Um dos problemas para os bengalis está no facto de não existir representação diplomática portuguesa no seu país, o que os força a terem que recorrer à vizinha Índia. Entre Daca, capital do Bangladesh, e Nova Deli, capital da Índia, distam mais de 1.800 quilómetros.
“Para me candidatar ao visto tive que ir a Nova Deli e percorrer uma distância como de Lisboa a França. Depois, o problema é que não tinha marcação e disseram que tinha de esperar. Estive 26 dias em Nova Deli. Tive sorte em conseguir o meu visto em 26 dias, sei de casos que estiveram três meses à espera de uma marcação”, contou à Lusa Zohorul Moon, que vive em Portugal desde 31 de maio de 2019.
Formado em Engenharia Genética e Biotecnologia pela Universidade de Rajshahi, no Bangladesh, Moon realiza o seu trabalho de investigação – “Descoberta de novos antibióticos” – no Instituto de Investigação do Medicamento (iMed.ULisboa) da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFULisboa).
Segundo Zohorul Moon, atualmente o processo está mais demorado. A sua mulher demorou quase dois anos para conseguir obter o visto e mudar-se para Portugal, em outubro.
Moon, que é também presidente da Comunidade dos Estudantes do Bangladesh em Portugal, estima que, num ano, mais de 300 estudantes, 500 trabalhadores e 1.000 processos para reunificação de famílias foram afetados pela demora nos processos.
“Destes, apenas os processos para as famílias estão a obter vistos após um ano de espera, depois de submeterem o pedido”, realçou.
A Embaixada de Portugal na Índia recebe os pedidos de visto através da empresa especializada VFS Global. No caso dos cidadãos do Bangladesh, estes têm que se deslocar pessoalmente à capital da Índia, para uma entrevista.
Estas empresas aceitam, a troco de uma taxa de serviços, pedidos de tratamento para a obtenção de visto nacional para Portugal, cuja decisão cabe sempre ao Estado português, através das embaixadas. A taxa de serviços não envolve a marcação para o atendimento.
No entanto, Zohorul Moon explicou à Lusa que tem conhecimento que no ‘site’ desta empresa não estão disponíveis vagas para marcações, mas que o problema pode ser resolvido com “pagamentos por debaixo da mesa” para comprar uma vaga.
Um dos bengalis que recorreu a esta solução revelou à Lusa, sob condição de anonimato, que o fez em 2020 para conseguir reunir em Portugal a sua família.
“Não conseguia fazer a marcação através da VFS para Nova Deli, apesar das muitas tentativas. Depois, vi uma publicação no Facebook a oferecer ajuda para conseguir uma marcação. Contactei o autor da publicação e consegui-a num dia. Tive que pagar 120 euros”, destacou este bengali, que tem mais de 40 anos e está em Portugal desde 2018, mas que não quis ser identificado.
Atualmente, esta compra de vagas é mais cara, acrescentou o imigrante bengali, que trabalha numa fábrica e vive na região de Lisboa, que assegurou conhecer três ou quatro pessoas que se dedicam a este tipo de negócio e que uma delas tem um gabinete em Lisboa.
Fonte da comunidade do Bangladesh em Lisboa confirmou à Lusa ter conhecimento de vários casos de imigrantes a quem foram exigidas quantias em dinheiro para terem uma marcação na empresa que trata dos vistos.
A mesma fonte explicou que é difícil apontar o número exato de imigrantes afetados, mas estimou que 700 foram forçados a este tipo de prática quando procuraram marcação para obter visto e mudar-se para Portugal.
O número total de bengalis em Portugal é de cerca de 2.000, acrescentou.
Contactada pela Lusa, a VFS Global referiu que as marcações para pedidos de vistos estão disponíveis ‘online’ por ordem de chegada, “de acordo com as diretrizes dos governos clientes”.
“Não cobramos nenhum pagamento adicional pelo agendamento de marcações. Como um prestador de serviço responsável, fazemos todos os esforços para informar aos solicitantes que tomem cuidado com entidades terceiras fraudulentas que cobram taxas de clientes para agendamento de consultas, usando o nome da VFS Global ou de forma independente”, frisou a VFS Global, que acrescentou que não comenta casos individuais.
Esta empresa sublinhou ainda, na resposta por escrito, que “as decisões sobre os pedidos de visto, incluindo a disponibilidade de horários e os prazos para processá-los, ficam a critério exclusivo dos respetivos governos clientes e podem variar de uma missão para outra”.
Fonte oficial da Embaixada do Bangladesh em Lisboa não respondeu ao pedido da Lusa para comentar estas denúncias, mas adiantou que já procurou sensibilizar o Governo português para a necessidade de ser criada uma representação diplomática no país na Ásia Meridional ou uma agência da VFS, para evitar constrangimentos para os seus cidadãos.
Já o Ministério dos Negócios Estrangeiros explicou à Lusa que Portugal não tem representação diplomática no Bangladesh e que os vistos são assegurados pela Embaixada de Portugal em Nova Deli, na Índia, acrescentando que não tem conhecimento dos pagamentos ‘forçados’ denunciados pelos bengalis.
No entanto, o gabinete do ministério liderado por João Gomes Cravinho acrescentou que o Governo português está a ponderar “a abertura de um escritório consular em Daca [capital do Bangladesh], atendendo às relações bilaterais com o Bangladesh e à comunidade bengali residente” em Portugal.
Informação oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) de Portugal refere que o recurso a estas empresas certificadas visa assegurar “um serviço mais próximo dos requerentes de visto”.
Atualmente, a informação disponibilizada pelo ‘site’ do MNE (Portal Diplomático) indica que Portugal tem contratualizado estes serviços em 21 países, o que se traduz numa cobertura territorial de 77 cidades.
A Lusa constatou que em 18 destes 21 países, a empresa que trata destes pedidos de visto é a VFS Global, que opera em 144 países através de 3.395 centros, contando com 66 clientes governamentais.
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