Filipe Ressurreição foi um dos chefes de equipa da Paróquia de S. José do Algueirão - Mem Martins - Mercês para a Jornada Mundial da Juventude. Ao todo, eram cerca de 350 voluntários e acolheram mais de 5 mil peregrinos italianos. A tarefa não foi fácil, mas com a ajuda de todos foi possível. E foi essa união paroquial que o Papa ouviu, num discurso em Algés.

Mas como é que se chega à oportunidade de falar diretamente para o Papa Francisco? Para Filipe, tudo começou com o telemóvel a tocar. "Telefonaram-me um dia do COL [Comité Organizador Local da JMJ]. Tinham falado entre eles que queriam três jovens: um voluntário internacional, um voluntário do COL e um paroquial. E queriam descentralizar, para não ficar tudo ali em Lisboa", começa por contar ao SAPO24.

"Lembraram-se do Algueirão por ter muitos voluntários e alguém sugeriu o meu nome. E eu aceitei, claro. Como não aceitar... fiquei ali umas horas assim sem saber se tinha feito bem, mas é óbvio que não ia perder a oportunidade", confidencia.

Estar num palco a metros do pontífice já seria por si só um momento único, mas acabou por ser mais do que isso: os três voluntários que falaram para o Papa tiveram oportunidade de lhe falar. "Não sabia se o ia cumprimentar, não sabia de nada, mas pelo menos ia estar perto. Só soube uma hora antes, praticamente. Fomos mais cedo para Algés, até para evitar que pudéssemos não chegar lá, com a confusão. Esperámos e um bocado antes soubemos por uma senhora do Vaticano, que estava a coordenar o evento, o que ia acontecer".

"Ela disse-nos que, quando o vídeo terminasse, tínhamos de nos dirigir ao microfone, falar e etc. Explicou isso tudo e perguntámos se havia possibilidade de o cumprimentar. Disse que sim, e explicou como o fazer e seguimos mais ou menos aquilo que ela disse", conta a rir.

E é um "mais ou menos" porque no momento as emoções mandam. "Infelizmente eu cumpri tudo, porque não percebi que o colega voluntário que discursou antes tinha abraçado o Papa. Não era suposto, não era isso que nos tinha dito. Era só para apertar a mão. Não reparei que ele o abraçou, senão também o teria feito. A ver esse momento em casa pensei: 'Ah, também o queria ter abraçado' Mas não, ainda a segurança me agarrava", recorda com nova gargalhada.

Contudo, Filipe acabou por ter direito a mais do que um aperto de mão. "Depois era suposto voltarmos para o nosso lugar e não era para falarmos com o Papa. Só que quando lhe dou o aperto de mão ele diz-me obrigado, em português. E eu agradeci-lhe de volta e ele respondeu-me 'Deus te abençoe'. E eu agradeci-lhe de novo. Portanto falei com ele, mas porque foi ele o primeiro a falar. O que seria deixar o Santo Padre sem resposta! Não dá!", salienta.

Quanto ao discurso, o chefe de equipa garante que teve "toda a liberdade para escrever", apenas teve de seguir "três tópicos que poderia ser importante referir", mas sem qualquer "tipo de limitação, a não ser o tempo".

"Teria de ser enviado para o Vaticano, até para o Santo Padre poder elaborar a resposta com tempo. E, portanto, tive de enviar com antecedência. Depois pediram-me para reduzir, de oito para três minutos, e eu reduzi. Mas não recebi mais resposta nenhuma a não ser no encontro com os voluntários, pela boca do Papa", refere ainda.

Eis a resposta: "E por fim tu, Filipe, entre tantas coisas bonitas que partilhaste, disseste uma que quero sublinhar. Disseste que viveste aqui um duplo encontro: um encontro com Jesus e um encontro com os outros. Isto é muito importante: o encontro com Jesus é um momento pessoal, único, que só até certo ponto se pode descrever e contar, mas sempre tem lugar graças a um caminho feito com os outros, feito por meio da intercessão de outros. Encontrar Jesus e encontrá-Lo no serviço aos outros", disse o Papa Francisco no seu discurso.

Apesar de estar no palco, Filipe não ouviu nada disto. "Tenho a confessar que, no sítio onde estávamos, não conseguíamos ouvir a resposta do Papa. Foi engraçado porque, como passei a semana com italianos, como chefe de equipa, a dada altura pareceu-me que ele tinha dito 'Filipe', com sotaque italiano ou qualquer coisa desse género. Então virei-me para o Francisco, que fez o discurso antes, e questionei 'O Papa disse o meu nome?'. Ele disse que não percebeu e eu ainda disse 'Pareceu-me, mas posso ser já eu a querer ouvir coisas!'. Só no final, quando cheguei ao pé do meu grupo, é que disseram que tinha falado mesmo em mim e que tinha dito o meu nome. Depois fui ver na televisão e é de facto inexplicável. É uma coisa com que nunca tinha sequer sonhado".

