Qual é a notícia?

A investigação da Comissão Independente que estudou os abusos sexuais na Igreja Católica conheceu hoje alguns resultados na justiça: das 25 participações remetidas à Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público abriu 15 inquéritos.

No entanto, estes números são ainda mais baixos do que parecem.

Porquê?

Segundo a PGR, dos 15 inquéritos instaurados, “seis encontram-se em investigação e nove conheceram despacho final de arquivamento”.

Porque é que foram arquivados?

Estas foram as justificações da PGR:

  • Prescrição dos prazos;
  • Objeto de julgamento e condenação;
  • Falta de meios de prova;
  • Não ter sido possível apurar a identidade dos ofendidos, nem dos autores dos factos;
  • Desconhecimento da identidade da vítima e não ter sido possível recolha de prova
  • Morte de um denunciado;
  • Incapacidade de apurar indícios suficientes da prática ou verificação de crime.

Ou seja, os 512 testemunhos recebidos resultaram em apenas seis investigações?

Sim, mas já tínhamos sido prevenidos para essa eventualidade. Durante a apresentação do relatório, Álvaro Laborinho Lúcio — um dos membros da comissão, ex-magistrado e ex-ministro da Justiça — reconheceu desde logo que a maioria dos 25 casos enviados para o Ministério Público já tinha prescrito.

No entanto, não nos podemos esquecer de que ainda está a ser compilada pela comissão uma lista de sacerdotes suspeitos de abusos sexuais a ser entregue à Igreja Católica portuguesa. Esta "será claramente superior a uma centena", disse Pedro Strecht, coordenador da comissão.

Por outras palavras, se por um lado, há apenas seis casos na justiça, por outro a Igreja terá a responsabilidade de prosseguir uma investigação interna após receber essa lista.

O que mais disse hoje a PGR?

Que, dos 15 inquéritos abertos, alguns “concentram mais do que uma participação”; que “todas as participações recebidas na PGR foram remetidas às competentes estruturas do Ministério Público” e que “em duas situações, sendo a informação demasiado vaga, foram solicitados elementos complementares à Comissão Independente, estando a aguardar-se resposta”.

Além disso, soube-se que não foi apenas a comissão independente a apresentar denúncias, a própria Igreja também o fez.

A Igreja? 

Sim, o MP recebeu quatro denúncias da Comissão de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa, que deram origem a sete inquéritos.

“A Comissão de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa entregou na Procuradoria-Geral da República quatro denúncias - três, uma das quais envolvendo vários nomes, num primeiro momento e uma quarta, mais recentemente - relativas a eventuais abusos sexuais de crianças por parte de membros da igreja e de outras pessoas a ela ligadas. Estas denúncias foram remetidas às competentes estruturas do Ministério Público, onde foram instaurados sete inquéritos”, explicou a PGR à Agência Lusa.

No entanto, também aqui a maioria foi arquivada.

Então?

“Dos [sete] inquéritos instaurados, dois encontram-se em investigação e cinco conheceram despacho final de arquivamento”, diz a PGR.

Estes sete processos foram arquivados por não terem sido apurados indícios suficientes; por prescrição do procedimento criminal; por haver factos em investigação noutro inquérito em curso; por não ter sido apurado o abuso cometido pelo denunciado.

Sublinhe-se que esta novidade das denúncias que partiram do Patriarcado de Lisboa soube-se no mesmo dia que este órgão da Igreja Católica portuguesa voltou a fazer um ato de contrição.

Em que sentido?

O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, reiterou o pedido de perdão da Igreja Católica portuguesa, dizendo que é "um misto de tristeza e de esperança".

“Reiteramos o pedido de perdão, a nossa solidariedade total e o compromisso para ajudar no presente e prevenir no futuro”, disse o cardeal-patriarca numa mensagem quaresmal, na cerimónia da Quarta-Feira de Cinzas, na Sé de Lisboa.

Manuel Clemente demonstrou tristeza pelos atos cometidos pela Igreja e “por quem sofreu”, afirmando que “nunca devia ter sofrido”.

“Tristeza, vergonha, arrependimento não podem faltar neste momento”, salientou, reforçando que a Igreja deve “tentar aliviar o que possa ser aliviado para quem sofreu na altura e ainda sofra hoje”.

De resto, o tema dos abusos sexuais no seio da Igreja Católica marcou outras mensagens quaresmais já conhecidas de bispos portugueses.

Quais?

António Luciano, bispo de Viseu, recordou os “crimes hediondos” dos abusos sexuais de menores, defendendo que este seja um tempo para pedir perdão a todas as vítimas.

“Façamos desta Quaresma um autêntico tempo de conversão interior para pedirmos, carregados de vergonha, perdão a todas as vítimas de abusos sexuais de crianças na Igreja Católica em Portugal”, escreveu, acrescentando: “condenemos tais atos como crimes hediondos, que tanto fazem sofrer as vítimas, as famílias e a Igreja. Rezemos para que mais ninguém seja vítima destes abusos”, acrescenta o responsável católico.

O bispo de Coimbra, Virgílio Antunes, na mensagem dirigida aos diocesanos, expressou “solidariedade” e o pedido de perdão às vítimas de abusos sexuais, assegurando que a diocese “tudo fará” para que estas situações “não tenham lugar na Igreja”.

“Pedimos perdão a todas e a cada uma das vítimas, na esperança de que acolham a verdade dos nossos sentimentos; garantimos-lhes a nossa solidariedade e acolhimento, como contributo para ajudar a reparar os danos humanos, morais, e espirituais que persistem nas suas vidas; asseguramos que tudo faremos para que não tenham lugar na Igreja os abusos que agora conhecemos”, escreveu Virgílio Antunes na sua mensagem para a Quaresma, citada pela agência Ecclesia.

Virgílio Antunes vai mais longe e questiona: “como transmitir a fé a todos quando entramos na Quaresma marcados pela vergonha e pela dor dos abusos sexuais cometidos contra crianças no seio da nossa Igreja?”.

O bispo do Algarve, Manuel Quintas, defende que o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, divulgado na semana passada, “constitui um veemente apelo à conversão”. Para o responsável da diocese do Algarve, “ninguém pode abafar ou ignorar este grito. Trata-se de uma realidade inqualificável”.

Também o bispo de Vila Real, António Augusto Azevedo, considera que a Igreja faz o caminho quaresmal “com o coração carregado de dor e tristeza por causa das notícias dos graves abusos cometidos contra crianças”.

O bispo do Porto, Manuel Linda, alerta que “a recente publicação do relatório sobre o abuso sexual no seio da Igreja Católica veio demonstrar uma tristíssima realidade: a de que alguns padres e leigos pastoralmente empenhados cometeram crimes repugnantes, causaram imenso sofrimento às vítimas e, com o seu pecado, mancharam a face da Igreja e desacreditaram-na perante algumas parcelas da sociedade”.

*com Lusa