“O dinheiro que existe, a própria frota de aviões e de bombeiros e de recursos dedicados ao combate é suficiente, não é necessário mais. Se calhar tem de se equacionar, com estudo que suporte essa gestão, poupanças nessa matéria, para que essas poupanças consigam promover a gestão eficiente do risco”, afirmou o presidente da AGIF, Tiago Oliveira, em entrevista à agência Lusa.

Para o engenheiro florestal, especializado na gestão e governança de risco de incêndio, “não é preciso ir a todos os incêndios com todos os recursos”, o que implica flexibilidade a gerir o risco, nomeadamente nos dias mais críticos ter a capacidade de “escolher quais são os incêndios que não podem progredir de uma certa maneira e atacar esses incêndios prioritariamente”.

“Isso implica avaliar o risco, estimar o valor, determinar o risco, fazer uma análise de sensibilidade e escolher quais são os incêndios que são críticos”, indicou Tiago Oliveira, explicando que, nos dias mais frescos, sobretudo no inverno, “há incêndios que não produzem grande mal e que não ameaçam valor”, contribuindo até para queimar o mosaico florestal e promover alguma regeneração natural de uma forma mais interessante.

“A cultura da supressão, apagar tudo e a todo o custo trouxe-nos aqui: fomos capazes de apagar os incêndios todos, mas ao apagarmos o incêndio logo no curto prazo também estamos a deixar que a vegetação cresça, criando um problema mais grave no futuro”, alertou o presidente da AGIF, considerando que é necessário um equilíbrio, colocando o fogo a trabalhar na floresta durante o inverno, que “seja um bom criado, para não ser um mau patrão durante o verão”.

Com o objetivo de “gastar menos dinheiro por área ardida, gastar menos dinheiro por hectare protegido”, a gestão eficiente do risco implica conhecimento, premiar estruturas que fazem “melhor, mais barato e com capacidade de maior eficácia”, gerir recursos e motivá-los para atingir resultados.

No âmbito do Programa Nacional de Ação (PNA) do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR), com o horizonte de 2020-2030 e um orçamento total de cerca de 7.000 milhões de euros, a AGIF propõe que “do investimento que Portugal dedica à gestão do risco de incêndio, 57% vá para prevenção”, quando em 2017 era 20%.

Tiago Oliveira referiu que, em 2020, 50% do orçamento foi destinado a prevenir essas ocorrências.

“É uma transição para uma cultura mais de prevenção, com o consequente investimento nessa área”, reforçou.

Sobre o recente anúncio do Governo de aquisição de 14 meios aéreos próprios de combate aos incêndios rurais até 2026, num investimento de 156 milhões de euros, o presidente da AGIF ressalvou que Portugal só vai gastar 10% do Orçamento do Estado, porque o restante valor é financiamento do Instrumento de Recuperação e Resiliência (IRR).

“Consegue-se uma vantagem económica e gera poupanças, porque permite libertar Orçamento do Estado para outras áreas. Perguntar-me-á qual é a eficiência económica do investimento do IRR em meios de combate? Portugal precisa de ter uma certa independência na gestão do dispositivo. Estou confiante que a Força Aérea vai ser capaz de administrar os recursos de combate de uma forma mais eficiente, portanto acho que vai conseguir no médio prazo reduzir os custos de combate e vamos ter uma frota própria, complementada no verão em picos com recurso a contratos, que vai custar menos no médio prazo”, perspetivou Tiago Oliveira.

Relativamente ao impacto da pandemia da covid-19 na prevenção e no combate dos fogos, o engenheiro florestal disse que, à semelhança de 2020, os trabalhos vão continuar a ser assegurados, com o cumprimento das medidas sanitárias, sem se prever grandes constrangimentos, inclusive “o número de hectares tratado aumentou, pelo menos das entidades públicas e das privadas, e houve capacidade de reduzir o número de ignições”.

“Este ano, com a vacinação, na perspetiva dos efetivos de combate não se estima grande problema. Há sempre essa questão, tem de se fazer bem um planeamento cuidado, mas as forças estão a tratar disso”, expôs o presidente da AGIF, acrescentando que, quanto à atividade de gestão de combustível, o prazo foi alargado até 15 de maio, para permitir que os proprietários possam assegurar a limpeza de terrenos em segurança.

