“As longas noites de Caxias”, editado pela Planeta quando se assinalam 45 anos da "Revolução dos Cravos", cruza a história de duas mulheres que ficaram na história da PIDE: uma foi torturada, a outra tinha prazer em torturar.

O nome "Leninha" deixa antever alguém doce, uma mulher delicada e maternal até, mas na verdade refere-se à mulher que era conhecida como “PIDE Leninha”, a mais temida agente feminina.

Neste romance, baseado numa história verídica, mas em que nomes e situações foram ficcionados, Ana Cristina Silva cruza a vida de Leninha com a de Laura, mulher que resistiu às suas torturas, e namorada de José Ribeiro dos Santos, o jovem estudante morto a tiro pela polícia, ícone do movimento estudantil contra o regime.

“Leninha”, como era conhecida entre os membros do PCP, Nani, para a família e amigos, é no romance Helena, na verdade Madalena Oliveira, a mulher que mais subiu na hierarquia da PIDE, a única mulher a atingir o posto de chefe de brigada, e que se dedicava a aperfeiçoar métodos de tortura.

Os factos relativos a Madalena Oliveira e aos métodos e forma como torturava as presas são absolutamente reais no romance, como são as descrições do sofrimento de quem lhe passava pelas mãos, revela a autora em entrevista à Lusa.

“Leninha” é julgada e condenada a uma pena de quatro anos, no romance como na vida real, mas presa e torturadora nunca se encontraram em tribunal, o que só acontece no livro para efeitos dramáticos, como que para apaziguar o trauma que persiste na mulher que inspirou a personagem Laura Branco, contou Ana Cristina Silva, que é também psicóloga e professora de psicologia.

Por isso mesmo, explica, gosta de trabalhar a caracterização psicológica das personagens, e a da “Leninha” foi construída “em função das suas atitudes”, aquilo que à escritora parecia ser “plausível”.

“Depois há os factos concretos do que ela fazia às presas”, afirmou, sublinhando: “Quer as partes da presa política, quer as referentes à Madalena são infelizmente reais, dramaticamente reais, assustadoramente reais e eu quero, com este livro, que as pessoas, ao lerem, se defrontem com esse horror, que recordem esse horror”.

Esta é uma preocupação muito presente no discurso de Ana Cristina Silva que refere o caso de uma das testemunhas no processo contra Madalena Oliveira, que afirmava recear que “a história da PIDE fosse rapidamente esquecida”.

“Além de alguns testemunhos que apareceram nos últimos anos, eu acho que, ao longo do tempo, [a história da PIDE] tem sido relativamente branqueada”, considera, dando como exemplo os seus alunos, que têm uma “ideia muito vaga e muito ténue” do que se passou.

A ideia para este livro surgiu um pouco dessa necessidade de usar a literatura para “despertar consciências” e levar as pessoas a “tomarem consciência daquilo que aconteceu”.

Tudo começou com uma reportagem que leu, há muitos anos, sobre a PIDE Madalena. Na sequência dessa leitura, procurou informar-se mais sobre o tema e percebeu que, além de escritos dispersos, “não há um livro especificamente baseado na PIDE, na tortura, no sofrimento dos presos, na assistência e naquela personagem que é uma PIDE”.

“Que eu saiba, não existe, e eu acho que é necessário, ainda mais numa altura em que os movimentos nacionalistas estão em voga, as correntes xenófobas, e é preciso recordar o passado para prevenir o futuro”, afirmou.

Para construir o romance, Ana Cristina Silva baseou-se nos escritos de Irene Flunser Pimentel, em relatos de testemunhas, logo a seguir ao 25 de Abril, e noutros mais recentes, publicados pela Parsifal.

Além disso, entrevistou duas presas políticas, uma delas em particular, que serviu de base à personagem Laura Branco, a presa que sofreu e resistiu às torturas da PIDE Leninha.

“A personagem presa política entrevistei-a várias vezes, todo o sofrimento que ela passou é verdadeiro. Os outros conteúdos são inventados. A própria pessoa pediu-me que não fosse identificada, portanto tem [no romance] um nome fictício”.

“As Longas noites de Caxias” trazem, assim, o retrato da Leninha que “viveu com deleite as suas noites em Caxias, como agente e torturadora” e que, “dentro das celas, exultava a cada bofetada e insulto proferido”, descreve a editora.

“Embora viesse a esquecer o nome da maioria das detidas, lembraria com prazer a sua expressão de terror. De Laura, curiosamente, nunca se esqueceu. Sempre questionou de que fibra seria feita a jovem alentejana que nunca vergou perante pancada e insultos”, acrescenta.

Autora de 13 romances, Ana Cristina Silva viu alguns dos seus livros serem reconhecidos literariamente: “Cartas vermelhas” (2011) foi selecionado como livro do ano pelo jornal Expresso e finalista do Prémio Literário Fernando Namora; “O rei do Monte Brasil” (2012) foi finalista do Prémio SPA/RTP, do Prémio Literário Fernando Namora e vencedor do Prémio Urbano Tavares Rodrigues; “A segunda morte de Anna Karénina” (2013) foi, pela terceira vez, finalista do Prémio Fernando Namora”, galardão que acabaria por receber em 2017, com “A noite não é eterna”.

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