Uma viagem pela zona norte da freguesia de Vila Nova de Cacela (Vila Real de Santo António) ajuda a perceber a dimensão de um incêndio que afetou três concelhos e percorreu cerca de 15 quilómetros em direção ao litoral, sendo travado junto à Estrada Nacional (EN) 125.

É na localidade de Beco que a Lusa encontra Eva Krainitzki, que por pouco não viu desaparecer a casa de família para onde se mudou há um ano. O clarão já era visível quando saiu para trabalhar num “turno à noite” em Tavira, mas achou que “ainda estava longe”.

Só em conversa com os vizinhos e o namorado se apercebeu da rápida aproximação das chamas que consumiram um armazém, um reboque de cavalos e as árvores à volta da casa.

Eva realça que a sua casa e a dos vizinhos foram salvas “por sorte” quando uma amiga, que conseguiu chegar ao local, “pediu ajuda a um carro de bombeiros”, numa altura em que o casal de vizinhos idosos já tinha sido retirado pelas autoridades.

Pior ficaram outros vizinhos que residem sazonalmente no Algarve e cuja casa ardeu por completo, assim como algumas viaturas e muitas das árvores que rodeavam o terreno.

De visita ao local, o presidente da Câmara de Vila Real de Santo António revela ter a garantia que o Governo “vai avançar com alguns apoios nas suas várias dimensões” e assume que a autarquia vai auxiliar as populações nas candidaturas.

Luís Romão assume ainda que, apesar das atuais “dificuldades financeiras”, a Câmara tem “alguns meios para ajudar” e irá trabalhar “em rede” com várias instituições.

A autarquia criou um gabinete de crise que está ainda a fazer o levantamento dos danos dos incêndios de 16 e 17 de agosto e a sua responsável, a vereadora Ana Paula Mendonça, pede que a população comunique as suas perdas e necessidades para que possam ser ajudadas, algo que já aconteceu com “alimentação para animais” ou “limpeza de espaços”.

Caminhando para norte ao longo das estradas no interior do sotavento (leste) algarvio, o negro deixado pela chamas intensifica-se e os efeitos na paisagem são notórios com quilómetros de mato e árvores ardidas e postes que ainda jazem no terreno.

No entanto, é também percetível o branco imaculado das casas salvas pelas faixas de contenção que impediu que o fogo progredisse e aumentasse ainda mais as perdas totais.

Mas, para quem vê na terra um rendimento ou um complemento à reforma, os esforços de limpeza do seus terrenos parecem ter sido em vão, como revela Jacinto Parreira, que aos 84 anos viu arder boa parte das alfarrobeiras que tinha enxertado “há pouco anos”.

“De que serve eu ter o meu [terreno] limpo se, do outro lado, é um bosque autêntico?”, questiona enquanto olha para as poucas árvores que “se safaram” e adianta que cada ano “é pior e mais seco”.

“Daqui por uns anos isto vai ficar mesmo abandonado”, prevê.

Nos terrenos e hortas à volta de Pego dos Negros (Castro Marim), as chamas deixaram a sua marca, mas não chegaram às casas porque “estava limpo” garante Manuel Jacinto, um dos pouco habitantes do lugar.

Afirmando que os bombeiros “não apareceram”, Manuel Jacinto revela que sentiu medo “pelos animais” e pelo que poderia acontecer às habitações, mas o fogo apagou-se “por ele próprio”.

Um pouco mais a norte, na Pernadeira, zona onde se deu a ignição do incêndio perto da uma da manhã, Sandra Romeira instalou um projeto de jovem agricultor com alfarrobeiras, medronheiros e oliveiras, mas a “maior parte ardeu”, revela, “mais as que não estavam no projeto”.

Apesar do prejuízo de “mais de 20 mil euros”, assume ter vontade “de continuar” até porque tem mais terrenos para expandir, mas confidencia estar “em fase estudo”, já que vai ser tudo “mais complicado”.

Um pouco mais a sul, no extremo este da zona afetada pelo incêndio, em Pisa Barro de Cima, as chamas não chegaram à povoação por ação dos habitantes que dizem terem-se organizado “como em 2004”, ano em que o fogo também andou perto, afirma Ricardo Neves.

Numa localidade onde vivem “cerca de 40 pessoas”, a água canalizada ainda não é uma realidade, o que obrigou a que andassem “em poços a pedir água emprestada” para travarem o fogo.

A vice-presidente da Câmara de Castro Marim reconhece a incapacidade em ainda não ter conseguido levar a água a estas populações, fruto de um concurso público com uma “série de vicissitudes contratuais”.

Filomena Cintra afirma porém que noutras localidades já foi possível recorrer a bocas-de-incêndio, apesar de o sistema de abastecimento das Águas do Algarve ter “começado a colapsar a meio do primeiro dia [do incêndio] deixando as bocas sem água”, realça.

A responsável revela que encontram no terreno as populações “ainda em choque” e assume estarem a procurar soluções para “minimizar os impactos imediatos”, como a alimentação dos animais e uma intervenção necessária na “envolvente dos aglomerados”, havendo uma equipa a fazer o levantamento da perdas.

Contactado pela Lusa, o Comandante Regional do Algarve da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil realça que o incêndio se desenvolveu numa altura em que as condições meteorológicas eram “muito adversas”, daí já terem posicionado naquela região meios “em estado de prontidão” para responder a “qualquer situação” que ocorresse.

