Maria Zulmira Marques, esposa de Manuel Ferreira Marques, um dos seis homens que ocuparam a casa na Rua Delfim Maia, e se tornou no grupo fundador do Núcleo Regional do Norte da Associação do Porto de Paralisia Cerebral (APPC), desvendou à Lusa as memórias de uma ocupação bem-sucedida do espaço que se transformou no primeiro apoio no Norte do país.
Pouco tempo depois da “Revolução dos cravos”, em meados de maio, uma informação de que a casa tinha passado para a posse da Câmara do Porto fez com que o grupo de pais fosse à autarquia perguntar pela situação do palacete, contou Maria Zulmira Marques.
“Nessa conversa, não me recordo com quem, receberam uma cópia da chave da casa e também a informação de que havia sido dada outra cópia a um grupo político e que o primeiro a chegar ocuparia o espaço”, lembrou, acrescentando que “eles foram a correr até à Rua Delfim Maia para serem os primeiros a chegar à casa”.
Conseguido o objetivo, “um dos pais dormiu as noites seguintes na casa para evitar que alguém chegasse e a ocupasse, mas a verdade é que não apareceu ninguém”, recordou.
E se a “ousadia fez muita diferença para quem não tinha nada”, num tempo em que só havia consultas em Lisboa ou em Madrid, em Espanha, ultrapassada a parte burocrática, em 03 de junho de 1974 nasceu no Porto o apoio, integrado, para as pessoas com paralisia cerebral, contou Maria Zulmira Marques.
Os apoios financeiros vieram também da Fundação Calouste Gulbenkian, com dinheiro para instalar um elevador, adaptar a casa e a comprar mobiliário.
Quando em 1986 Joaquim Faias chegou para trabalhar no Centro de Reabilitação, ainda na sede, encontrou “uma equipa super motivada, pioneira na integração da pessoa com paralisia cerebral na comunidade e, em particular, no sistema educativo da criança com paralisia cerebral”, disse.
Integrado como terapeuta ocupacional, nos anos 80 já “defendia a aplicação das tecnologias de informação/computadores”, mantendo-se na instituição até 2001, disse.
“Havia um trabalho muito virado para o desenvolvimento da criança com paralisia cerebral, para as diferentes atividades do seu dia a dia”, relatou à Lusa de um trabalho que aplicou também “um toque nacional”, apesar da “grande influência da escola inglesa de abordagem à paralisia cerebral”.
Contando que o âmbito de atuação ia desde o “norte de Aveiro até Bragança, as equipas eram divididas por áreas geográficas, desenvolvendo um trabalho de muita proximidade com as escolas, famílias, instituições, autarquias, tudo construído ao longo dos anos”, relatou.
Abílio Cunha, aos 60 anos, é o atual presidente da APPC, onde entrou com 13 anos, e conversou com a Lusa na Villa Urbana, em Gondomar, o último dos grandes projetos da APPC, que “nasceu de um sonho dos pais, alguns fundadores, para encontrar solução de habitação para os filhos quando a retaguarda falhasse”, passando a residir ali em habitações individuais a partir de 28 de novembro de 2003.
“É um edifício aberto à comunidade, reunindo aos serviços para a deficiência o ATL, um jardim de infância e um centro comunitário”, descreveu o dirigente da associação.
No total, contabilizou Abílio Cunha, a APPC “apoia atualmente 3.500 pessoas, das quais dois terços, no centro de reabilitação”, num trabalho que se estende pela área metropolitana do Porto através de parcerias celebradas “com 20 agrupamentos de escolas do Porto, Gondomar e Maia, através do centro de recursos para a inclusão, apoiado pelo Ministério da Educação”.
Questionado sobre o futuro, afirmou: “é preocupante, porque a fonte financiadora principal, que é na ordem dos 80%, são acordos de cooperação com a Segurança Social e nem sempre acompanham o nível da inflação e salarial”.
“Temos outro grande problema que é recrutar pessoas, porque o vencimento que podemos oferecer é muito baixo e não conseguimos pessoas com qualidade e missão”, lamentou Abílio Cunha.
*Jorge Fonseca (texto)
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