“Nunca tive a perceção de que eram polícias. Apesar de não desculpabilizar o que aconteceu, não tive noção. Só depois de sair de lá”, afirmou o arguido, num curto esclarecimento prestado após a conclusão do depoimento da última agente da PSP que estava no grupo do qual fazia parte a vítima.
O esclarecimento de hoje surge na sequência dos depoimentos na véspera dos agentes Leonel Moreira e Rafael Lopes, nos quais confirmaram que se tinham identificado como polícias no exterior da discoteca, perante os arguidos e Cláudio Pereira, apesar de não estarem em serviço na altura em que tudo aconteceu.
Fábio Guerra, de 26 anos, morreu em 21 de março de 2022, no Hospital de São José, em Lisboa, devido a “graves lesões cerebrais” sofridas na sequência das agressões de que foi alvo no exterior da discoteca Mome, em Alcântara, quando se encontrava fora de serviço.
O Ministério Público (MP) acusou em setembro os ex-fuzileiros Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko de um crime de homicídio qualificado, três crimes de ofensas à integridade física qualificadas e um crime de ofensas à integridade física simples no caso que culminou com a morte de Fábio Guerra.
A abrir hoje a terceira sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, a testemunha Débora Pinheiro descreveu a saída do grupo de polícias da discoteca em Alcântara na madrugada de 19 de março de 2022, explicando que primeiro saíram os colegas Leonel Moreira, Filipe Lobo, Rafael Lopes e Fábio Guerra, e que pouco depois saiu juntamente com o colega João Gonçalves.
“Eles foram em direção à confusão e falei ao meu colega [João Gonçalves] no interior da discoteca ‘Vamos, é com os nossos’”, relatou Débora Pinheiro, assumindo que, ao ver os confrontos apenas detetou os outros três agentes e não conseguiu ver Fábio Guerra, reforçando que tudo se passou numa “fração de segundos”.
Durante a sessão desta manhã foram ainda ouvidos, como testemunhas, dois amigos de Cláudio Pereira, o primeiro a ser agredido pelos arguidos Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko, ainda no interior da discoteca, agressões que continuaram no exterior e levaram aos acontecimentos que resultaram na morte de Fábio Guerra.
Falando por videoconferência, Pedro Costa contou que tinha ido para o carro descansar quando Cláudio Pereira lhe ligou a dizer que tinha sido agredido e expulso da discoteca. Ao chegar junto a ele já no exterior, recordou que o amigo, que apresentava uma “marca de sangue no nariz” estava “exaltado e agitado” e que tentou acalmá-lo, mas que este saiu na direção de Cláudio Coimbra ao ver este sair para o exterior.
“Vejo que o Cláudio [Pereira] desfere um soco no [Cláudio] Coimbra e, de repente, sem conseguir precisar, o Cláudio cai no chão e a minha única preocupação foi que ele não se levantou nos momentos seguintes. Não tinha reação alguma. Só me foquei no meu amigo e na esperança de que ele acordasse. Ele ficou inanimado”, disse, negando ter receio de falar e acrescentando que o amigo levou um soco e que duas pessoas lhe deram pontapés na cabeça.
Também Gonçalo Vieira, que fazia parte do grupo de amigos de Cláudio Pereira, relembrou os acontecimentos que antecederam as agressões, ao notar que viu o amigo ser agarrado por um segurança e ser expulso do Mome, enquanto fazia perguntas sem ter resposta e contava que tinha sido agredido. Ao sair da discoteca, Gonçalo Vieira destacou o que lhe pareceu “uma conversa familiar” entre os arguidos e os seguranças.
“Recordo-me de um sentimento de à-vontade ao saírem cá para fora, tenho a ideia de que estavam a sorrir em direção ao Cláudio Pereira. Já foi também há mais de um ano… Eu estava mais afastado e vejo o Cláudio a correr para o [Cláudio] Coimbra e o Vadym [Hrynko] a dar dois passos ao lado para lhe desferir um soco. Estava mais focado nos meus amigos e vejo o Cláudio estendido, o Pedro a protegê-lo e sete ou oito pessoas à volta”, frisou.
A manhã foi ainda marcada pela audição da inspetora da Polícia Judiciária (PJ) que liderou a investigação, Nádia Fernandes, e que acabou por originar um requerimento da defesa de Cláudio Coimbra.
O advogado Miguel Santos Pereira alegou que o tribunal, ao permitir a inquirição desta testemunha, estaria a “violar a igualdade de armas da defesa”, depois de a inquirição ao jornalista Henrique Machado ter durado menos de cinco minutos.
A defesa queria confrontar o jornalista pelo que disse na televisão após os acontecimentos, com a juíza a interromper as questões, uma vez que a testemunha não tinha estado naquela noite junto da discoteca e só deveria responder sobre os factos do processo. Após este momento, o tribunal indeferiu o requerimento e a defesa insistiu com novo recurso, apontando a nulidade da decisão.
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