Vítor Vaz Pinto revela que as condições eram similares às que ocorreram em 2004, quando um incêndio afetou “30 mil hectares”, sendo que, o deste ano, poderia ter afetado “20 mil”, mas conseguiram que se ficasse pelos “6.500”.

Segundo o responsável, o combate a este incêndio era “muito difícil” e acabou por ser dificultado porque o trabalho de prevenção “não foi efetuado”, quer perto das localidades, quer nas laterais das vias ou mesmo à volta das casas.

“As populações quando estão junto às suas casas podiam estar mais descansadas se tivessem essas faixas secundárias à volta das habitações, que não estava feita. Compete aos proprietários fazê-la, mas, se não o executarem, a Câmara pode e deve substituir-se aos proprietários e executá-la”, sustentou.

População contesta atuação dos bombeiros mas Proteção Civil defende plano

A atuação dos bombeiros no incêndio de Castro Marim, que deflagrou no dia 16 de agosto, é questionada por algumas populações, mas a Proteção Civil garante que o plano elaborado permitiu controlá-lo mesmo com condições meteorológicas adversas.

Habitantes de Cortelha, Pisa de Barro de Cima ou Pego dos Negros no concelho de Casto Marim, no Algarve, queixam-se à Lusa de não terem sido apoiados pelos bombeiros, quer por não darem resposta aos apelos diretos ou por terem aparecido muito tarde.

Manuel Pereira, acusa os bombeiros de “pouco ou nada terem feito” em Cortelha e afirma que estavam 12 carros de bombeiros num largo a “pouco mais de 100 metros” e “deixaram arder esta casa”, afirmou à Lusa no dia em que o incêndio foi dado como extinto, enquanto apontava para a habitação.

“Fizeram zero e eu estava aqui nessa altura. Estavam deitados dentro dos carros. Estava tudo ardendo, tomado pelas chamas”, avançou, referindo que lhe responderam que “não tinham ordem para ir apagar”.

Em Pisa Barro de Cima e Pego do Negros a acusação é de não terem aparecido ou só o terem feito “horas depois de o fogo ter passado”, como revelou à Lusa um habitante.

“Chamámos os bombeiros e ninguém aparecia, o fogo chegou às oito da noite e o primeiro carro [de bombeiros] à uma da manhã. Estavam parados lá em baixo e nada fizeram. A malta pedia ajuda e eles diziam que não tinham ordem para apagar o fogo”, afirma Ricardo Neves.

Contactado pela Lusa, o Comandante Regional do Algarve da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil diz não comentar casos concretos que desconhece, mas assume as críticas e solicita que lhe as façam chegar para que se possam “analisar e saber porque não estiveram lá pessoas”.

Vítor Vaz Pinto classifica como “excecional” o combate ao incêndio, já que foi controlado sem uma janela de oportunidade “do ponto de vista meteorológico” e o esforço foi “todo direcionado para a salvaguarda das “pessoas, dos seus bens e do ambiente”.

“Lamento a perca que as pessoas tiveram, o trabalho de uma vida, às vezes de gerações, que perdem de um momento para o outro, mas têm de perceber que não é possível ter um bombeiro ao lado de cada árvore, um militar da GNR ao lado de cada casa e um helicóptero em cada freguesia”, assume.

O responsável quis esclarecer também que, “ao contrário do que foi dito”, quando o incêndio foi dado como dominado, a meio da manhã do dia 16, não foram retirados meios, mas sim “projetados meios diferenciados”.

“Antes de haver a reativação foi quando saíram os meios aéreos pesados”, realça.

Explicando que um incêndio é dado como dominado quando é “travada a sua progressão”, adianta que isso não significa que não possa haver reativações, como neste caso, onde houve “seis reativações”.

“Cinco foram prontamente debeladas pelos meios que estavam no local e a sexta não foi possível debelar porque, quando se dá, fica fora da capacidade de combate e coincidiu numa altura em que não havia meios aéreos no teatro de operações para travar a sua progressão”, sustenta.

O comandante esclarece também que a estratégia de combate a este incêndio passava por “travar a progressão da cabeça do incêndio” logo que se encontrava uma janela física no terreno que desse “segurança aos meios e recursos para poderem atuar”.

Ao mesmo tempo, procurava-se “sustentar os dois flancos com 15 quilómetros cada porque, caso contrário, o incêndio atingiria os 29 mil hectares”, alerta.

Cabe depois a cada nível – estratégico, tático e de manobra – implementar esse plano no terreno cumprindo a missão que lhe é confiada “da forma que achar mais adequada”.

“As pessoas, às vezes, pensam que o Comandante de Operações de Socorro é quem dá as ordens diretas ao bombeiro para abrir ou fechar a mangueira, não é isso que se passa”, conclui.

O incêndio deflagrou à 01:05 do dia 16 de agosto, foi dado como dominado às 10:20, mas acabou por reativar cerca das 16:00 e só foi novamente dominado um dia depois, na tarde do dia 17.

Segundo o Serviço de Gestão de Emergências do Copernicus da União Europeia (UE), o fogo provocou um total de 5.957 hectares de área ardida (2.774 hectares de áreas agrícolas) nos concelhos de Castro Marim, Vila Real de Santo António e Tavira, no Algarve, estando as autarquias a fazer o levantamento integral dos prejuízos.

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