Os subscritores desta "declaração de tomada de posição", apresentada hoje publicamente em Luanda, dizem-se "indignados" com os acontecimentos do mês passado em Portugal, em Vale de Chícharos, conhecido como bairro da Jamaica, e com as "declarações de xenofobia que daí advieram".
Os signatários, onde se incluem ativistas do grupo 15+2, que contestavam o Governo angolano de José Eduardo dos Santos e que foram condenados em 2016 por rebelião e associação de malfeitores, defendem que Angola "exija do Estado português a responsabilização civil e criminal dos cidadãos portugueses promotores de declarações racistas".
Se o Estado angolano "se mantiver impávido", este grupo promete "uma série de manifestações diante da Embaixada de Portugal em Angola e do Consulado de Portugal em Benguela", assim como "uma campanha nacional de boicote a tudo quanto é produto de origem portuguesa" e outras medidas posteriores visando os portugueses que vivem no país, que serão explicadas "em momento oportuno", disse à Lusa Nuno Dala, um dos integrantes do processo 15+2, que afirmou ser "contra violência".
"Naturalmente que há muita apreensão, há uma espécie até de medo generalizado, mas estamos a agir ponto a ponto. E note bem, desde que se deram os acontecimentos no Seixal, no bairro da Jamaica, já decorreram vários dias, já estamos a falar de aproximadamente um mês, e em Angola não se conhece nenhuma situação irracional, violenta", disse Nuno Álvaro Dala.
"Por enquanto, queremos garantir que não somos cegos, não somos violentos", disse.
Afonso Matias "Mbanza Hanza", subscritor da declaração, disse estar "indignado" com o "estranho silêncio" do Estado angolano.
"Desde já não é certo, tem de se condenar e averiguar por que é que a PSP chegou a esse ponto, esse pronunciamento deveria acontecer, porque é estranho que o Estado angolano não se pronuncie e o pronunciamento do consulado angolano em Portugal foi uma vergonha", afirmou.
Dito Dali, que se manifesta "solidário" com os habitantes do bairro da Jamaica, sublinhou que este grupo tomou uma posição tendo em conta o "silêncio do Estado angolano que lhe é característico diante certo tipo de situações".
"Não podemos aceitar que diante da brutalidade que os nossos irmãos passam todos os dias em Portugal o Estado angolano se remeta pura e simplesmente ao silêncio em sinal de alguma cumplicidade", afirmou.
O Governo de Angola apelou a 25 de janeiro à população a abster-se de participar em qualquer iniciativa que coloque em causa a ordem e tranquilidade pública, na sequência dos acontecimentos registados com cidadãos angolanos no bairro da Jamaica.
Num comunicado, o Ministério do Interior de Angola relacionou o apelo com o facto de estar a "acompanhar, com alguma preocupação", diversos "pronunciamentos de vários cidadãos nacionais e estrangeiros" após os desacatos naquele bairro do Seixal.
"Considerando que alguns destes pronunciamentos incitam e instigam a desordem e a violência, o que é punível pela lei penal angolana, o Ministério do Interior apela à população a abster-se de participar em quaisquer iniciativas que possam colocar em causa a ordem e a tranquilidade públicas, a integridade física dos cidadãos nacionais ou estrangeiros, bem como a propriedade privada, tornando público que os seus órgãos não permitirão que a ordem social seja subvertida", lê-se no documento.
No comunicado, o Ministério do Interior angolano aconselhou todos os cidadãos a aguardarem "com serenidade" os resultados do inquérito mandado instaurar pelas autoridades portuguesas e adianta que as estruturas competentes do Governo de Angola estão a acompanhar a questão.
Em 20 de janeiro, a polícia foi chamada a Vale de Chícharos (conhecido como Bairro da Jamaica) após ter sido alertada para "uma desordem entre duas mulheres".
Segundo a PSP, um grupo de homens reagiu à intervenção dos agentes da polícia quando estes chegaram ao local, atirando pedras. Do incidente resultaram feridos, sem gravidade, cinco civis e um agente.
Posteriormente foi convocada uma manifestação contra a violência policial, em frente ao Ministério da Administração Interna, que resultou também em incidentes entre participantes e a polícia.
Moradores do bairro, no distrito de Setúbal, têm afirmado que a polícia abusou da força, referindo também não terem participado em manifestações.
O Ministério Público e a PSP abriram inquéritos aos incidentes no Bairro da Jamaica.
O bairro começou a formar-se na década de 1990, quando populações que vinham dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) começaram a fixar-se em prédios e torres inacabados, fazendo puxadas ilegais de luz, água e gás.
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