Desde a polémica decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos em revogar uma lei que garantia a liberdade de realizar abortos no país, pelo menos 66 clínicas em 15 estados pararam de realizar o procedimento; isto numa realidade em que os outros estados não têm provedores que ofereçam abortos.
De acordo com uma análise divulgada no início deste mês pelo Instituto Guttmacher, um grupo de investigação que apoia o direito ao aborto, o número de clínicas que oferecem abortos nos 15 estados caiu de 79, antes daquela decisão do Supremo de 24 de junho, para 13 em 3 de outubro, estando todas elas localizadas no Estado da Geórgia.
A nível nacional, havia mais de 800 clínicas de aborto em 2020, aponta o instituto.
A Elevated Access, uma organização não-governamental que liga pilotos de pequenas aeronaves a quem precisa de se deslocar, de forma totalmente gratuita, por razões médicas, tem tido um importante papel em ajudar quem viu o direito ao aborto ser-lhe negado.
A organização foi lançada em abril deste ano e já conta com, pelo menos, 900 pilotos interessados em participar, oferecendo o seu tempo, trabalho e cobrindo os custos operacionais da deslocação, caso estes não sejam proprietários de uma aeronave.
No fundo, segundo escreve Alex Fitzpatrick na Axios, são "condutores de Uber": aceitam levar uma pessoa do ponto A ao ponto B sem que saibam a razão da viagem.
O facto de a viagem ser feita por via aérea permite, inclusive, levar esta ajuda a pessoas que não têm documentação, uma vez que estes pequenos aparelhos conseguem ser mais discretos que um voo comercial, uma vez que o embarque não é tão exaustivo.
O que aqui fica em risco é mesmo o piloto, uma vez que alguns estados estão a criar "cláusulas de vigilância" nas leis anti-aborto, o que, apesar de ainda não ser claro, poder visar quem promove a movimentação destas pessoas.
O relatório acima citado não inclui dados sobre hospitais e consultórios médicos que realizavam abortos e os suspenderam após a decisão do tribunal, mas Rachel Jones, investigadora do Guttmacher, explica que as clínicas fornecem a maioria dos abortos nos EUA, incluindo procedimentos e fornecimento de medicamentos para aborto.
Dados recentes do Guttmacher mostram que pouco mais da metade dos abortos nos EUA são realizados com medicação e que os estados sem provedores de aborto estão concentrados no sul.
Jeanne Corwin, que permite a realização de abortos em Indiana e Ohio, destaca que o encerramento de clínicas prejudica "a saúde física, mental e financeira das mulheres".
Em vários estados, o acesso está ameaçado porque as proibições foram suspensas apenas temporariamente por decisões judiciais, como no Indiana, Ohio e Carolina do Sul, segundo a análise.
“É precário do ponto de vista médico e certamente do ponto de vista comercial”, destaca Katie McHugh, ginecologista que realiza abortos em Indiana.
“É difícil manter as portas abertas e as luzes acesas quando não sabemos se seremos uns criminosos amanhã”, acrescentou.
A anulação pelo Supremo Tribunal da decisão sobre o processo judicial Roe v. Wade, de 1973, que garantiu a liberdade de fazer um aborto, não torna ilegais as interrupções da gravidez, mas devolve ao país a situação vigente antes do emblemático julgamento, quando cada estado era livre para autorizar ou para proibir o procedimento.
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