O movimento já foi muito mais intenso no espaço “VSI TUT – Todos Aqui”, mas há sempre algumas pessoas, sobretudo mulheres, que por ali passam para escolher umas roupas ou levar cabazes alimentares, e para tirar dúvidas burocráticas ou jurídicas. “Ainda é preciso muita ajuda para preencher papelada”, diz o coordenador do espaço, Afonso Nogueira.
Criado no âmbito do programa municipal de emergência para integração dos refugiados da Ucrânia, resultante de um protocolo entre a Associação dos Ucranianos em Portugal e a Câmara de Lisboa, o espaço está a funcionar desde maio do ano passado e disponibiliza a quem chega uma série de valências (alojamento, acesso ao emprego, acesso à educação e formação, saúde, mobilidade, cultura, desporto e apoio social).
O VSI TUT é um “espaço de comunidade”, que pretende “dar um empurrão no acolhimento e agora na integração”, resume o coordenador.
“A habitação é, sem dúvida, o maior desafio. Habitação condigna”, reconhece, referindo que, através do programa Porta de Entrada, já foram obtidas “em torno de 120” respostas para agregados familiares que procuravam casa.
O problema – explica – é que os candidatos precisam de ter contrato de arrendamento, no mercado livre, “feito em português e com tudo o que isso acarreta”, e só depois podem submeter o processo ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).
“Mas, para chegar a isso… as rendas são exorbitantes em Portugal, em Lisboa especificamente, e com a barreira linguística, estes contratos são perdidos por falta de abertura dos senhorios”, que optam por “fazer o contrato a quem rapidamente fizer o pagamento e todas as diligências”, nota.
É preciso apoiar os refugiados “para fazerem os contactos com os senhorios e conseguirem chegar a um acordo”, realça.
A resposta de habitação “é complexa” e “nem sempre é eficaz […] em termos oficiais”, o que “é uma preocupação enorme da Associação dos Ucranianos em Portugal”, admite Afonso Nogueira.
“Temos feito um esforço para garantir que pessoas não ficam na rua”, refere, dando como exemplo as parcerias com cadeias de hotelaria ou o recurso ao Fundo de Emergência Social, no quadro do protocolo com a autarquia lisboeta.
“A população portuguesa foi absolutamente fantástica […] no acolhimento de primeira fase. Mas, as famílias que acolheram pessoas em casa, […] passados dez, onze meses […], é normal que precisem das casas. […] E as próprias pessoas refugiadas precisam de seguir com a sua vida de forma estruturada e a habitação é a charneira para conseguirem essa integração plena e concreta”, sublinha o coordenador, assinalando que “encontrar soluções” é “absolutamente essencial”.
Além da habitação, uma das maiores barreiras é a integração das crianças ucranianas nas escolas. “Neste momento, existem 4.500 crianças inscritas no sistema de ensino português, o que quer dizer que há cerca de dez mil que não estão no sistema de ensino português”, contabiliza.
“Não é um problema enorme, porque […] a esmagadora maioria está inserida no sistema de ensino a distância da Ucrânia, mas, em termos psicossociais, é importantíssimo que essas crianças […] estejam presentes fisicamente nas escolas portuguesas”, considera.
As crianças ucranianas podem frequentar o sistema de ensino remoto a partir das escolas portuguesas. “As crianças precisam de estar com os pares”, realça, apelando aos pais que matriculem os filhos e sublinhando o impacto na saúde mental dos menores.
Em setembro de 2022, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tinha atribuído, desde o início da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, 51.716 proteções temporárias, 13.632 das quais a menores.
Os quatro filhos de Diana e Serhii em idade escolar estão matriculados no ensino português.
A família entrou em Portugal pelo Porto e depois seguiu para Lisboa, onde vive, numa casa na zona de Entrecampos, pagando 500 euros de renda, que subirá para mais 200 no próximo mês.
“Somos muito felizes por estar em Portugal, não queremos mudar para outro país”, garante Diana. “A cidade de Mariopol está toda destruída, a nossa casa também. Por enquanto, não temos planos de voltar para a Ucrânia”, diz Serhii.
Ele, com 39 anos, trabalha numa empresa de acessórios médicos e diz-se “muito satisfeito”, agradecendo ao chefe, que o “ajudou muito” desde que chegou. Ela, com 33, está em casa, com o filho mais novo, mas à procura de trabalho a tempo parcial.
O casal, com cinco filhos, de um a treze anos, recorre aos cabazes do VSI TUT, onde o que sobra em roupa falta em alimentos, apesar das doações individuais e de empresas.
“Ainda precisamos de dar apoio a muita gente”, assinala Yuri Kondra, membro desde 2007 da Associação dos Ucranianos em Portugal, onde vive há 23 anos.
Voluntário no VSI TUT, faz uma pausa na distribuição de cabazes alimentares para conversar com a Lusa e recordar que a Associação dos Ucranianos em Portugal juntou-se “logo no dia 25” de fevereiro, um dia depois do início da guerra, e carregou “camiões com alimentos, medicamentos e outros bens” para a Ucrânia.
Em maio, começaram a chegar os refugiados e concentraram-se esforços no acolhimento.
“Agora já não vêm tantos. Das pessoas que chegaram algumas já voltaram, mas outras estão a querer integrar-se na sociedade portuguesa”, descreve, confirmando que “a grande dificuldade é com as rendas da casa, com a habitação”, mas também “com o emprego e não saberem falar português”.
O fluxo de refugiadas da Ucrânia tem tido um “acentuado decréscimo” desde junho. Ainda assim, a autarquia de Lisboa decidiu manter ativo o centro de acolhimento de emergência instalado num pavilhão desportivo da Polícia Municipal de Lisboa na freguesia de Campolide, que recebeu 2.430 pessoas entre março e agosto, mas que agora acolhe sobretudo cidadãos timorenses.
O VSI TUT foi evoluindo “em função das necessidades” e se “inicialmente, a resposta era de emergência”, nomeadamente social (alimentos e roupas), agora passou para a “fase de integração de refugiados e da consolidação de laços no território”, descreve Afonso Nogueira.
As principais solicitações são agora as aulas de português (que contam com o apoio da Speak Social, organização portuguesa que presta apoio às pessoas refugiadas da Ucrânia) e o apoio jurídico, quer para contratos de trabalho, quer para casos de violência contra mulheres refugiadas. “São uma população muito vulnerável. […] Vieram [para Portugal] sobretudo mulheres. O típico agregado é uma mulher com os filhos e a mãe ou a sogra”, relata o coordenador.
Em 09 de março de 2022, a Câmara de Lisboa aprovou, por unanimidade, a criação do programa municipal de emergência VSI TUT – Todos Aqui, na sequência da proposta apresentada por vereadores de PS, PCP, BE, Livre e independentes (Paula Marques, do movimento político Cidadãos por Lisboa), que foi depois subscrita pelos restantes membros do executivo, inclusive pelo presidente, Carlos Moedas (PSD).
O município prevê a atribuição de 320 mil euros ao espaço – 290 mil dos quais em 2022 e 30 mil euros em 2023 – criado para durar um ano.
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