Vance e Walz aprofundaram bem mais os detalhes das políticas que as suas campanhas representam do que os candidatos à Presidência — Donald Trump e Kamala Harris — no seu debate de setembro. Mas com Walz a atacar Trump, o debate acabou a ser ofuscado pelo bilionário, cujo nome foi citado mais de 80 vezes, mais do que o dobro do de Kamala.

Num debate cordial, em que os dois oponentes chegaram a mostrar empatia um para com o outro, Walz passou em revista as grandes propostas da candidata democrata à presidência, Kamala Harris, e evitou atacar diretamente Vance, optando por mandar farpas a Trump.

Um dos momentos da noite, por exemplo, foi quando Walz mostrou-se chocado quando o rival se recusou a admitir que Donald Trump perdeu as eleições em 2020.

"Tim, estou focado no futuro", disse Vance, que alegou que Trump "entregou pacificamente o poder" ao deixar o cargo de Presidente, numa eleição que perdeu para Joe Biden.

"Isso é uma maldita de uma não-resposta", contestou Walz. "Estou bastante chocado com isto. Ele perdeu a eleição. Isso não está em debate", continuou, depois de perguntar diretamente a Vance se reconhecia o resultado, sem resposta positiva.

"Agentes da polícia foram espancados no Capitólio e alguns vieram a morrer", apontou Walz, lembrando que os invasores pediram a forca para o então vice-presidente Mike Pence por ter certificado a vitória do Presidente dos Estados Unidos Joe Biden. "A decisão que Mike Pence tomou é a razão pela qual não é ele quem está a debater neste palco", disse Walz.

"Foi a primeira vez que um presidente tentou subverter uma eleição justa e transição do poder", continuou, criticando a "história revisionista" que Vance estava a tentar fazer ao desvalorizar o assalto ao Capitólio.

O democrata considerou que foi "um ataque à democracia" como nunca antes visto no país e, olhando diretamente para a câmara, fez um apelo aos eleitores: "América, vocês têm aqui uma escolha muito clara. Quem vai honrar a democracia e quem vai honrar Donald Trump?".

Os temas do aborto, cuidados de saúde e imigração foram os que mais animaram o governador do Minnesota, que criticou o histórico dos republicanos nestas matérias e as propostas de Trump-Vance se vencerem.

Vance acusou os democratas de assumirem uma postura pró-aborto radical em apoio ao que classificou como "leis bárbaras". Walz rebateu dizendo que era "pró-mulher, a favor de que tomem as vossas decisões", prometendo reinstituir o direito federal ao aborto que foi revogado pelo Supremo Tribunal e entregue aos estados.

"Como é que uma nação pode dizer que a sua vida e o direito a tomar decisões sobre o seu corpo é determinado pela geografia", questionou Walz. "Somos a favor da liberdade para as mulheres", acrescentou.

O democrata criticou as tentativas de Trump de eliminar o Affordable Care Act (ACA, também conhecido como Obamacare), que permitiu a mais de 20 milhões de pessoas obterem acesso a seguros de saúde.

Quando Vance defendeu que Trump tinha melhorado o sistema, Walz rejeitou a alegação e disse que foi o senador republicano John McCain quem salvou o ACA.

"Quando Trump disse que tinha um conceito de plano para a saúde deu-me vontade de rir", disse Walz, apontando que foi Harris quem conseguiu pela primeira vez a negociação dos preços de 10 medicamentos para baixar os custos dos doentes.

Na economia, o foco do democrata foi o plano de construir três milhões de casas para combater os preços elevados das rendas e de dar um apoio de 25 mil dólares (22.600 euros) a quem quiser comprar a primeira casa.

"Esta é uma diferença filosófica. Trump deu cortes de impostos aos mais ricos. Agora está a propor um imposto de 20% sobre tudo o que importarmos", disse Walz, referindo-se às tarifas propostas pelos republicanos.

O contraste, indicou, é que os democratas "acreditam na classe média" e querem que os mais ricos "paguem a fatia justa".

Vance tentou ligar a falta de habitação acessível ao aumento da imigração ilegal, algo que Walz refutou.

A imigração foi um tema quente da noite, embora a controvérsia relativa aos migrantes em Springfield, Ohio — que Vance tinha acusado de comerem animais de estimação — tenha sido mencionada apenas de passagem.

"Resolvemos este problema com legislação", disse Walz, apontando que Trump impediu a aprovação de um pacote bipartidário que iria levar muitos mais recursos à proteção da fronteira sul e à resolução dos pedidos de asilo.

O tema, contudo, levou também a outro momento importante, quando Vance recusou-se por duas vezes a responder a uma pergunta direta sobre se a deportação em massa prometida por Trump separaria os adultos imigrantes indocumentados dos seus filhos, que poderão ser cidadãos nascidos em solo norte-americano.

O senador de 40 anos optou por criticar a política de fronteiras da atual administração de Joe Biden e Kamala Harris e defender que o país precisa de conter a imigração.

