“A nossa experiência mostra-nos que eles podem ocorrer praticamente em todo o lado. Nas regiões do Centro e Norte de Portugal, onde a topografia é mais complexa e a vegetação é mais propícia a incêndios, é mais provável, mas já temos visto grandes incêndios em regiões onde, à partida, não se esperava”, avisou o investigador da Universidade de Coimbra.
Reconhecendo que o país aprendeu algumas lições com os fogos de 2017, nos quais morreram 114 pessoas, o especialista que integrou o Observatório Técnico Independente e coordenou os estudos pedidos pelo Governo sobre aqueles incêndios considera, contudo, que não tem sido “suficiente”, adivinhando-se “um longo que caminho a percorrer”.
“Do ponto de vista científico, estudá-los e compreendê-los melhor. Depois, naturalmente, preparar a comunidade operacional para o enfrentar – sobretudo para o fazer com segurança — e, por fim, prevenir e sensibilizar a população para, na sua ocorrência, evitar situações de pânico e tentativas de fuga à última hora como aconteceu em Pedrógão Grande e que causou perda de vidas”, defendeu.
O incêndio de Pedrógão Grande, que deflagrou em 17 de junho de 2017 e depois se propagou a concelhos vizinhos, fez pelo menos 64 mortos diretos, mais de 250 feridos e cerca de 500 milhões de euros de prejuízos, tendo sido extinto apenas uma semana depois.
Dos 64 mortos contabilizados oficialmente, 47 morreram na Estrada Nacional 236, a fugir ao fogo. A devastação terá atingido aproximadamente 500 casas, 169 das quais de primeira habitação, e afetado quase 50 empresas e o emprego de 372 pessoas.
Quatro meses depois, em 15 de outubro, já depois da chamada época crítica de incêndios, registou-se o pior dia do ano em número de fogos, com mais de 500, tendo as chamas atingido particularmente 27 concelhos da região Centro e provocado 51 mortos. Neste caso, mais de um terço das vítimas mortais morreu em casa, tendo muitas delas sido surpreendidas pelo fogo enquanto dormiam.
No esforço de compreender melhor fenómenos como o que sucedeu em Pedrógão Grande, o Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEIF) da Universidade de Coimbra (UC) está a construir um túnel térmico, cuja montagem, adiantou o seu coordenador, Xavier Viegas, está em fase adiantada.
“Esperamos fazer testes ainda no final deste mês. Estamos muito esperançados que vai ser um equipamento que vai permitir estudar processos [nomeadamente os grandes incêndios] que ainda são mal compreendidos pela comunidade científica e também pela comunidade operacional exatamente sobre o papel da estabilidade vertical da atmosfera na propagação do fogo”, explicou.
É convicção do investigador da UC que a importância dada ao papel desempenhado pela atmosfera é “exagerada”, na medida em que – principalmente nos grandes incêndios – há, por vezes, o “desenvolvimento de uma convecção muito forte – produzida pelo fogo – e que, eventualmente, se houver uma atmosfera instável pode potenciá-lo”.
Com este equipamento, o especialista em incêndios florestais espera, não apenas compreender aspetos fundamentais do comportamento do fogo, mas também contribuir para a formação de bombeiros e agentes de proteção civil para o combate aos grandes incêndios, como o que deflagrou no ano passado no Parque Natural da Serra da Estrela e que lavrou entre 05 e 23 de agosto.
Classificado como o 6.º maior ocorrido em Portugal, desde que há registos, o fogo atingiu 22 freguesias, seis concelhos, tendo consumido um total de 22 hectares no Parque Natural da Serra da Estrela.
Naquele incêndio, que “felizmente” não teve as proporções que se observou em Pedrógão, tal como em outros ocorridos o ano passado, explica Xavier Viegas, foi possível identificar “situações de encontro de frentes que produziram uma aceleração muito grande”, como é exemplo, do fogo em julho de 2022, em Murça, onde um homem e uma mulher, com cerca de 70 anos, morreram, quando tentavam fugir de carro do fogo.
“O acidente foi precedido de um encontro de duas frentes de incêndio que levou a que o fogo se propagasse muito rapidamente. Na Serra da Estrela a mesma coisa”, indicou, sublinhando que “nem sempre a interação com atmosfera tem um papel fundamental”, como aconteceu em Pedrógão, onde a trovoada influenciou o comportamento do fogo.
Comentários