ficou também marcado pelo incêndio rural que deflagrou em 14 de agosto na ilha da Madeira e foi dado como “totalmente extinto” no dia 26 depois de consumir mais de 5.000 hectares.

Os estragos ao nível da agricultura, da pecuária e da apicultura afetaram cerca de 200 produtores e 120 moradores da Fajã das Galinhas, no concelho de Câmara de Lobos, foram retirados do local e continuam impedidos de regressar a casa.

Na terceira semana de setembro, o país passou dos melhores valores de área ardida da década para o terceiro pior desde 2014, sendo apenas ultrapassado em 2017 (563.000 hectares) e 2016 (165.000).

O sistema europeu Copernicus apontou para uma área ardida de cerca de 135.000 hectares nestes seis dias de setembro, totalizando este ano a área ardida em Portugal quase 147.000 hectares.

Dados diferentes foram divulgados em 15 de novembro no relatório provisório do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que contabilizou uma área ardida de 136.424 hectares, a maioria consumida pelos fogos de setembro.

Entre 15 e 20 de setembro, com os incêndios em curso, ouviram-se queixas de populares e autarcas de falta de meios no combate, a Liga dos Bombeiros Portugueses criticou a falta de coordenação no terreno e o país voltou a discutir as falhas na prevenção.

O Governo declarou situação de calamidade, o nível máximo de intervenção previsto na Lei de Bases da Proteção Civil, em todos os municípios afetados e a Portugal chegou a ajuda de mais de 300 bombeiros espanhóis e de 10 meios aéreos de Espanha, França, Itália e Marrocos, que se juntaram aos mais de 5.000 operacionais mobilizados para o combate às chamas.

O dia 20 de setembro foi dia de luto nacional em memória das vítimas e foi também de chuva, que ajudou a extinguir os fogos.

A solidariedade da comunidade foi visível na ajuda ao combate, mas também em doações de rações para os animais.

O levantamento dos prejuízos começou imediatamente, quer pelos municípios quer pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) do Norte e Centro, e o Governo prometeu apoios públicos “abundantes” para ajudar populares e empresas afetados pelos fogos.

Depois de um Conselho de Ministro extraordinário, em 17 de setembro, presidido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou a criação de “uma equipa especializada” para investigar criminalmente a origem dos incêndios, falando em “coincidências a mais” e “interesses particulares”.

As críticas da oposição à resposta governamental foram mais audíveis após os fogos. O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, acusou Montenegro de se focar excessivamente num único fator causador dos incêndios, o fogo posto, e afirmou que a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, ficou “fragilizada”. No parlamento, o Chega requereu um debate de urgência sobre os “incêndios e falhas no seu combate”.

O relatório do ICNF revelou que 35% dos incêndios tiveram como origem o incendiarismo e mais de 30% corresponderam a níveis de severidade meteorológica elevada, ou seja, dias tendencialmente com temperaturas elevadas, vento forte, ausência de precipitação e humidade relativa baixa.

Na sequência dos fogos de setembro, a Polícia Judiciária abriu 237 investigações e deteve 13 suspeitos.

Numa visita a municípios socialistas afetados pelos incêndios, Pedro Nuno Santos acusou o primeiro-ministro de estar afastado do território afetado, defendendo que deveria andar a ouvir autarcas e populações afetadas.

Poucos dias depois, Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa sobrevoaram de helicóptero algumas das zonas afetadas, com o Presidente da República a defender que os incêndios são uma causa nacional e que é necessário dar uma resposta imediata com “rapidez, rigor e eficácia” às pessoas e empresas afetadas.

O primeiro-ministro já tinha anunciado a “luz verde” da Comissão Europeia para utilizar 500 milhões de euros do Fundo de Coesão e, do pacote de medidas anunciadas, o apoio para prejuízos agrícolas até 6.000 euros, mesmo em situações indocumentadas, foi o primeiro a chegar aos beneficiários para ajudar na reparação de máquinas, equipamentos, armazéns e substituição de animais.

O Governo criou ainda um financiamento a 100% para a recuperação de casas com valor até 150 mil euros e uma linha de apoio à tesouraria e recuperação de fábricas, e anunciou a apresentação de um plano de ação para a floresta até ao final do ano.

