O julgamento, que começou no dia 2 de setembro, em Avignon, contra o ex-marido de Gisèle Pelicot, comoveu a França, e a sua decisão de manter o julgamento de portas abertas converteu-a num símbolo contra a violência sexual.
"Desde que cheguei a esta sala de audiências que me sinto humilhada. Acusaram-me de ser alcoólatra, disseram que eu estava embriagada e fui cúmplice" de Dominique Pelicot, o seu ex-marido e principal acusado no processo, afirmou a mulher no tribunal.
"É tão humilhante e degradante ouvir isso", disse Gisèle Pelicot. "Eu encontrava-me num estado de coma e os vídeos que serão mostrados atestam isso. Os peritos chocaram-se com estes vídeos, e são homens", acrescentou.
Os outros homens "não questionaram-se (sobre consentimento)? O que são estes homens, são degenerados ou o que?", revoltou-se a mulher de 72 anos, que terá sofrido cerca de 200 violações, 92 deles cometidas por 50 corréus, julgados desde 2 de setembro, juntamente com o seu ex-marido.
"Nem por um segundo dei o meu consentimento ao senhor Pelicot, nem a estes homens", reiterou a mulher, que foi casada por 50 anos com o principal acusado e recentemente conseguiu o divórcio.
"Não existe algo como 'há violações e violações'. Uma violação é uma violação", afirmou Pelicot, referindo-se às palavras de um advogado que pareceu relativizar a verdadeira intenção de alguns dos acusados, muitos dos quais dizem acreditar que participavam num jogo sexual com um casal promíscuo.
"Expliquei que havia violação num sentido mediático e jurídico. Lamento se o que disse a magoou ou chocou. Não era a minha intenção. A minha intenção era lembrar as regras do direito", respondeu o advogado Guillaume De Palma.
Na audiência desta quarta-feira, foram mostradas pela primeira vez fotografias dos atos cometidos contra Gisèle Pelicot entre 2011 e 2020 a pedido dos advogados de defesa.
Pela manhã, assim como fez Dominique Pelicot na véspera, o primeiro dos 50 corréus, Jean-Pierre M., de 63 anos, admitiu ser um "violador".
Ele é o único que não está a ser processado por agredir sexualmente Gisèle Pelicot, mas a sua própria esposa, imitando o mesmo cenário criminoso idealizado por Dominique Pelicot.
"Amo a minha mulher (...) Estou na prisão e mereço isso. Fiz coisas repugnantes. Sou um criminoso e um violador", admitiu este ex-funcionário de uma cooperativa. "O que fiz é chocante, quero uma punição severa", acrescentou.
O homem é acusado de ter drogado a sua mulher entre 2015 e 2018 com ansiolíticos fornecidos por Pelicot, de violentá-la e permitir que este último também abusasse dela.
Dominique Pelicot propôs-lhe inicialmente que "violentasse" a sua esposa, Gisèle, "várias vezes". Mas "neguei-me a isso", assegurou Jean-Pierre M.
À pergunta de se o principal acusado teria dito que Gisèle estaria "drogada e procurava um homem para a sua esposa adormecida e medicada", Jean-Pierre M. respondeu afirmativamente, minando um argumento habitualmente usado pelos advogados de defesa de que os seus clientes não foram informados deste procedimento.
Jean-Pierre M. também contou detalhes das vezes em que, quando criança, teve de praticar sexo oral no seu pai para que ele e a sua irmã pudessem acompanhá-lo ao ir pescar, além das cenas de violação do seu pai contra sua a mãe que teve de presenciar.
O julgamento tornou-se um símbolo do uso de drogas para cometer agressões sexuais, uma prática conhecida como submissão química, e relançou na França o debate sobre o tema do consentimento.
Desde o início do processo, ativistas e associações feministas voltaram a pedir aos homens que "assumam, por fim, a sua responsabilidade" na luta contra a violência de género e "parem de ficar em silêncio".
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