"Temos que estancar a hemorragia", disse Vance, alegando que os Estados Unidos têm uma crise de imigração porque Kamala Harris quis desfazer as políticas de Trump para as fronteiras.

Walz acusa Trump de ser instável e defende direito de Israel à defesa

O nome de Trump também surgiu quando os adversários discutiram a crise no Médio Oriente, com a primeira pergunta da noite a girar em torno do ataque iraniano com mísseis contra Israel.

"Precisamos de liderança estável", afirmou Walz, defendendo que a candidata presidencial democrata Kamala Harris garante essa estabilidade numa altura em que o conflito no Médio Oriente está a agudizar-se.

Walz disse que Israel tem o direito a defender-se e que a escalada com o Irão tem origem não só no ataque do movimento islamita palestiniano Hamas a 7 de outubro de 2023, mas também nas decisões da administração de Trump, que provocou a rutura do acordo de não-proliferação nuclear com o Irão.

"O mundo viu um Trump de quase 80 anos a falar do tamanho das multidões", apontou Walz, referindo-se ao debate presidencial de setembro. "Os seus dois secretários da Defesa disseram que Trump não devia sequer chegar perto da Casa Branca", continuou o democrata.

Em matéria de política externa e resolução de conflitos, Walz considerou que é necessário entender a importância dos aliados dos Estados Unidos. "O que vimos com Kamala Harris é liderança estável", afirmou, por oposição a um Trump que os aliados veem a aproximar-se dos líderes russo Vladimir Putin e norte-coreano Kim Jong-un.

"Os nossos aliados entendem que Donald Trump é instável", reiterou, acusando o ex-presidente de ser permeável à lisonja de líderes autoritários. "Vamos proteger as nossas forças e os nossos aliados e haverá consequências", contrapôs.

"Por mais que o governador Walz acuse Donald Trump de ser um agente do caos, Trump, na verdade, entregou estabilidade ao mundo", respondeu Vance.

Durante o debate, Walz também foi chamado a responder a uma discrepância no seu próprio currículo.

O governador do Minnesota admitiu que errou quando disse que tinha estado em Hong Kong e na China continental durante os protestos pró-democracia de maio e junho de 1989, que culminaram no massacre de Tiananmen. Ele chegou em agosto.

"Às vezes sou cabeça dura", admitiu. "Cheguei lá nesse verão e falei errado sobre isto. Estava em Hong Kong e China durante os protestos democráticos, e aí aprendi muito sobre o que significa governar", disse.

Como está a campanha?

O debate entre Walz, governador de Minnesota escolhido por Kamala Harris como o seu número dois, e Vance, senador por Ohio e companheiro de corrida de Donald Trump, pode ter sido o último da campanha eleitoral de 2024.

Trump recusou um segundo embate com Kamala, por isso o desta terça-feira em Nova Iorque na rede CBS deve ser a última possibilidade de ver um embate entre as duas candidaturas.

Vance, 40 anos, e Walz, com 60, defendem ser a verdadeira voz dos cruciais estados indecisos do Midwest, que podem decidir por alguns milhares de votos o vencedor dessas eleições, que, segundo as sondagens, seguem empatadas tecnicamente a cinco semanas das votações.

Os dois candidatos a vice são veteranos militares com credenciais sólidas de trabalhadores: Vance é conhecido por ser o autor das memórias "Lamento de Uma América em Ruínas" ("Hillbilly Elegy"), e Walz por ser um ex-professor e treinador de futebol americano.

Mas as similaridades acabam aí. Vance compartilha o vício de Trump em criar polémica, seja difamando as mulheres democratas de preferirem ter gatos ao invés de ter filhos, ou promovendo as falsas afirmações de que os imigrantes haitianos de uma cidade do Ohio comem os animais de estimação da população.

A história sugere que os debates dos candidatos à vice-presidência raramente influenciam nos resultados mas, numa campanha eleitoral na qual Kamala Harris substituiu o presidente Joe Biden em meio à corrida, o embate desta terça pode somar pontos.

Ao longo desta campanha atípica, Vance e Trump utilizaram uma retórica divisiva, o que indica um debate televisivo quente.

"Abrirá o apetite de muita gente para 5 de novembro", disse à AFP Thomas Whalen, professor associado de Ciências Sociais na Universidade de Boston.

Em visita ao Wisconsin, um dos swing states, Trump nem sequer mencionou o debate do seu companheiro de corrida, mas afirmou que se estivesse no comando do país, "o ataque contra Israel nunca teria ocorrido".

Kamala, por sua vez, reiterou o seu compromisso "inabalável" com Israel, e disse que apoia "completamente" a ordem de Biden para que o exército americano interceptasse os mísseis iranianos.

Walz e Vance foram escolhidos para atrair os votos nos estados do centro do país, onde, devido ao antigo sistema de colégios eleitorais que elege o presidente, alguns poucos milhares de votos podem definir o vencedor da eleição.

*com agências