"Eu preparei-me mais ou menos, fui ver o discurso das últimas jornadas, no encontro com os voluntários no Panamá, no site do Vaticano. E vi que isso podia ser possível porque já se tinha dirigido diretamente aos voluntários, então estava mais ou menos preparado para que pudesse acontecer, mas também podia não acontecer. É sempre uma sensação inexplicável quando se percebe que alguma coisa lhe chamou a atenção entre tudo o que se disse. Alguma coisa está certa, alguma coisa está bem!", afirma.

A preparação começou também no exato momento em que decidiu que ia mesmo escrever o discurso para ser lido frente ao Papa. Todavia, "não foi fácil, por várias razões". "Quando me pediram isto, pensei: 'o quê que tenho de importante para lhe dizer?'. Mas passando essa fase comecei a escrever umas coisitas e acabou por ser quase natural. Para mim, o que fazia sentido era falar da minha paróquia, porque o que senti durante toda a preparação da JMJ e durante esta semana foi uma união muito grande entre toda a gente. Portanto, queria mostrar isso, queria que o Santo Padre percebesse isso. De uma forma muito resumida, tentei explicar-lhe de que forma nos envolvemos em toda a preparação da Jornada.

Para Filipe, esta união "ultrapassou tudo" o que já tinha visto na paróquia, "em termos de entreajuda, de se estar disponível para todos a qualquer hora".

"Foi algo muito bonito de se ver e que nem sempre acontece, por vários motivos: temos os nossos grupos e estamos muito focados nisso. Foi um momento de união em que percebemos que tínhamos de estar todos juntos para superar as adversidades que acontecem e que, no dia a dia da paróquia, não se vê tanto isso. Acontece uma vez por ano, quando fazemos o COR [Curso de Orientação Religiosa], em que vemos elementos de grupos diferentes juntos no mesmo, mas depois no resto do ano cada um está nas suas coisas. Uns nas catequeses, outros nos grupos de jovens, outros nos escuteiros, outros nos acólitos. E aqui acabou por se unir tudo à volta de uma única coisa. E acho que toda a gente percebeu que só assim conseguíamos levar isto a bom porto", salienta.

Folha do discurso e credencial de acesso ao palco
Fotografia cedida por Filipe Ressurreição

Por isso, o discurso nunca podia ser sobre outro tema. "Tive sempre muito claro para mim que seria para falar da experiência enquanto comunidade. E julgo que consegui, porque o meu telemóvel não para desde o discurso", conta. "Pessoas que eu conheço de vista mas com quem nunca falei estão a agradecer-me por ter defendido e mostrado o nosso trabalho enquanto paróquia".

Agora, importa não parar. "Fomos muitos voluntários, muitas pessoas envolvidas no último ano e nesta semana da JMJ, mas o objetivo é que não se perca isso. O voluntariado é sempre preciso, não é só porque é a Jornada. Há voluntariado todo o ano e quis também ressaltar isso", remata.

O momento fica para a história, há também uma fotografia para recordar o momento e, melhor do que tudo, uma lembrança entregue pelo pontífice. "Deu-me um presente! Tenho um presente do Papa! Não sei se posso revelar o que é...", diz primeiro a rir. Mas depois revela o que recebeu. "Deu-me um terço, com o brasão dele. Está guardado religiosamente em casa, para não se perder. Por fora, na caixa, tem o brasão e o lema. Dentro, na medalha, tem Nossa Senhora com o Menino Jesus ao colo e do outro lado o brasão do Papa. Tem contas pretas, com uma cruz muito bonita", descreve. "Não estava à espera de receber um presente do Santo Padre. É lindo!".

Agora, terminada a Jornada Mundial da Juventude, é tempo de guardar recordações e recordar palavras. "A mensagem que o Papa deixou é uma das mais bonitas que eu ouvi e acho que, de uma vez por todas, tem de entrar na cabeça e no coração de toda a gente, sejam crentes ou não crentes, católicos ou não. A Igreja está aberta a todos, ponto. Se isso para nós não é uma dúvida, parece que para muita gente ainda é, porque não tentam sequer compreender, não tentam sequer ver como é. Acho que o Papa foi muito explícito ao tentar passar essa mensagem de que todos, todos, todos podemos ser 'surfistas do amor'. Acho que para mim foi essa a mensagem principal da Jornada", apontou Filipe.

E talvez a mensagem passe mesmo. "Não sei se vai demorar muito ou se não vai demorar, mas acho que as pessoas estiveram todas muito atentas. Estavam curiosas sobre o que ia ser a Jornada e puderam ver um outro lado, principalmente os portugueses. Parece-me, pelo que tenho visto nas redes sociais e nos jornais, que houve uma grande atenção aos discursos. Quando o Papa vai a outro país as pessoas ouvem só umas coisas. Quem não se interessa por isso não vai à procura, se está a dar na televisão também não liga ou apanha uma coisa ou outra. Neste caso estavam mais atentas, pela curiosidade de saber o que é a Jornada, para saber o que levava a esta enchente de que ninguém estava à espera".

De facto, a JMJ foi um mar de gente em Lisboa. Para peregrinos e voluntários, foram dias cheios — mas tudo valeu a pena. "Pensei que ia estar muito mais cansado do que estou. Foi a bênção do Papa!", remata Filipe.