Na sequência da notícia, divulgada hoje pelo Jornal de Notícias, de que foram distribuídas 70 mil golas antifumo fabricadas com material inflamável (poliéster) e sem tratamento anticarbonização, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) divulgou um comunicado esclarecendo que os materiais distribuídos nestes programas não são de combate a incêndios nem de proteção individual, mas de sensibilização de boas práticas.
Os programas, refere a ANEPC, “visam capacitar as populações no sentido de reforçar a segurança de pessoas e bens mediante a adoção de medidas de autoproteção e a realização de simulacros aos planos de evacuação das localidades”.
“Importa reforçar que estes materiais não assumem características de equipamento de proteção individual, e muito menos de combate a incêndios. Trata-se sim de material de informação e sensibilização sobre como devem agir as populações em caso de incêndio, aumentando a resiliência dos aglomerados populacionais perante o risco de incêndio rural”, é sublinhado.
A Foxtrot Aventura, sediada em Fafe e fornecedora deste material, é, conforme explica o seu ‘site’, uma empresa de desporto aventura e turismo da natureza, promovendo atividades como escalada ou arborismo.
O seu fundador, Ricardo Fernandes, indicou hoje que o material fornecido à Proteção Civil não está preparado para combate aos incêndios, porque essa exigência não constava do caderno de encargos.
"O que posso dizer é que o equipamento não é para ser utilizado no combate aos incêndios", afirmou, acrescentando que o ‘kit’ se destinava a ações de ‘merchandising’, "material demonstrativo para distribuir à população",
Segundo a empresa, parte do material, nomeadamente as máscaras de proteção respiratória, até pode ser utilizado no teatro de operações de algumas catástrofes, mas nunca no combate a incêndios.
No portal “Base: Contratos Públicos Online” constam dois contratos distintos com a empresa Foxtrot Aventura: o “Contrato para aquisição de kits de autoproteção, no âmbito dos programas ‘Aldeia Segura’ e ‘Pessoas Seguras’”, assinado em 12 de junho de 2018, e o “Contrato para aquisição de ‘golas’, no âmbito dos programas ‘Aldeia Segura’ e ‘Pessoas Seguras’”, datado de 28 de maio do mesmo ano.
Apesar da referência à existências de cadernos de encargos, enquanto anexos, estes documentos não são disponibilizados ‘online’.
A Lusa pediu-os à Proteção Civil e à empresa, mas a primeira remeteu para o portal da contratação, enquanto a segunda disse não estar autorizada a disponibilizá-los.
O contrato relativo à aquisição de 70 mil golas, que não refere o termo “autoproteção”, indica um encargo, suportado pelo orçamento da ANEPC para 2018, de 125.706 euros, com Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) incluído.
O contrato inclui uma cláusula em que a empresa se compromete a “guardar sigilo e confidencialidade sobre os assuntos” constantes do documento.
O outro contrato, que tem também uma cláusula de sigilo e confidencialidade, tem um valor de 202.950 euros (com IVA) e “tem por objeto principal a aquisição de 15 mil kits de autoproteção”, cuja composição não é descrita.
No guia de apoio à implementação dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, o ‘site’ da ANEPC refere um “kit de abrigo”, constituído por reserva de água engarrafada, alimentos não perecíveis, estojo de primeiros socorros, um rádio, lanterna, itens de higiene, artigos especiais para lactentes/idosos/pessoas com deficiência, máscaras com filtros de partículas, água e alimentos para animais de companhia, e um apito ou outro equipamento para sinalização.
“O município deverá identificar a entidade/pessoa que ficará responsável por manter tal kit operacional durante os períodos de maior risco de incêndio”, é referido.
Em 2018, aquando da apresentação dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras” (em parceria com as associações nacionais de municípios e freguesias), foi anunciada a distribuição de sinalética e de 10 mil 'kits' de autoproteção e outros materiais, além da criação da figura do oficial de segurança para transmitir avisos às populações, organizar evacuações e realizar ações de sensibilização.
Estes programas estabelecem também a definição de lugares de refúgio nas aldeias.
Em junho do ano passado, o Ministério da Administração Interna referia uma implementação já em 700 localidades de 189 municípios, acrescentando que iria “ser intensificada a distribuição de kits de autoproteção pelas aldeias”.
Já este mês, a Proteção Civil informou que os dois programas estão a ser realizados em 1.909 aldeias, existindo 1.507 oficiais de segurança e 1.466 locais de abrigo.
Dois oficiais de segurança do distrito de Castelo Branco disseram ao JN que “a gola aquece muito” e “cheira a cola”. Estes oficiais queixaram-se também do colete refletor, também feito em poliéster.
No portal da contratação pública consta também um contrato para “aquisição de 8.000 coletes para oficial de segurança local”, no valor de 36.801,60 euros, celebrado com a empresa Touch Fire, de Valongo, em 14 de agosto de 2018.
A previsão era de distribuição de 1.350 coletes na sede da ANEPC, tendo os 18 distritos do continente recebido, cada um, entre 100 e 500.
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