“Em primeiro lugar, por que razão é que nós apresentámos também número de alegados abusadores já mortos? É porque o facto de estarem mortos não dispensa a Igreja de indemnizar pelos danos praticados por eles enquanto vivos e, portanto, era necessário identificar o responsável pelo dano, para poder depois garantir a indemnização”, afirmou Laborinho Lúcio.
O ex-governante falava numa audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a requerimentos do Chega, PS e PSD, sobre o relatório final da comissão, designado “Dar voz ao silêncio”.
“Em segundo lugar, a indemnização, de duas uma: ou é uma indemnização estrita do ponto de vista jurídico e confirmada judiciariamente”, declarou, reconhecendo que se volta “a ter o problema da prescrição, agora mais alargado”, ou mesmo não tendo este problema, pode haver “o problema da prova específica juridicamente considerada”.
A outra opção passa por a Igreja Católica portuguesa fazer o que fizeram outras igrejas: através da comissão agora criada para receber denúncias (Grupo VITA), propor uma posição a adotar e que “seja uma posição de indemnização”, esclareceu.
Segundo Laborinho Lúcio, quando a comissão aborda a questão da reparação fá-lo no sentido da “garantia de um direito e não apenas uma forma assistencialista de dar algum reparo para aquilo que tenha sido um mal praticado”.
“Aquilo que nós temos de defender é uma indemnização, pura e simplesmente, como correspondente a um direito violado e que é restaurado através da prática dessa indemnização”, acrescentou.
Antes, o juiz conselheiro jubilado considerou que as vítimas agora estão “numa posição de expectativa”.
“Esta é a grande ocasião para a Igreja, por iniciativa sua, reconstruir a confiança das vítimas. Nós temos de partir do princípio de que estas vítimas todas eram católicas praticantes e foi no exercício da sua prática católica que foram vítimas deste tipo de crime. Consegue a Igreja recuperar a sua confiança?”, questionou o juiz conselheiro jubilado.
Para Laborinho Lúcio, se a Igreja conseguir recuperar essa confiança, “provavelmente tem as vítimas a apresentarem-se como tais e a reclamarem, porventura, a reparação que elas entendem ter direito”, mas, “se assim não se fizer, dificilmente isso vai acontecer”.
Na mesma audição, o psiquiatra Daniel Sampaio destacou a necessidade de acompanhamento psicológico e psiquiátrico das vítimas e também dos agressores.
Por outro lado, sublinhou a importância da prevenção do suicídio, admitindo que “algumas destas pessoas que foram vítimas de abuso sexual estão em risco de suicídio”.
“E aí a mensagem que nós temos de passar é que se dirijam a uma urgência psiquiátrica, para que possa ser avaliado justamente o risco de suicídio”, declarou.
Quanto à educação sexual em meio escolar, uma das questões suscitadas na audição, Daniel Sampaio sugeriu aos deputados que perguntem ao Governo “em que pé está a educação sexual em meio escolar”, porque a perceção que tem “é que está muito empobrecida neste momento” e que a sua importância “diminuiu fortemente”.
“Podemos reforçar a educação sexual em meio escolar, que é uma educação que deve ser feita com os alunos, com os professores e também com os pais. É muito importante a participação das famílias nisto”, defendeu.
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) aprovou, em abril, na assembleia plenária, a constituição do Grupo VITA - Grupo de Acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal, que é liderado pela psicóloga Rute Agulhas.
Na ocasião, o presidente da CEP, José Ornelas, declarou que a Igreja Católica está disponível para reparar as vítimas de abusos sexuais do ponto de vista financeiro, quando cerca de 30 pessoas estavam já a receber ajuda monetária para tratamento psicológico.
“O que nós estamos a dizer é que nós queremos reparar o mais possível e também do ponto de vista financeiro as pessoas que foram realmente vítimas destes abusos”, afirmou José Ornelas, explicando que falava em reparação ao invés de indemnização “para fugir ao termo da indemnização”, que é jurídico e “significa que é um tribunal que determina”.
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