“Nos próximos dias, é possível que se verifique uma conjugação circunstancial de forças na oposição para derrubar um governo minoritário incapaz, nesta fase, de fazer as concessões necessárias”, disse à Lusa Émeric Bréhier, diretor do Observatório da Vida Política da Fundação Jean-Jaurès, acrescentando que a França pode “entrar num momento político que não via desde 1958”.
Segundo o analista, “até à data, o governo de Michel Barnier, que tem uma base parlamentar muito fraca [os três grupos da maioria presidencial têm 164 deputados e a direita republicana tem 47], não conseguiu alargar a sua base de apoio”.
O Governo minoritário formado em 21 de setembro pode ser derrubado por uma moção de censura se o partido de extrema-direita União Nacional (RN, sigla em francês) se unir à oposição de esquerda, assim que o primeiro-ministro francês utilizar o artigo 49.3 (mecanismo constitucional) para aprovar o orçamento sem votação.
Se conseguir ultrapassar esta ameaça de moção de censura, Michel Barnier, o antigo negociador do Brexit para a União Europeia, completará 100 dias da sua tomada de posse do Governo francês no dia 13 de dezembro.
Com 124 deputados, a extrema-direita ofereceu um apoio tático e incerto a Barnier, impondo que este respeite “as suas linhas vermelhas” em matéria de poder de compra, segurança e imigração.
Contudo, o RN está sob ”dois tipos de pressão”: o julgamento contra os seus dirigentes, incluindo Marine Le Pen, por desvio de fundos do Parlamento Europeu para pagar a assistentes fictícios, e a pressão de alguns dos seus eleitores, que não compreendem o apoio ao atual Governo, segundo Émeric Bréhier.
O antigo deputado socialista defendeu que Barnier, cuja prioridade é reduzir o défice orçamental, optou assim por ceder na quinta-feira em relação ao orçamento, nomeadamente nas tarifas de eletricidade e pensões, “a fim de conseguir que o RN se abstenha de votar o projeto de lei da segurança social e, em seguida, o projeto de lei das finanças”.
“Com certeza, essa cedência era um dos pedidos de Le Pen”, afirmou Émeric Bréhier, defendendo que o recuo procura persuadir a extrema-direita e impedir uma ”tempestade” económica e financeira.
O orçamento, composto por dois projetos de lei (da Segurança Social e do Estado) tem de ser adotado até ao final do ano, incluindo 40 mil milhões de euros em cortes e 20 mil milhões de euros em aumentos de impostos para reduzir o défice do país para 05% do produto interno bruto (PIB), contra 05,5% em 2023 e 06,1% em 2024.
“Nunca é fácil elaborar um orçamento que responda simultaneamente às exigências de controlo do défice e, portanto, da dívida, e que mantenha as políticas essenciais para o futuro. No entanto, conseguir limitar o aumento de 60 mil milhões da despesa pública – já que é esse o objetivo que o Governo se propôs – não parece insuperável”, defendeu o politólogo.
A Comissão Europeia receia que, se não forem tomadas medidas como Barnier propôs, a dívida e o défice da segunda maior economia da Europa continuem a aumentar nos próximos anos, com sanções associadas ao incumprimento dos objetivos.
Segundo o polítologo, é necessário compromissos entre as forças políticas francesas que ”não deram qualquer prova” de o quererem, desde a nomeação de conservador Michel Barnier pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 05 de setembro, após 60 dias de impasse na sequência das eleições legislativas de julho.
Já a coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP), que se uniu para tentar derrubar a extrema-direita, opõe-se a Michel Barnier desde a sua nomeação, por alegar ser vencedora nas legislativas que deram origem a uma Assembleia Nacional muito fragmentada.
No entanto, a esquerda apresenta uma fragilidade com as tensões “muito fortes” entre os deputados socialistas e os deputados da França Insubmissa (LFI), nomeadamente com o projeto de lei que revoga as duas últimas reformas das pensões, incluindo a do Presidente François Hollande (socialista eleito entre 2012–2017).
“A preparação das eleições municipais de março de 2026 e a perspetiva das próximas eleições do Partido Socialista, na primavera do próximo ano, aumentam estas tensões e os grupos de esquerda ainda não demonstraram a sua capacidade de alargar a sua base parlamentar”, defendeu Émeric Bréhier.
Na quarta-feira, a porta-voz do Governo, Maud Bregeon, tentou dissuadir o Partido Socialista de votar uma moção de censura, recordando a “responsabilidade sem precedentes” enquanto partido anteriormente no poder e instando-o a “livrar-se das ligações” ao LFI.
Além disso, Maud Bregeon afirmou que a esquerda e a extrema-direita, ao derrubarem o governo, ”terão de assumir a responsabilidade por um enfraquecimento duradouro” da França a nível internacional, prevendo riscos nos mercados financeiros, que afetarão também a estabilidade da zona euro.
Na segunda-feira, ocorre a votação do orçamento da segurança social e se Barnier utilizar o artigo 49.3, os deputados franceses terão 48 horas para apresentar uma moção de censura, que uma vez apresentada deve ser votada no prazo de três dias.
Se a Assembleia Nacional aprovar uma moção de censura (ou seja, se pelo menos 289 dos 577 deputados da Assembleia Nacional votarem a favor), “o primeiro-ministro deverá automaticamente apresentar a sua demissão ao Presidente da República”, disse Émeric Bréhier.
Macron poderá então “optar por reconduzir Michel Barnier” ao cargo, “escolher outra figura política mais suscetível de alargar a base maioritária” ou ainda nomear alguém para chefiar um governo técnico, já que “não pode decidir dissolver a Assembleia Nacional, pelo menos, até julho” de acordo com a Constituição, referiu o politólogo.
Para Émeric Bréhier, o Presidente francês está “singularmente inibido” na crise política, já que muitos dos deputados da sua antiga maioria “não compreenderam a sua decisão de dissolver o governo” e já se preparam para as presidenciais previstas para 2027.
De acordo com uma sondagem do instituto Elabe em novembro, a popularidade de Macron está no nível mais baixo desde a sua eleição em 2017 e 63% dos franceses são a favor da sua demissão se o governo de Barnier cair, embora o Presidente não demonstre essa intenção.
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