No passado mês de agosto, num discurso dirigido a jovens católicos russos, Francisco enalteceu a herança da “Grande Mãe Rússia”.

“Vós sois os filhos da grande Rússia, dos grandes santos, dos reis, de Pedro o Grande, de Catarina II, de um povo russo de grande cultura e de grande humanidade”, declarou o Papa, falando por videoconferência a um grupo de jovens crentes reunidos numa igreja de São Petersburgo.

As palavras causaram polémica na altura — que ainda continua.

Como reagiu o Vaticano após as palavras do Papa? 

Dias após as declarações de Francisco, o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, assegurou que os comentários “espontâneos” do líder da Igreja Católica tinham como objetivo “encorajar os jovens a preservar e promover o que há de positivo no grande património cultural e espiritual da Rússia”.

“Não se destinavam certamente a glorificar as lógicas imperiais” passadas ou presentes da história russa, sublinhou.

De recordar, que Francisco apela regularmente para a paz na Ucrânia, apesar de, nos primeiros meses que se seguiram à invasão russa de fevereiro de 2022, ter sido criticado por não ter apontado Moscovo como o agressor.

E a Ucrânia?

Na altura do discurso, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Oleg Nikolenko, considerou a linguagem do Papa “muito infeliz”.

“É com este tipo de propaganda imperialista, assente em ‘pilares espirituais’ e em nome da ‘necessidade’ de salvar a ‘grande mãe Rússia’, que o Kremlin (Presidência russa) justifica o assassínio de milhares de ucranianos e a destruição de centenas de cidades e aldeias ucranianas”, reagiu.

Os dias foram passando e, no dia de hoje, o principal conselheiro da Presidência ucraniana considerou que o Papa Francisco não pode mediar o conflito na Ucrânia por ser “pró-russo”, após o pontífice ter mencionado a “Grande Mãe Rússia” e a respetiva herança cultural no seu discurso.

Durante uma polémica entrevista a Oksana Kharkovska da estação televisiva ucraniana Canal 24 – divulgada pelo ‘site’ noticioso do Vaticano Il Sismógrafo — Mykhailo Podolyak garantiu que “o Papa não pode desempenhar um papel de mediação, porque é pró-russo e não é credível", afirmou o conselheiro.

Na mesma entrevista, Podolyak também insinuou a existência de investimentos russos no Instituto para as Obras de Religião (IOR), mais conhecido como o Banco do Vaticano.

O Papa voltou a falar sobre as declarações aos jovens russos?

Sim. Na passada segunda-feira, a bordo do avião papal e no regresso a Roma após uma visita à Mongólia, Francisco justificou que não elogiou o imperialismo russo, mas exortou “a conservar a herança” e “a transmissão da cultura russa”.

“Num diálogo com jovens russos emiti no final uma mensagem que repito sempre: que cuidem da sua herança. É o mesmo que digo em todos os lugares, a necessidade de diálogo entre avós e netos. Esta era a mensagem”, esclareceu na ocasião.

O Papa acrescentou que se referiu à “Grande Rússia” para sublinhar a sua mensagem, porque “a herança russa é muito boa e muito bela e basta pensar no campo da literatura, da música, até chegar ao escritor Fiodor Dostoievski” que aborda o humanismo.

Francisco reconheceu que a terceira parte da sua alocução, na qual reiterou o discurso da herança, “talvez não tenha sido muito feliz”, mas indicou que “não era uma referência ao plano geográfico mas antes cultural”.

“Disse-o porque foi o que estudei no colégio”, acrescentou. “Queria dizer que têm de herdar a sua cultura, que não se pode comprar num outro lugar, e que a cultura russa é belíssima e profunda e não ficará congelada apesar de a Rússia ter registado momentos obscuros”, sublinhou.

O Papa frisou ainda que não pensava em “imperialismo”, pelo facto de “existirem imperialismos que querem impor a sua própria ideologia e quando a cultura é destilada e se transforma em ideologia que se converte em veneno”.

*Com Lusa