2025: Pelo menos um terço das câmaras muda de presidente nas eleições autárquicas

As autárquicas para o mandato 2025-2029, previstas para setembro ou outubro, mudam pelo menos um terço dos atuais presidentes de câmara e podem realizar-se segundo um novo mapa administrativo, devido à desagregação de freguesias unidas pela “lei Relvas”.

Nas autárquicas serão eleitos os presidentes, os vereadores e as assembleias municipais dos 308 municípios portugueses e os membros das 3.091 assembleias de freguesia, de onde sairão os executivos das juntas.

As próximas eleições poderão realizar-se sob um novo mapa administrativo, com mais de 300 novas juntas, tendo em conta os pedidos de desagregação por freguesias agregadas pela denominada “lei Relvas”, em 2012/2013, que decorre no parlamento.

Cerca de um terço das 308 câmaras municipais muda de presidente, já que uma centena destes autarcas está impedida de se recandidatar ao mesmo concelho em 2025, devido ao limite de eleição em três mandatos consecutivos.

Do total de presidentes em final de mandato que se mantém até à data, 53 são socialistas, 28 do PSD (sozinho ou coligado), 12 do PCP-PEV (de um total de 19 Câmaras desta coligação), três do CDS-PP (de seis municípios geridos pelos democratas-cristãos), um é o único presidente do Juntos Pelo Povo (JPP), Filipe Sousa, autarca em Santa Cruz, na Madeira, e cinco são independentes, entre os quais Rui Moreira, que está de saída da presidência da Câmara do Porto.

No final de ciclo estão autarcas socialistas como Basílio Horta em Sintra (distrito de Lisboa), Eduardo Vítor Rodrigues em Vila Nova de Gaia (Porto) e Rui Santos em Vila Real.

O PSD, que assumiu como objetivo vencer na maioria das câmaras e juntas em 2025 e recuperar a liderança das associações de municípios e de freguesias, terá de substituir José Ribau Esteves, com três mandatos à frente de Aveiro, Carlos Carreiras em Cascais (Lisboa), Ricardo Rio em Braga e Rogério Bacalhau em Faro.

A CDU (PCP-PEV) terá de encontrar candidatos sucessores para os presidentes de Cuba (Beja), Arraiolos (Évora), Évora, Sobral de Monte Agraço (Lisboa), Avis e Monforte (Portalegre), Benavente (Santarém), Grândola, Palmela, Santiago do Cacém e Alcácer do Sal (Setúbal) e Silves.

O CDS-PP, que sozinho tem atualmente seis executivos municipais, vai ter de encontrar substitutos para três: António Loureiro e Santos, de Albergaria-a-Velha, e José Pinheiro e Silva, de Vale de Cambra, ambos no distrito de Aveiro, e Luís Silveira, presidente da Câmara de Velas, nos Açores.

Além de Rui Moreira, no Porto, há outros quatro municípios que estão a ser dirigidos por movimentos independentes e que terão de mudar de presidente: Teresa Cardoso, em Anadia (Aveiro), António Anselmo, autarca em Borba (Évora), Décio Natálio Pereira, na Calheta (Açores), e o madeirense Ricardo Nascimento, eleito pelo movimento Ribeira Brava em Primeiro (Madeira), embora com o apoio do PSD.

Pelo menos outros 30 presidentes impedidos de uma recandidatura foram deixando as autarquias para assumir outros cargos, muitos deles aproveitando as eleições legislativas de março deste ano e as europeias de junho para a saída, e abrindo caminho à continuidade dos respetivos vice-presidentes.

Quando ainda há poucos candidatos assumidos, pelo menos dois antigos presidentes de câmara já anunciaram que pretendem voltar a candidatar-se.

Uma delas é a ex-presidente de Setúbal Maria das Dores Meira, eleita pela CDU em três mandatos consecutivos (2009, 2013 e 2017), que pretende recandidatar-se como independente.

Também o antigo presidente da Câmara de Estremoz (Évora) Luís Mourinha anunciou que vai voltar a ser candidato à presidência pelo Movimento Independente por Estremoz (MIETZ), depois de o seu último mandato ter sido interrompido em 2019, quando foi condenado a perda de mandato pelo crime de prevaricação.

