Apontar um laser do tamanho de uma caneta ao cockpit de um avião é crime e pode dar até dez anos de prisão - mais se provocar um acidente. Muitos não sabem, outros acreditam que nunca serão apanhados.

Só esta semana foram registadas duas ocorrências seguidas no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, uma na terça, outra na quarta-feira. Anteontem o alvo foi um Airbus A321 da companhia espanhola Vueling, às 20:45, no momento em que um avião se preparava para aterrar na pista 35. Na véspera aconteceu a um avião da TAP.

O alerta é do antigo comandante da TAP José Correia Guedes, autor de diversos livros sobre aviação, que por estes dias visitou o Centro de Controlo de Tráfego Aéreo de Lisboa e a Torre de Controlo do Aeroporto Humberto Delgado. “A informação que tenho é da NAV", a empresa que é responsável pelos serviços de navegação aérea em Portugal, "e o que me disseram é que está a acontecer em média um episódio por dia no espaço aéreo português".

A luz é usada sobretudo em aeronaves em aterragem, "uma das fases mais críticas do voo para o piloto. Se levar com um feixe de luz nos olhos durante o dia é mau, à noite é ainda pior", diz o antigo comandante ao Sapo24, acrescentando que é nesta fase do dia que ocorre a maioria dos casos.

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Esta é uma prática registada em muitos países e as consequência podem ser fatais. De acordo com dados oficiais, mais de 46% dos casos reportados resultam na distração do piloto, que em um em cada quatro casos fica encandeado, muitas vezes temporariamente cego ou com visão deturpada, com formação de imagens falsas. Há também casos de lesões oculares, queimaduras da retina e hemorragias.

"Está a acontecer em média um episódio por dia no espaço aéreo português"José Correia Guedes, antigo comandante da TAP

Se não forem tomadas medidas, José Correia Guedes teme que mais dia menos dia possamos ser confrontados com "uma tragédia" num dos aeroportos nacionais.

O problema é que hoje o acesso a um ponteiro laser, cada vez mais sofisticados, é fácil e barato. E o reporte das ocorrências só é feito em terra, quando o piloto preenche o seu relatório. Além disso, quanto mais afastado do alvo estiver quem aponta o laser (light amplification by stimulated emission of radiation, que significa amplificação da luz por emissão estimulada por radiação) - e isto significa quilómetros - maior a circunferência de luz refletida e, por isso, maior o perigo.

Mas localizar a origem do feixe de luz e apanhar o criminoso não é impossível e já aconteceu em Portugal. Em 2018, a GNR identificou um jovem de 18 anos que apontou um laser a uma aeronave em Ponte de Sor, no Alentejo, e que acabou acusado de atentado à segurança de transporte aéreo, crime punível com até dez anos de prisão.

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Segundo a ANAC - Autoridade Nacional de Aviação Civil, entre 2013 e 2017 foram registadas 1150 ocorrências em Portugal. Ao longo deste tempo a Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea e outras organizações chamaram a atenção para os riscos de apontar lasers a aviões e exigiram legislação "específica, clara e pesada".

Depois da pandemia, a prática parece agora ter-se transformado no mais recente "desporto nacional", como lhe chama José Correia Guedes, talvez ignorando os perigos reais para passageiros, tripulação e até populações que vivem nas proximidades dos aeroportos nacionais. "É um disparate e uma inconsciência”, daí a necessidade de partilhar e denunciar esta prática.