“Deixem ao menos que as pessoas percebam o que está em causa e se pronunciem, sem pressa e sem pressões. Da minha parte, gostava que a sociedade me desse meios para viver até ao fim, sem dor insuportável e acompanhada, não gostava que me oferecesse a morte antecipada como remédio eficiente. Quando esse momento chegar, cuidem de mim, não me matem”, escreveu a ex-líder centrista.
Num texto publicado na sua página na rede social Facebook, a atual vereadora do CDS-PP na Câmara de Lisboa considera que se passa “uma fronteira decisiva” quando se pensa que “a vida de cada um só a ele diz respeito”.
“Se for esse o caso, acredito que um dia, talvez daqui a muitos séculos, alguém vai olhar com distanciamento histórico para a barbárie agora iniciada e será então possível retomar o caminho do cuidado inquestionável ao outro”, salienta.
Esta é a primeira vez que Assunção Cristas se pronuncia publicamente sobre um tema que está na ordem do dia, desde que deixou a liderança do CDS-PP, no final de janeiro, quando foi eleito em congresso o novo presidente, Francisco Rodrigues dos Santos.
No texto, intitulado “Cuidem de mim, não me matem”, Cristas refere ainda não compreender “a urgência” em despenalizar a eutanásia, estranhando que “quem não se quis comprometer num programa eleitoral sufragado em outubro queira agora vedar a possibilidade de ouvir todos os portugueses sobre um tema tão estruturante”.
“Não conseguimos executar aquilo em que estamos de acordo - a universalização do acesso aos cuidados paliativos ou a execução prática de um efetivo estatuto do cuidador informal - e quer o parlamento, com rapidez, legislar sobre um tema que nem mereceu uma linha nos programas eleitorais dos partidos mais votados: Partido Socialista e Partido Social Democrata?”, questiona.
Advogando que “a vida de cada um não interessa apenas a si próprio, mas interessa a toda a sociedade”, a ex-líder democrata-cristã salienta que a “Constituição determina que a vida humana é inviolável” e assinala que no “catálogo dos direitos humanos existe o direito a viver, não existe o direito a morrer”.
“É do direito a viver com dignidade até à morte natural que temos de tratar enquanto sociedade. Tal como não faz sentido prolongar artificialmente a vida – e felizmente temos a possibilidade de dizer exatamente o que não queremos que nos façam, como sermos ligados a uma máquina – também não faz sentido antecipar a morte”, argumenta no texto.
Assim, considera que, “sob a capa do respeito pela liberdade do outro, o que se propõe é profundamente desumano, porque limita-se a proteção da vida pela sociedade em geral a um certo tipo de vida, deixando de lado quem, em virtude da doença, é mais frágil e menos capaz”.
“Nesta matéria da eutanásia não podemos chegar a uma tomada de posição esclarecida e fundada se antes não nos colocarmos uma questão prévia: queremos ser uma solidária e compassiva, uma sociedade que cuida sempre dos que mais precisam ou preferimos que cada um se feche na sua esfera de ‘liberdade’ para fazer uma ‘escolha’ definitiva quanto ao momento em que [se] quer ser morto por outro? Queremos promover a vida ou impulsionar a morte?”, observa Assunção Cristas.
A centrista identifica ainda uma “enorme perplexidade” relacionada com a “repentina reintrodução do tema da eutanásia” e que se prende com “a lentidão perante a absoluta unanimidade política que existe na necessidade de reforçar e apoiar a prestação de cuidados a todas as pessoas” e, ao mesmo tempo, com “a pressa perante a profunda divisão, numa tomada de posição definitiva”.
A Assembleia da República debate na próxima quinta-feira cinco projetos de lei para a despenalização da morte assistida, do BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal, que preveem essa possibilidade sob várias condições.
Um grupo de cidadãos está a recolher assinaturas para a realização de um referendo sobre a matéria, que tem o apoio da Igreja Católica, ao contrário do que aconteceu em 2018. Dos partidos com representação parlamentar, apenas o CDS apoia a ideia, assim como vários dirigentes do PSD.
Comentários