Os novos autarcas terão a pressão de enfrentar a reta final da execução das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que tem como data limite 2026, sobretudo na área da Habitação.

Terão também de negociar e depois trabalhar sob uma nova Lei de Finanças Locais, desenvolver e consolidar o processo de descentralização e executar projetos com fundos do PT2030.

Nas últimas autárquicas, em 26 de setembro de 2021, o PS foi a força mais votada quer nas câmaras municipais, quer nas juntas de freguesia: há 148 concelhos liderados pelo PS (mais um em coligação Livre+PS), 72 pelo PSD sozinho e 41 em coligação com o CDS-PP e outros partidos (além de mais um do PSD com outros partidos, mas sem o CDS-PP), 19 da CDU, 19 de movimentos independentes, seis do CDS-PP e uma do JPP.

Os socialistas obtiveram ainda 1.248 presidências de junta sozinhos (mais 35 em coligações) e o PPD/PSD obteve 757 (além de pelo menos outras 447 em diversas coligações).

Desde as primeiras eleições autárquicas democráticas, em 1976, há 24 municípios que nunca mudaram de cor política: nove do PSD, outras nove do PS e seis da CDU.

2025: Governo recorre aos privados para disponibilizar médicos de família e recuperar cirurgias

Portugal deve assistir em 2025 à abertura dos primeiros centros de saúde geridos pelos setores social e privado, a quem o Governo também pretende recorrer para reduzir a lista de utentes inscritos para cirurgias no próximo ano.

Estas são duas das medidas que constam do plano de emergência e transformação da saúde, que entra em 2025 no segundo ano de implementação, e que se enquadram no objetivo do ministério de reforçar os acordos com os setores social e privado para aumentar a resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Depois da reorganização do modelo de funcionamento e gestão do SNS, com a generalização este ano de 39 Unidades Locais de Saúde em todo o país, uma das principais novidades de 2025 deverá ser a abertura das portas dos primeiros centros de saúde privados, que estão previstos na lei há vários anos, mas que nunca foram criados.

O objetivo destas novas Unidades de Saúde Familiar modelo C (USF-C), que serão colocadas a concurso, é responder a um dos principais problemas do SNS nos últimos anos: a falta de médicos de família para cerca de 1,5 milhões de utentes, responsável por sobrecarregar os serviços de urgência e que é mais notória em Lisboa e Vale do Tejo.

É exatamente nessa região que deverão surgir os primeiros 10 centros de saúde privados, através de um concurso que prevê também cinco USF-C para Leiria e outras cinco para o Algarve, com o ministério a prever que possam abranger 180 mil utentes.

Durante 2025 deverão ser lançadas mais duas fases do concurso público para implementação de novas USF na região de Lisboa, com o objetivo de abranger 360 mil utentes.

Este reforço dos acordos entre o SNS e os setores social e privado será também extensível à recuperação das listas de espera para cirurgias de doentes não oncológicos, quando estiver esgotada a capacidade de resposta dos hospitais públicos.

Na prática, os hospitais públicos definem a lista de doentes que ultrapassaram o tempo máximo de resposta garantido nas cirurgias não urgentes para que sejam operados até agosto e os que não forem agendados seguirão para unidades de saúde dos setores social e privado.

No próximo ano, o Governo pretende também criar uma nova prioridade clínica para os doentes oncológicos, promover a monitorização dos doentes crónicos à distância, desenvolver um programa de prevenção da doença e promoção da saúde, criar a Agência Nacional da Saúde Digital, implementar o Registo de Saúde Único Eletrónico e revitalizar o Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS).

Já ao nível dos recursos humanos, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) prevê que em 2025 estejam em condições de se aposentarem 642 médicos, número que deverá ir baixando nos próximos anos, assim como 584 enfermeiros.

A falta de médicos em determinadas especialidades tem sido notória, nos últimos anos, para assegurar as escalas completas dos serviços de urgência, mas 2025 pode ser o ano em que arranca a formação na nova especialidade de Medicina de Urgência e Emergência, considerada como um contributo para fixar médicos no SNS.

