No relatório sobre a situação dos direitos humanos no mundo em 2024, a organização internacional sublinha que tanto Israel como a Rússia, países agressores das duas guerras mais mediáticas da atualidade, promoveram crimes contra a humanidade, ao atacarem deliberadamente civis e infraestruturas como hospitais e provocando cortes de eletricidade, falta de água e fome.
No capítulo dedicado a Israel e Palestina, a HRW refere que Israel matou, deixou passar fome, forçou deslocações, destruiu casas, escolas e hospitais numa escala sem precedentes na História recente e sublinha que vários líderes - como o primeiro-ministro e o ex-ministro da Defesa israelitas e os responsáveis militares e políticos do Hamas – são alvos de mandados de detenção internacional por crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Gaza, mas continuam impunes.
O documento da HRW avança que, a par de um balanço de dezenas de milhares de mortos e feridos desde o início das hostilidades, a 07 de outubro de 2023, e que “quase todos os palestinianos em Gaza foram deslocados à força e todos enfrentaram uma grave insegurança alimentar ou fome”.
O número de mortos palestinianos “é consequência da intervenção de Israel e do uso contínuo de força letal excessiva, incluindo ataques aéreos e mísseis lançados por drones”, afirma a organização internacional, acrescentando que “as autoridades israelitas continuaram a cometer os crimes contra a humanidade do ‘apartheid’ e perseguição através da repressão aos palestinianos”.
Em julho passado, o Tribunal Internacional de Justiça concluiu que “Israel está a violar a proibição de discriminação racial” nos territórios palestinianos ocupados e que “deveria retirar e desmantelar todos os colonatos e fazer reparações aos palestinianos, incluindo compensações”.
A HRW critica ainda o apoio dos Estados Unidos à conduta de Israel.
Embora refira que Estados como os Países Baixos, o Canadá e o Reino Unido tenham suspendido algumas transferências de armas para Israel devido ao risco claro de serem utilizadas em violações graves de direito internacional, a HRW sublinha que os Estados Unidos “aprovaram mais de 100 vendas de armas e forneceram a Israel uma quantia sem precedentes de 17,9 mil milhões de dólares [cerca de 17,5 mil milhões de euros] em assistência de segurança.
Segundo a organização, “os ataques israelitas e demolições por parte de engenheiros de combate e escavadoras militares destruíram ou danificaram 63% de todos os edifícios de Gaza, tornando grande parte da Faixa inabitável, constituindo limpeza étnica em algumas áreas e violando o direito dos palestinianos de regressar”.
Além disso, mais de 80% de escolas, universidades e instalações de saúde foram destruídas ou danificadas, tendo a ONU alertado para a falta de cuidados a 50.000 mulheres grávidas e para um aumento de 300% dos abortos espontâneos.
As autoridades israelitas privaram a população de Gaza de água adequada, necessária à sobrevivência durante meses, cortaram a eletricidade, bloquearam o combustível necessário para operar geradores e atacaram infraestruturas de saneamento.
“A negação de água por parte de Israel à população palestiniana de Gaza equivale ao crime contra a humanidade de extermínio e ao ato genocida”, concluiu a HRW.
Também a Rússia recorreu regularmente a ataques à rede energética, aos hospitais e à segurança da Ucrânia, além de tentarem, nas áreas ocupadas, “à força e metodicamente, apagar a identidade ucraniana”, incluindo através da imposição do currículo e língua russos nas escolas, apontou a organização de defesa dos direitos humanos.
Mas a HRW aponta sobretudo a “intensificação da repressão” interna na Rússia, sobretudo através de rótulos “punitivos e estigmatizantes” como “agente”, “indesejável” e “extremista”, que resultam em multas pesadas e longas penas de prisão.
O relatório destaca a morte na prisão do líder da oposição Alexei Navalny, quando cumpria “uma pena draconiana”, assim como a vitória de Vladimir Putin numas eleições onde toda a oposição foi eliminada e lembra que, em outubro, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU assinalou “a deterioração significativa e contínua” dos direitos humanos naquele país.
No ano passado, Moscovo reforçou a lei de censura de guerra promulgada após a invasão da Ucrânia, em 2022, e permitiu o confisco de bens de pessoas condenadas sob uma série de acusações, incluindo “notícias falsas” sobre os militares russos.
