“Acredito que posso estar orgulhoso de que, com todas as dificuldades e problemas que foram conhecidos, foi possível manter uma relação funcional com os Estados Unidos em relação ao núcleo de atividades mais importantes das Nações Unidas”, declarou António Guterres, numa entrevista virtual, transmitida ao vivo pelo jornal Washington Post.

O colunista David Ignatius questionou António Guterres sobre a sua opinião do trabalho desenvolvido nos últimos quatro anos “num período em que um membro e apoiante importante [Estados Unidos] esteve ausente”.

Guterres acrescentou que os Estados Unidos se retiraram de importantes plataformas de cooperação internacional em várias áreas, como o Acordo de Paris para as alterações climáticas ou a Organização Mundial da Saúde (OMS), mas que “no núcleo das atividades da ONU, os Estados Unidos permaneceram presentes” e foram nutridas “todas as formas de cooperação possíveis”.

“Estivemos em contacto próximo e tentámos trabalhar juntos para fazer as coisas acontecer de forma positiva, seja sobre o Iémen, Líbia ou no Médio Oriente, com um diálogo ativo”, disse António Guterres.

O secretário-geral da organização elogiou o trabalho das representantes dos Estados Unidos junto da ONU Nikki Haley (de janeiro de 2017 a dezembro de 2018) e Kelly Craft (de setembro de 2019 a janeiro de 2021), por “contribuições extremamente positivas para preservar e manter a relação, mesmo em áreas em que não houve um acordo fácil”.

António Guterres pediu “envolvimento ativo” dos Estados Unidos nas atividades da ONU para enfrentar “as crises mais sérias atuais” em todo o mundo, como a crise no Iémen, Líbia, Síria, Médio Oriente ou Golfo Pérsico.

Alterações climáticas, a agenda do Desenvolvimento Sustentável, uma arquitetura financeira internacional mais justa, a defesa dos direitos humanos ou a saúde pública são algumas das prioridades em que a ONU pede mais apoio dos Estados Unidos, disse hoje o secretário-geral, com expectativas de que a atual administração de Joe Biden “seja mais ativa”.

Em particular, António Guterres mantém-se contra a designação do movimento Huthi, dos rebeldes iemenitas, como organização terrorista pelos Estados Unidos, que entrou em vigor a 16 de janeiro deste ano, após uma decisão anunciada por Donald Trump dez dias antes do final do seu mandato.

Esta designação de huthis como organização terrorista, que a ONU pede que seja revertida, pode significar que o “apoio humanitário ao Iémen pode ser dramaticamente afetado”, disse António Guterres, sendo que instituições financeiras internacionais e outras organizações vão recusar envolver-se, por ter medo de represálias dos parceiros norte-americanos.

Para o secretário-geral da ONU, esta designação imposta pelos Estados Unidos pode trazer mais obstáculos de distribuição de ajuda ao Iémen, “um país que está à margem da morte por fome e numa situação muito dramática, com combinação de todos os factos possíveis: covid-19, pragas de gafanhotos, seca, impactos das alterações climáticas”.

António Guterres pediu também uma abordagem multilateral para encontrar um “terreno comum” na proteção dos dados pela internet e segurança no ciberespaço, com a participação de Estados, companhias, investigadores e sociedade civil juntos.

“Precisamos de mecanismos mais flexíveis e mais ajustáveis baseados num diálogo sério, que estabelecem linhas vermelhas e estabelecem um plano de ‘bons costumes’ e, eventualmente, um número de protocolos, com capacidade para serem adaptados com o passar do tempo”, defendeu.

“É provavelmente difícil aprovar convenções internacionais com um estilo antigo para estas novas tecnologias, que se alteram tão rapidamente” refletiu António Guterres, defendendo o trabalho em novas plataformas com a interação de várias partes, ao contrário de “entidades com regras rígidas”.