Já formalmente constituída pela Ordem dos Médicos, 20 anos depois de o processo ter sido aberto, a nova especialidade consta também do plano do Governo de emergência e transformação da saúde, que prevê que no próximo ano sejam abertas as primeiras vagas para formar especialistas em Medicina de Urgência.

A nível laboral, e depois das várias greves realizadas em 2024 por diversas classes profissionais, 2025 vai arrancar logo com a negociação de um Acordo Coletivo de Trabalho para os enfermeiros, que, caso seja alcançado, será o primeiro para esta classe profissional.

Depois de, no final do ano, terem ficado expostas as dificuldades de resposta por falta de recursos humanos, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) vai receber um reforço de 400 de técnicos em 2025, ano em que deverão ser implementadas também as medidas para a “refundação” prometida pelo Governo.

2025: O ano em que a nova política de migração será posta à prova

O ano de 2025 vai colocar à prova a política migratória do Governo português, que aposta tudo num sistema que implica um reforço consular que ainda não sucedeu e em regras de contratação que as associações setoriais contestam.

Ao mesmo tempo que facilitou a entrada de cidadãos oriundos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Portugal fechou em junho a possibilidade de um cidadão estrangeiro se legalizar no território nacional, desde que tivesse um contrato de trabalho, morada fiscal e descontos para a segurança social e impostos, um recurso conhecido como manifestação de interesse.

O fim desta medida, em junho, criou um problema para a entrada de novos imigrantes no país fora do espaço lusófono, que só podem vir com um visto de trabalho, de procura de trabalho ou uma Autorização de Residência para Investimento (ARI), recursos que implicam a entrada no sistema consular português no exterior.

Contudo, a rede consular estava já sobrecarregada e foi um dos motivos para a criação das manifestações de interesse, agora cancelada.

A falta de representação diplomática em países emissores de imigrantes (Nepal ou Bangladesh) e a falta de vagas para agendamento e lentidão nos processos são alguns dos problemas da rede consular que o Governo quer resolver em 2025 com a entrada de 50 novos quadros para os países mais sensíveis e com a criação de uma via verde para as empresas.

As associações empresariais foram desafiadas pelo executivo a identificarem as necessidades e a fazerem a seleção nos países de origem dos imigrantes, utilizando agências de recrutamento para identificar os candidatos a visto de trabalho.

Às empresas caberá a responsabilidade de criar condições de acolhimento, que inclui acesso à saúde ou habitação, para esses novos imigrantes, uma exigência já contestada pelas associações setoriais, que temem um aumento de custos da mão-de-obra.

As associações estimam em 130 mil o número de imigrantes necessários para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho em Portugal, tendo em vista que em 2025 está prevista a conclusão de muitas das obras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

De fora estão os projetos estruturantes que o Governo quer também iniciar, como o aeroporto ou a terceira travessia sobre o Tejo.

Para "satisfazer as necessidades da economia nacional", o Governo propôs "um canal de operacionalização que não cria novas portas legais de entrada, mas assegura simultaneamente maior celeridade de procedimentos e mais responsabilidade e regulação dos fluxos migratórios".

Numa situação mais frágil estão as pequenas e micro empresas que não têm recursos para contratar diretamente no exterior e terão de optar pela contratação num mercado de quase pleno emprego ou por cidadãos da CPLP.

Desde junho que o executivo tem insistido que não quer alterar ou reduzir as exigências de visto de entrada e apenas aceitou a regularização dos casos de pessoas que já estavam em Portugal e se encontravam num limbo jurídico com o fim das manifestações de interesse.

“Um país de portas abertas, mas não escancaradas” tem sido uma bandeira política da coligação PSD/CDS, que tem recusado qualquer ligação entre imigrantes e segurança, como é reivindicado pelo partido de extrema-direita Chega.

Apesar disso, as autoridades policiais estão a reforçar as operações de fiscalização da documentação dos imigrantes no país, a pedido do executivo, pelo que são esperadas novas ações em 2025.

