Também consultor de vários projetos de desenvolvimento local e de luta contra a pobreza e a exclusão social em Portugal e nos países lusófonos africanos, Roque Amaro aborda o problema da habitação em Portugal, nesta entrevista que irá para o ar depois da meia-noite desta sexta-feira (das zero horas de sábado) na Antena 1 e que pode desde já ser ouvida na RTP Play.
Dados do Instituto Nacional de Estatística divulgados em Maio referiam que há em Portugal mais de 154 mil casas vazias, mas faltam, por outro lado, 136.800 alojamentos. E com os custos da habitação e o aumento do número de despejos que se tem registado, nomeadamente nos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa, as barracas acabam por ser uma solução para muitas pessoas.
No caso dos despejos, usa-se o “argumento da legalidade, mas nem sempre” a legalidade “é o melhor caminho para encontrar a dignidade e a justiça”, explica Roque Amaro. “Estamos a falar de pessoas que estavam a ocupar casas, ilegalmente, é certo, nalguns casos já há dez ou 15 anos; em parte é inépcia da autarquia em deixar essas casas vazias sem as atribuir a pessoas, e pessoas que viviam ali ao lado e que estavam desesperadas, depois ocuparam; alguns casos estão a ser reparados com justiça; mas houve despejos e continua a haver nalgumas destas autarquias, neste momento mais à volta de Lisboa”, acrescenta.
“As situações reais das pessoas” deviam ser tidas em conta, diz o economista, que é consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e da Organização Internacional do Trabalho. “Era preferível fazer uma análise caso a caso e sobretudo não deixar estas pessoas sem alternativa”, afirma. “À luz do critério legal vão para a rua, mas depois não se lhes dá tempo nem alternativa de solução; resultado: muitas delas têm de ficar na rua ou vão para casa de famílias e outra vez, sem dignidade nenhuma, às vezes até sem espaço para as pessoas viverem decentemente entre si”, com “cinco, seis pessoas no mesmo quarto, de várias gerações”, o que “não faz sentido”, acrescenta. “Na verdade, estas pessoas ficam sem solução” e vêem-se forçadas a “ocupar outras casas ou ir fazer barracas”.
No decorrer da entrevista, o professor universitário comenta afirmações do Papa Francisco sobre o direito à habitação, a incapacidade de os políticos irem conhecer bairros degradados, o documento da Plataforma Intercomunitária de Lisboa sobre o direito à habitação e o “direito ao bairro” entregue à Câmara Municipal, a carta do “direito ao lugar” e documentos da Comissão Nacional Justiça e Paz e outras instituições católicas acerca dos mesmos temas.
“Situações indescritíveis” e “um completo caos”
Rogério Roque Amaro diz que tem visto “situações indescritíveis” ao nível da habitação pelo país fora, e critica o papel do Estado central e das autarquias no sector: “O direito à habitação não está a ser promovido por quem o deveria promover, que é o Estado”, que tem uma obrigação constitucional, tal como acontece com a educação, a saúde ou a protecção social. Mas entre esses direitos sociais, o direito à habitação “é aquele que continua a ser muito mal promovido”. E com a subida das rendas provocada pelo aumento do alojamento local, pela procura elevada e pela falta de regulação, regista-se um “completo caos no mercado de habitação”, alerta ainda o economista.
“Continua a haver hesitação política” em concretizar “intervenções públicas neste mercado porque se trata de um direito e não propriamente de uma mercadoria”, critica. Mas há “também uma questão ideológica: esta ideia de que a questão da habitação pode ser resolvida com uma regulação do mercado privado, sem uma acção mais assertiva por parte do Estado, não nos está a levar a lado nenhum”.
Defendendo que a solução do problema pode passar pelo incentivo às cooperativas, Roque Amaro refere ainda a importância da acção pública comunitária: Portugal “é dos poucos países que ainda tem a lei dos baldios”, uma lei que estabelece que sejam as comunidades a gerir a propriedade.
“A lei dos baldios deveria ser aplicada a outras áreas e eu diria também à habitação”, defende Roque Amaro. “A habitação é um bem comum; é um bem público, é verdade, mas também é um bem comum, não é um bem privado; ou se é um bem privado, tem limitações enquanto bem privado, porque deve sempre promover o bem comum.” E sintetiza: “A habitação precisa de ser vista como um bem público (acção do Estado), precisa de ser vista como bem privado com responsabilidade (acção privada regulada) e precisa de ser vista como um bem comunitário, colectivo, através das cooperativas.” Ou seja, deve haver uma “interacção entre Estado, comunidade e propriedade privada”.
Nas suas escolhas finais, o economista destaca a leitura da notícia sobre o colóquio da rede Religião nas Múltiplas Modernidades, que decorreu há dias na Universidade Católica, em Lisboa, e que dava conta de que “Portugal mantém matriz católica, mas há cada vez mais diversidade religiosa”. “Uma das coisas que mais me tem entusiasmado nos últimos tempos, quando ando pelo país fora, é ver a diversidade de origens da imigração”, que é “uma riqueza”, comenta o economista, exemplificando com as 54 nacionalidades diferentes e pessoas com religiões muito diferentes que existem nos concelhos da região.
Como sugestão, Rogério Roque Amaro propõe uma visita ao Mercado do Xisto, que decorre neste fim-de-semana, entre dias 12 e 14 de Julho, na praia fluvial de Cambas, em Oleiros, e que inclui música, tertúlias e um mercado de produtos regionais, entre outras iniciativas.
A entrevista integral pode ser ouvida na página do programa na RTP Play.
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