Em 2024, as autoridades apresentaram novas acusações criminais contra pelo menos 78 pessoas por “desacreditarem” os militares russos ou divulgarem “fake news” e 130 pessoas continuaram presas por estas acusações, aponta o documento.
A Rússia continuou ainda a usar a legislação sobre “agentes estrangeiros” para atingir os media, os defensores dos direitos humanos e outros críticos, tendo, durante o ano, designado 64 organizações como “indesejáveis”, incluindo a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, Belsat, The Moscow Times e a Freedom House.
A HRW destaca também um aumento dos ataques feitos pelas autoridades russas a migrantes da Ásia Central e outras pessoas com aparência não eslava.
“As autoridades intensificaram a retórica anti-migrante” e “introduziram um ‘regime de deportação’ especial para os estrangeiros que não tenham documentos de identidade válidos ou autorização para permanecer na Rússia”, relata a HRW.
Estas pessoas, acrescenta, são colocadas num registo público de “pessoas controladas”, ficando proibidas de conduzir, casar, mudar de residência sem permissão, abrir contas bancárias ou realizar transações financeiras, podendo ainda passar a ser vigiadas digitalmente.
A liberdade de reunião manteve-se praticamente inexistente e as autoridades russas continuaram a utilizar as restrições impostas em 2020, no âmbito da Covid-19, como pretexto para proibir protestos da oposição, embora permitam eventos alinhados com as políticas oficiais, descreveu a organização, apontando que, em 2024, as autoridades fizeram 1.185 detenções em manifestações.
A HRW alertou ainda para o uso repetido do veto russo no Conselho de Segurança da ONU para impedir a responsabilização dos seus líderes por crimes de guerra na Síria, na Ucrânia e noutros locais.
“Embora muitos governos da União Europeia e os Estados Unidos tenham manifestado querer justiça pelos crimes graves cometidos pelas forças russas, a responsabilização tem sido lenta”, lamentou a organização de defesa dos direitos humanos.
Conflito em Cabo Delgado, seca e violência pós-eleitoral agravam conjuntura moçambicana
A Human Rights Watch (HRW) afirmou hoje que situação humanitária agravou-se em Moçambique em 2024 por causa do conflito em Cabo Delgado, pela seca que afetou a África Austral e devido à violência pós-eleitoral. Numa caracterização geral da conjuntura moçambicana, a Organização Não-Governamental (ONG) indicou no seu relatório anual, "World Report 2025", que os direitos das crianças continuaram a ser gravemente afetados pelo conflito na província de Cabo Delgado (na região Norte) e a polícia foi implicada em abusos generalizados contra jornalistas, ativistas da sociedade civil e observadores eleitorais antes das eleições gerais de 09 de outubro. "Em agosto, mais de 850.000 pessoas estavam deslocadas em Moçambique devido ao conflito [em Cabo Delgado, uma província no Norte] e ao impacto da crise climática, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)", citou a HRW. O conflito armado continuou a ter um impacto significativo nos serviços de saúde e educação públicas, particularmente com a destruição de instalações de saúde e de escolas por grupos armados, o que afetou gravemente o acesso da população a cuidados de saúde essenciais e as crianças ao ensino, lamentou. "As partes beligerantes aumentaram o uso de engenhos explosivos que mataram civis e pessoal das forças de segurança", indicou, acrescentando que as crianças foram as mais afetadas pelo terrorismo em Cabo Delgado. Foram recrutados vários menores de apenas 13 anos, por exemplo, para invadirem e saquearem cidades, como a de Macomia em maio, não sendo claro se estes também se envolveram em combates contra as forças armadas do Governo, relatou. Algumas das crianças que escaparam ou foram resgatadas dos grupos terroristas enfrentaram sérios desafios de aprendizagem e estigma durante os esforços das autoridades para as reintegrar na sociedade. Os casos de casamento infantil aumentaram significativamente na província de Cabo Delgado, de acordo com a organização humanitária Save The Children, que identificou os desafios socioeconómicos como os "fatores-chave" que levam as famílias a submeter as menores a esta realidade. A taxa de gravidez na adolescência em Moçambique é a mais elevada da África Oriental e Austral e esta nação continuou a ter uma das mais baixas taxas de matriculação de