Programa Nacional de Ação sobre gestão dos fogos rurais “exige trabalho brutal”

Tiago Oliveira alertou ainda que o Programa Nacional de Ação (PNA), com cerca de 7.000 milhões de euros até 2030, “exige um trabalho brutal” para evitar novas tragédias.

“A tarefa que temos em mãos, que o país tem em mãos, é pegar na tragédia de 2017 - já conseguimos superar estes três últimos anos - e demonstrar que fomos capazes de ter organização societal para enfrentar um problema que é complexo”, afirmou Tiago Oliveira, destacando a redução do número de incêndios (-56%) e da área ardida (-64%) no período de 2018-2020, face aos 10 anos anteriores ao programa de transformação (2008-2017).

O presidente da AGIF disse que o PNA do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR), com o horizonte de 2020-2030, é “uma chance” para enfrentar o problema dos incêndios, advertindo que a concretização “envolve um esforço permanente, uma concertação política entre todos os partidos para discutir o que é relevante, as causas do problema e não os ‘faits divers’ dos meios aéreos, das questões do eucalipto”.

“Há problemas profundos para resolver, a questão do regime sucessório [partilha dos bens entre herdeiros] é uma delas, a questão da falta de capacitação institucional à escala regional é outra, há questões fundamentais para serem resolvidas e não estão a ser resolvidas da forma como se gostaria que fossem, e rapidamente”, apontou o engenheiro florestal, especializado na gestão e governança de risco de incêndio.

Alicerçado em quatro orientações estratégicas, designadamente valorizar os espaços rurais, cuidar do território, modificar comportamentos e gerir o risco eficientemente, o PNA propõe mais de 200 iniciativas, que estão agregadas em 28 programas e 97 projetos, com um orçamento de 6.987 milhões de euros para 11 anos, para atingir as metas do PNGIFR: proteção de vidas humanas, redução da percentagem dos incêndios com mais de 500 hectares, para se fixar abaixo de 0,3% do total, e área ardida acumulada no período da década inferior a 660.000 hectares.

Até 2030, o PNA prevê “gerar 60 mil postos de trabalho” no interior do país, “aumentar em 0,3% o PIB [Produto Interno Bruto], em vez de todos os anos a floresta esfumaçar-se e se perder exportações e riqueza, garantir a biodiversidade e o cumprimento das metas carbónicas, nomeadamente evitando a emissão de 47 megatoneladas”, indicou Tiago Oliveira, lembrando o compromisso de Portugal na redução das emissões de CO2 [dióxido de carbono], no âmbito do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050.

Questionado sobre a visão ambiciosa e otimista do programa, elaborado pela AGIF - instituto público que está sujeito à superintendência e tutela do primeiro-ministro - e que esteve em consulta pública até domingo, o engenheiro florestal defendeu que a proposta pretende “fazer bem as coisas, e fazer bem as coisas é 10% de inspiração e 90% de trabalho, é olhar para o Ronaldo: o homem treina todos os dias”.

Sobre o contributo no PIB, com a expectativa de um ganho económico de mais de 701 milhões de euros por ano, o presidente da AGIF assegurou que “as contas estão feitas, são realistas”, ainda que seja um ensaio prospetivo, adiantando que, se a dinâmica prevista for superada, esse valor pode ser “mais interessante”.

“Se não fizermos nada, é certo e sabido que vai arder com mais força, o que ardeu em 2017 vai arder com mais velocidade e mais intensidade, porque os combustíveis são mais finos, não foi feita gestão nenhuma, portanto vai ser um tiro com mais vítimas”, avisou Tiago Oliveira, referindo que, no cenário mais pessimista, o PNA estima “2,3 milhões de hectares queimados até 2030”.

Considerando que o país tem de enfrentar o problema e passar a gerir bem o território, o responsável da AGIF explicou que “isso exige um trabalho brutal de concertação de políticas públicas, de estímulos, de mobilização de atores, de pôr o Estado a funcionar em prol da sociedade, em particular os serviços florestais, e a Proteção Civil entregar resultados que são monitorizados e são acompanhados”.

Assumindo um papel técnico, a AGIF avançou que o caminho proposto no PNA tem de se fazer “de uma forma rápida e consistente”.