A organização de defesa dos direitos humanos sustenta que os Governos da Europa continuam “intencionalmente cegos” quanto aos perigos que os deportados enfrentam e, juntamente com a União Europeia (UE), estão a exercer grande pressão sobre o Afeganistão para que aceite elevados números de nacionais deportados.
De 2015 para 2016, o número de cidadãos afegãos devolvidos pela Europa ao país de origem quase triplicaram, de 3.290 para 9.460, de acordo com o relatório da Amnistia Internacional (AI), que cita estatísticas da UE.
Entretanto, em território afegão, o número de vítimas civis continuou elevado em 2016, com 11.418 pessoas mortas ou feridas, em comparação com as 11.002 registadas em 2015, segundo a Missão de Assistência da ONU no Afeganistão (UNAMA).
A AI apelou para a aplicação de uma moratória à deportação de afegãos, até que eles possam regressar com “segurança e dignidade”.
“Na sua determinação para aumentar o número de deportações, os Governos europeus estão a aplicar uma política que é indiferente e contrária à lei”, declarou Anna Shea, investigadora da Amnistia Internacional sobre direitos dos refugiados e migrantes, em comunicado.
“Intencionalmente cegos perante a evidência de que a violência está em níveis recorde e nenhuma parte do Afeganistão é segura, eles estão a pôr pessoas em risco de tortura, sequestro, morte e outros horrores”, acrescentou.
Este relatório assenta em investigação realizada entre maio e setembro de 2017 e documentou um total de 26 casos.
O Afeganistão sofreu quatro décadas de conflito violento e 16 anos de guerra que começou com a invasão norte-americana, em 2001, para aniquilar os mandantes dos atentados do 11 de Setembro, e os afegãos sentem-se frustrados com a violência sem fim à vista, bem como com a incapacidade para os manter em segurança e alcançar a paz.
Os relatórios dos serviços secretos dizem que há pelo menos 20 grupos rebeldes, incluindo grupos ligados aos talibãs e aos ‘jihadistas’ do Estado Islâmico (EI), a operar no Afeganistão, a maioria deles em áreas fronteiriças com o Paquistão.
Entre 2009 e 2016, a UNAMA estima que quase 25.000 civis foram mortos e mais de 45.000 feridos, e a violência e a degradação das condições de segurança persistiram este ano.
Em agosto, rebeldes irromperam numa mesquita xiita repleta de gente, em Cabul, durante a oração de sexta-feira, fazendo pelo menos 20 mortos e 50 feridos graves.
A 31 de maio, num dos maiores ataques da história de Cabul, mais de 150 pessoas foram mortas e 300 ficaram feridas quando uma bomba explodiu perto de várias embaixadas europeias, num dos mais seguros bairros da capital.
Muitos afegãos que abandonam o país e buscam asilo na Europa fazem-no indo para países como o Irão e a Turquia com um visto e depois atravessando o mar Mediterrâneo de barco.
Rahim, um jovem de 20 anos que os investigadores da AI conheceram em Cabul, em maio, tinha fugido para a Noruega no final de 2015, de acordo com o relatório.
“Senti-me como um ser humano na Noruega, nunca me tinha sentido assim aqui no Afeganistão”, disse aos investigadores.
Contudo, o seu pedido de asilo foi recusado e em dezembro foi deportado, tendo-lhe as autoridades norueguesas dito que ele estaria seguro se fosse viver para uma província diferente daquela em que crescera.
“Aqui, vivo com medo. Não posso estudar, não consigo arranjar um emprego e não posso ir para a minha terra”, resumiu.
Em 2016, os cinco países europeus que mais afegãos deportaram foram: Alemanha (3.440), Grécia (1.480), Suécia (1.025), Reino Unido (785) e Noruega (760), precisa-se no relatório.
A Noruega parece ser o país europeu responsável pelo maior número de afegãos deportados à força: citando autoridades afegãs, a AI indica que, de todas as deportações forçadas nos primeiros quatro meses deste ano, 32% (97 de 304 pessoas) foram daquele país do norte da Europa.
Horia Mosadiq, investigador da AI no Afeganistão, disse que tais deportações constituem uma violação do direito internacional.
“Os mesmos países europeus que outrora se comprometeram a dar apoio para um melhor futuro dos afegãos estão agora a destruir as suas esperanças e a abandoná-los num país que se tornou ainda mais perigoso desde que dele fugiram”, frisou Mosadiq.
Em resposta ao relatório, o Ministério do Interior alemão declarou que o país avalia sempre cada caso individualmente tendo em conta a situação da segurança que o deportado enfrenta.
Mas, acrescentou, “existe um consenso no Governo” de que as conclusões da Amnistia Internacional não impossibilitam a Alemanha de deportar “criminosos, pessoas que representam riscos para a segurança e pessoas que recusam liminarmente verificações da sua identidade”, como tem estado a fazer.
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