raparigas no ensino secundário em toda a África Austral. "Milhares de raparigas abandonaram a escola por estarem grávidas ou serem mães e enfrentaram discriminação, estigma ou falta de apoio financeiro e social para permanecerem na escola", disse. Outro marco negativo na História de Moçambique em 2024 foram os agentes da polícia implicados em abusos generalizados contra jornalistas e ativistas da sociedade civil, o que "prejudicou seriamente o seu trabalho antes das eleições de 09 de outubro", referiu. "As autoridades raramente investigaram as queixas de assédio, ameaças, agressões físicas e prisões e detenções arbitrárias que visavam" estes profissionais. A polícia utilizou gás lacrimogéneo para dispersar pessoas durante protestos contra as irregularidades eleitorais de outubro, assim como vários manifestantes foram atingidos, alguns de forma mortal, por balas reais. Todavia, como marco positivo, "as autoridades parecem ter feito alguns progressos na luta contra os raptos com pedido de resgate em todo o país", salientou. "Em agosto, a polícia deteve cinco cidadãos sul-africanos com ligações a raptos de moçambicanos", referiu. Mais de 100 empresários terão abandonado Moçambique, devido ao medo e à insegurança causados pela onda de raptos em todo o país, salientou. A Human Rights Watch é uma organização internacional independente que trabalha como parte de um movimento para defender a dignidade humana e promover a causa dos direitos humanos para todos, explicou. |
Crianças com fome e brutalidade policial em Angola preocupam Human Rights Watch |
A Human Rights Watch (HRW) apontou hoje como pontos críticos em Angola a fome que atinge uma em cada quatro crianças, a brutalidade policial e leis que violam direitos humanos, conclusões que constam no seu relatório sobre 2024. |
No documento a que a Lusa teve acesso, a Organização Não-Governamental (ONG) de direitos humanos realça que as crianças continuaram a ser as principais vítimas da seca e crise alimentar, com 38% das crianças angolanas a sofrer de malnutrição crónica.
Até maio do ano passado, pelo menos 1,5 milhões de pessoas incluindo milhares de crianças de famílias de baixo rendimentos enfrentavam insegurança alimentar aguda no sul de Angola e, pelo menos, 22 crianças morreram de malnutrição aguda.
O relatório menciona vários exemplos sobre a situação das crianças, incluindo o repatriamento de dezenas de menores a partir da Namíbia, que procuravam escapar dos efeitos da seca nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe, procurando trabalho e comida do outro lado da fronteira.
Em maio, as autoridades de saúde anunciaram uma investigação sobre as mortes de mais de 30 crianças em Luanda, com sintomas de febres e dor de barriga, depois de consumirem água turva e amarelada, mas até novembro passado não apresentaram quaisquer resultados.
A ONG refere ainda que no Orçamento Geral do Estado de 2024 o Governo angolano reduziu em 50% os apoios financeiros para a linha de ajuda SOS Criança, a única linha nacional para reportar casos de violência, abuso ou negligência.
A HRW critica também as leis que o Presidente, João Lourenço, assinou, por não cumprirem com os direitos humanos internacionais e restringirem a liberdade de imprensa, de expressão e de associação.
Entre estas, salientam a Lei sobre os Crimes de Vandalismo, que prevê uma pena de até 25 anos de prisão para pessoas que participem em manifestações que resultem em atos de vandalismo, ou a Lei de Segurança Nacional que permite ao Governo interromper emissões de rádio ou serviços de telecomunicações "em circunstâncias excecionais", sem um mandado judicial.
No ano passado, elementos policiais estiveram ligados a homicídios, violência sexual, uso excessivo da força, detenções arbitrárias e atos de tortura sobre ativistas e manifestantes em Angola.
A HRW aponta exemplos, como o uso de balas reais na província da Lunda Norte para dispersar uma manifestação em março, as queixas das vendedoras ambulantes sobre abusos policiais e seis casos de cidadãos torturados para obter confissões.
A sobrelotação das prisões angolanas é outro dos destaques do relatório da HRW.
Os 43 estabelecimentos prisionais do país têm capacidade para 22.554 prisioneiros, mas a população prisional ascende a 24.068 pessoas, das quais metade estão em prisão preventiva ou a aguardar julgamento.
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