
Os hospitais têm comunicado esses casos ao Centro de Informação Antivenenos (CIAV) do INEM, que desde 2020 registou 21 situações, a maioria envolvendo rapazes entre os 20 e os 29 anos, disse à agência Lusa a coordenadora do CIAV, Fátima Rato.
Em 2020, foram registados três casos, quatro em 2021, um em 2022. Em 2023 não foi registada nenhum, e, em 2024, oito. Nos primeiros dois meses deste ano, já foram registadas cinco intoxicações por este gás.
O caso mais grave aconteceu em 2024: Um jovem de 29 anos que ficou com dificuldades respiratórias, após ter inalado "uma dose mais elevada” deste gás.
“Ficou em coma e teve que ser hospitalizado numa unidade de cuidados intensivos", contou a médica do INEM.
A neuropediatra Rita Silva do hospital pediátrico Dona Estefânia, em Lisboa, relatou que o hospital tem acompanhado “um ou outro caso”, mas tem conhecimento de vários, como no Hospital Garcia de Orta, em Almada.
“Nem há duas semanas tivemos um jovem adolescente que já tinha vindo ao serviço de urgência e depois regressou com um quadro muito grave de falta de força, desequilíbrio e alterações de sensibilidade dos membros, a ponto de ser para ele difícil andar sem apoio, por consumo de óxido nitroso”, contou Rita Silva.
O adolescente, entre 15 e 16 anos, será agora submetido a “um programa intensivo de reabilitação”.
A especialista explicou que os jovens consomem óxido nitroso de forma recreativa e esporádica, mas alertou que o uso de “forma mais continuada” diminui os níveis da vitamina B12, fundamental à formação da bainha de mielina que envolve os nervos.
“Quando a mielina está deficitária, não é feita a transmissão correta do impulso nervoso e isso pode dar alterações do sistema nervoso central”, como perda de memória, confusão mental, alucinações.
Rita Silva explicou que o gás provoca "alterações da perceção do espaço e do tempo”, criando um efeito dissociativo da realidade, com sensações de euforia que duram “30 a 60 segundos”, que é o pretendido pelos jovens.
O uso continuado do “gás do riso” também pode causar danos a nível periférico dos nervos e dos músculos, resultando em “falta de força nos membros" e alterações graves de coordenação e do equilíbrio.
“Chegam a andar com o que chamamos de ataxia, parecem bêbados, e têm alterações de sensibilidade”, como formigueiros ou mesmo não sentir os membros”, disse a especialista, alertando para a importância de detetar e tratar precocemente estas situações, caso contrário as sequelas podem ser irreversíveis.
“Se for um consumo pesado ou crónico, sabemos que pode ter consequências orgânicas que, mesmo sob tratamento, podem vir a ser irreversíveis”, acrescentou Margarida Alcafache, pediatra na Unidade de Adolescentes da ULS São José, no Hospital Dona Estefânia.
Margarida Alcafache alertou também para as consequências deste consumo a nível pulmonar, mas sublinhou que “a toxicidade neurológica” será “a mais preocupante, a mais grave.
Apontou que há relatos no estrangeiro de mortes por asfixia, na sequência de inalarem o óxido nitroso, usando sacos de plástico na cabeça.
Desde abril de 2021 que o consumo deste produto preocupa a PSP, que emitiu um alerta para serem reforçadas as medidas de fiscalização de venda e o consumo deste gás, incluído em 2022 na lista de novas substâncias psicoativas.
Em 2022, a PSP fez 173 apreensões de óxido nitroso (botijas ou balões), 69 em 2023 e 152 no ano passado.
As botijas também são de fácil acesso através das redes sociais ou na internet, bem como em estabelecimentos comerciais.
“Este gás, inodoro e incolor, tornou-se uma droga popular em festas e em contexto de diversão noturna. Pode ser inalado através de balões ou cartuchos vendidos para culinária, como os encontrados nos recipientes de chantilly”, refere a PSP, alertando igualmente para os riscos do seu uso.
O Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) tem acompanhado de perto a evolução destes consumos: “Está mais circunscrito ao contexto recreativo, com consumos mais pontuais e com menor severidade. No entanto, é, obviamente, um comportamento que nos preocupa e ao qual temos dado atenção”, disse Andreia Ribeiro.
A psicóloga do ICAD realçou que a “baixa perceção do risco” entre os jovens leva-os a exporem-se a esse comportamento, sem consciência das suas possíveis consequências, enaltecendo a importância do trabalho preventivo em meio escolar e universitário.