Também no próximo ano deverá terminar o processo de regularização dos processos pendentes que transitaram do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para a atual Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Os 400 mil casos foram entregues à estrutura de missão que já concluiu a avaliação de metade dos processos, com cerca de 108 mil rejeitados, segundo o ministro da Presidência.

Em paralelo, milhares de imigrantes interpuseram ações contra o Estado português por causa do atraso na resposta, alegando que existem situações com vários anos de pessoas que aguardam por uma resposta aos seus pedidos.

Até lá, enquanto os processos não estão concluídos, esses cidadãos trabalham e descontam mas estão impedidos de viajar para os seus países ou aceder a um crédito.

2025: Amadeu Guerra, o novo PGR de quem se esperam resultados

Amadeu Guerra tem no combate à corrupção um dos “cavalos de batalha” do seu mandato enquanto Procurador-Geral da República (PGR), mas é na melhoria dos tempos de investigação e acusação do Ministério Público que mais se esperam resultados.

O alerta foi deixado logo na tomada de posse, a 12 de outubro, no Palácio de Belém: “Nos crimes de corrupção e crimes conexos, bem como na criminalidade económico-financeira, é minha intenção acompanhar de perto (…) as razões dos atrasos”.

Amadeu Guerra, apontado pela ministra da Justiça como “a pessoa certa, no lugar certo, no momento certo" para liderar a Procuradoria-Geral da República, sinalizava desta forma uma prioridade de mandato.

O PGR foi nomeado para o cargo com um vasto “caderno de encargos” elencado por Rita Alarcão Júdice numa entrevista em que traçou um perfil do sucessor de Lucília Gago assente na capacidade de comunicação e de liderança, de quem se esperava um “virar de página” num momento de uma “certa descredibilização” do Ministério Público (MP) que tornava necessário pôr “ordem na casa”.

Depois de um fim de mandato polémico de Lucília Gago, no qual através de um comunicado anunciou ao país a ‘Operação Influencer’ e no último parágrafo informava que estava em curso uma investigação ao então primeiro-ministro António Costa foi acusada de fazer cair o Governo e politizar o MP e a Justiça, o procurador jubilado Amadeu Guerra assumiu, aos 69 anos, o cargo com a missão implícita de recuperar a imagem do MP, atacado por um ‘Manifesto’ de centenas de personalidades que se uniram nas críticas à sua atuação, mas agastado sobretudo por uma perceção pública de inoperância.

A “Operação Marquês”, o caso BES/GES ou o caso EDP são alguns exemplos de megaprocessos cuja investigação levou vários anos até que fosse deduzida uma acusação, com risco de comprometer a sua eficácia e há um mês o novo PGR alertou que sem mudanças na lei mais casos como estes podem repetir-se, apelando a uma ponderação da instrução, dos recursos e meios disponíveis nos códigos de processo civil e penal.

Uma das primeiras medidas de Amadeu Guerra foi substituir o diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), colocando um procurador da sua confiança, Rui Cardoso, na liderança do departamento mais especializado do MP, que tutela os processos mais complexos, de corrupção e criminalidade económico-financeira organizada.

O combate à corrupção tem estado no centro das intervenções públicas de Amadeu Guerra, que desde a tomada de posse tem insistido na importância de melhorar a recuperação de ativos, acompanhando neste ponto a agenda anticorrupção do Governo - a primeira medida do novo Governo no seu primeiro Conselho de Ministros em abril – estando já prometida para janeiro uma proposta para aprofundar o mecanismo de perda alargada de bens a favor do Estado neste tipo de criminalidade.

Em matéria de recuperação de ativos, Amadeu Guerra, que considera que no combate à corrupção “é tão ou mais eficaz assegurar a perda de bens do que uma condenação em prisão”, anunciou um plano de ação do MP a implementar nos próximos anos, que vai assentar na formação especializada dos magistrados, na criação e aperfeiçoamento de instrumentos de organização e gestão interna, na aposta nos mecanismos de cooperação judiciária internacional, e no envolvimento efetivo dos gabinetes de Recuperação de Ativos e de Administração de Bens.

Importante também para Amadeu Guerra é criar condições que permitam ao MP recorrer com mais frequência aos mecanismos de direito premial, que premeiam a colaboração de denunciantes de corrupção.