A ambiciosa meta coletiva de longo prazo de zero emissões de carbono até 2050 por parte da indústria aeronáutica e a promessa de operadores de aviação de embarcarem no voo de emissão líquida zero de carbono (Carbon Neutral) a cumprir até ao fecho da primeira metade do século, parece longe no tempo, mas está ao virar da esquina.
O que parecia ficção científica – aviões silenciosos, amigos do ambiente sem recurso de combustíveis fósseis – está perto de acontecer e, podem, até finais da década, ser vistos nos céus.
As aeronaves alimentadas a bateria começam a ganhar tração e a Heart Aerospace, startup sueca fundada em 2018, surge na dianteira. Em Gotemburgo, está a desenvolver um avião alimentado por baterias, carregáveis em 30 minutos, passível de voar em distâncias curtas. E já tem encomendas um pouco por todo lado, Portugal incluído.
Dotada de músculo financeiro suportado por parceiros gigantes como a United Airlines, a Breakthrough Energy, de Bill Gates, a SAS, recentemente levantaram 10 milhões de euros de investimento - Air Canada e Saab, a maior empresa aeroespacial sueca e anterior fabricante de aeronaves regionais – para o desenvolvimento do avião elétrico.
ES-30. 200 quilómetros de autonomia e 30 lugares a bordo
Passaram pelo Portugal Air Summit, cimeira aeronáutica internacional, em Ponte de Sor, onde apresentaram o modelo ES-30 e fecharam um negócio com a Sevenair, empresa portuguesa de aviação regional.
“Será um avião de 30 lugares, lançado há um mês em Gotemburgo”, explicou ao SAPO24 Alexandre Alves, administrador da Sevenair. “Pode fazer voos 100% elétricos até 200 quilómetros e terá uma pequena turbina alimentada por combustíveis renováveis para alimentar as baterias e poderá estender até 400 quilómetros de autonomia”, detalhou.
A Sevenair assinou “uma carta de intenção para aquisição de três aeronaves com opção de mais três”, adiantou. “Estamos a tentar ser a primeira companhia do mundo a operar esta aeronave elétrica de transporte comercial”, revelou. “Estamos a tentar ser o primeiro país do mundo a ter uma companhia aérea a voar 100% elétrico”, reforçou.
Depois de “três anos à procura de soluções a parte financeira e o know-how [da Heart Aerospace] deu-nos garantias que o projeto tinha pernas para andar”, adiantou sobre as razões da escolha recair na startup sueca.
“O ES-30 é um avião elétrico que a indústria pode realmente usar. Projetamos um avião económico que permite que as companhias aéreas ofereçam um bom serviço numa ampla variedade de rotas. A resposta do mercado tem sido fantástica”, disse, em comunicado, Anders Forslund, fundador e CEO da Heart Aerospace.
“Desenhámos uma aeronave que pode começar a reduzir as emissões das viagens aéreas regionais bem antes do final desta década e as companhias aéreas como a Sevenair tornam isso possível”, anunciou a propósito da carta assinada com a empresa portuguesa.
Uma questão de baterias
“A United Airlines encomendou 200. A Air Canada, 30. Nós temos a dimensão certa em termos de mercado e de autonomia, operamos em rotas curtas, Cascais, Viseu, Vila Real, o ideal para aperfeiçoar a aeronave”, informou Alexandre Alves.
Empresa portuguesa de aviação regional, de viagens de curta distância (last mile), a operar em aeronaves de 19 lugares, a Sevenair cai que nem uma luva no projeto do ES-30. “É o entry level, área do setor de aviação que será o primeiro a implementar as novas tecnologias e a cumprir a neutralidade carbónica. Há o compromisso da indústria da aviação e este será o primeiro passo”, garantiu.
Eleita “há um mês para o Advisory Board”, companhia aérea regional sediada no Aeródromo Municipal de Ponte de Sor, será “parte integrante do desenvolvimento do projeto” e promete utilizar o know-how “para aprimorar a aeronave à realidade de um operador”.
A certificação deverá acontecer “em 2027 ou 2028 para estar a operar em 2030”, referiu.
A conversa regressou à temática das baterias. Alexandre Alves apontou uma vantagem. “O ES-30 Vive à base de baterias e à medida que as baterias se desenvolvam é só substituir e a aeronave terá mais capacidade e autonomia”, assegurou o administrador português.
O tempo médio de vida das baterias é “no mínimo 5 anos”, embora admita que a “evolução é muito rápida e quando chegarmos à certificação do avião já não serão as mesmas (baterias)”, antecipou.
A alimentação da bateria “não impacta na velocidade” e a performance será “similar às aeronaves existentes no mercado”, assegurou.
Ainda com um longo caminho a percorrer na parte regulatória, afasta eventuais dúvidas de quem irá depositar a confiança num avião movido a baterias elétricas. “Penso que há um trabalho forte de comunicação a fazer”, admitiu, “mas a mentalidade está hoje mais habituada muito devido à proliferação de soluções elétricas automóveis”, reconheceu. “A tecnologia é cada vez mais normal nos automóveis e passará a sê-lo também na aviação”, antevê.
Redução de custos (combustíveis e manutenção) viabiliza rotas pequenas e voos para todos
Quanto aos valores de investimento ainda pairam algumas incertezas. “O valor final ainda não está concluído. Estamos a falar de mais de uma dezena de milhões por aeronave”, avançou.
O ES-30 deverá ser uma peça-chave na mudança de paradigma, diminuindo a poluição sonora e caminhando para voos sem emissões de carbono.
Nesta diminuição das dores de cabeças para as empresas aeronáuticas, por um lado, os “custos de operações deverão reduzir, dos combustíveis, dos custos de manutenção reduzidos a 60%, permite redução de tarifas de bilhetes substancialmente e abre o leque de possibilidades de viagem a gente que não o faz”, alvitrou Alexandre Alves, administrador da Sevenair. Por outro, abre espaço à viabilização económica de rotas de pequena distância, um dos problemas com que muitas empresas se debatem.
Com a vontade expressa pela Sevenair, a Heart Aerospace tem um total de 230 ordens, e mais 100 de opção para o ES-30, a que acresce cartas de intenção de mais 99 aeronaves.
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