Especialistas alertam para perigos
Conhecido como “gás do riso”, o óxido nitroso tem sido associado a vários problemas de saúde, incluindo envenenamentos, queimaduras e lesões pulmonares e, em alguns casos de exposição prolongada, lesões neurológicas.
Pediatra na Unidade de Adolescentes da Unidade Local de Saúde São José, no Hospital Dona Estefânia, Margarida Alcafache salientou que é preciso sensibilizar para os riscos desta prática, para que “os jovens não passem entre si a ideia de é um consumo inócuo”.
Também é importante alertar os pais para a existência do consumo do gás nitroso que, segundo um relatório do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, tem registado nos últimos anos uma crescente utilização pelos jovens em contexto recreativo.
“Eu acho que a maior parte dos pais em Portugal não têm noção de que existe o uso desta droga de forma recreativa” e, por parte dos jovens, “há uma ausência de noção do que realmente estão a fazer”, salientou.
Para Margarida Alcafache, o consumo do “gás do riso” parece ser algo que virou moda, além de ser “barato, de fácil acesso e com a ideia entre os jovens de que não tem consequências”.
“A mensagem importante a passar é que claramente tem consequências, nomeadamente em jovens que estão em desenvolvimento”, salientou, defendendo que devia haver mais controlo sobre a venda desta substância psicoativa que é proibida em Portugal, mas é fácil de comprar através da internet, em lojas de conveniência e em supermercados.
“Fiz pesquisas no TikTok (…) e encontrei vídeos de jovens dentro de carros a inalar óxido nitroso e a ser partilhado nas redes sociais como se fosse uma coisa super legal”, lamentou.
Tito de Morais, cofundador do projeto Agarrados à Net, disse que o consumo deste tipo de substâncias resulta, muitas vezes, de “desafios virais perigosos em que os miúdos se desafiam uns aos outros para se filmarem a consumir”.
Observou que há vídeos, por exemplo, no YouTube para crianças e adolescentes a explicar os riscos de “dar no balão”, mas há outros em que jovens se mostram a inalar o óxido nitroso e a filmar os seus efeitos.
“Muitas vezes isso cria cadeias de miúdos que veem isso, acham piada e depois querem fazer a mesma coisa. Não têm é a noção das consequências que daí podem resultar”, advertiu.
Daí a necessidade dos pais estarem sensibilizados para os riscos que os filhos correm e falarem com eles para prevenir estas situações, assim como as escolas que devem apostar na formação e sensibilização dos jovens.
A neuropediatra do Hospital Dona Estefânia Rita Silva defendeu que os pais devem estar alerta se os filhos se queixarem de “formigueiro ou notarem que estão com dificuldade em andar, desequilibrados”.
“Os jovens não consomem ao lado dos pais. Habitualmente consomem uns com os outros, em festas, festivais”, mas quando se torna “quase uma dependência” arranjam forma de o fazer sozinhos para ter a “sensação de euforia” provocada por este gás quando o inalam, recorrendo a latas, como de ‘chantilly’, ou balões com o produto no seu interior.
Rita Silva relatou que “há miúdos com um risco mais elevado” de dependência deste tipo de substâncias, nomeadamente jovens com “insucesso escolar, com determinadas perturbações de saúde mental, que estão mais ansiosos, ou deprimidos, ou descontentes com a escola”.
“São miúdos em que isto é mais apetecível quando a realidade não é tão boa assim e estar por um bocadinho fora dela é bom”, comentou.
A psicóloga Andreia Ribeiro, do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), contou, por seu turno, que acompanhou um jovem que teve de ficar internado com lesões pulmonares devido a um consumo mais intensivo de óxido nitroso.
Alertou também para um conjunto de alterações comportamentais dos jovens ao nível do humor, da capacidade de cumprimento de tarefas, da relação interpessoal a que os pais devem estar atentos.
"Há até reporte de alguma possibilidade de asfixia acidental, pelo tipo de consumo e da inalação que é feita, mas, felizmente, é muito rara e, portanto, pouco frequente o risco de morte, embora, esta desorientação pode muitas vezes estar na origem de acidentes que podem combinar com efeitos mais graves e até mais letais", alertou.
Andreia Ribeiro salientou que o ICAD dispõe de respostas a nível nacional de apoio individual que devem ser divulgadas para que “os jovens tenham um acesso mais direto quando precisam de ajuda e quando começam a ter já algumas complicações relacionadas com a utilização desta substância e de outras”.
*Por Helena Neves, da agência Lusa
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