A Meta, dona do Facebook e do Instagram, anunciou que vai abandonar a verificação de factos (fact-checking) nas suas redes sociais e que daqui para a frente passarão a funcionar as "notas da comunidade", ou seja, quaisquer comentários sobre o rigor da informação ficam a cargo dos utilizadores.

O presidente executivo da empresa, Mark Zuckerberg, afirma num vídeo que os moderadores profissionais são "tendenciosos" e é tempo de "voltar às raízes da liberdade de expressão". Por enquanto a medida é aplicada só nos Estados Unidos, mas é provável que chegue à Europa e a outras regiões.

Choveram criticas — de políticos, de comentadores, de jornalistas —, caiu o Carmo e a Trindade. A democracia está ameaçada, garantem. Não estou de acordo — e não é só para contrariar.

Antes de mais, convém perceber como funciona a verificação de factos na Meta: o programa foi implementado em 2016 para combater a desinformação nas redes sociais e a verificação é feita por uma equipa independente de jornalistas de diversos órgãos de comunicação na IFCN — International Fact-Checking Network, criada pelo Instituto Poynter, organização sem fins lucrativos, dona do jornal Tampa Bay Times, na Florida.

Primeiro são identificadas as potenciais notícias falsas, muitas vezes com recurso a Inteligência Artificial. Em seguida a informação é revista e classificada, são analisadas fotografias e vídeos, consultadas fontes primárias e dados públicos. Por fim, os conteúdos apenas são removidos quando os "padrões da comunidade" são violados, embora sejam classificados como falsos. Nestes casos, a Meta reduz a distribuição desse conteúdo e quem o partilhou ou quer partilhar recebe um alerta com um link para um relatório que refuta a informação em causa.

Não quero agora discutir se Zuckerberg tem mais ou menos espinha dorsal, se se curvou mais ou menos perante Trump e a sua vitória. Interessa-me mais olhar para o jornalismo e a indignação generalizada, porque encontro aqui dois pesos e duas medidas. De repente, somos todos extraterrestres.

Se a verificação de factos é importante (e não é censura, como muitos querem fazer crer), ela é muitas vezes parcial, para usar uma palavra simpática. Tal como são muitas informações, artigos, reportagens, opiniões veiculadas por jornalistas e travestidas de notícia. Ganham força de factos, mas favorecem a desinformação.

Posso ir buscar o exemplo das eleições nos Estados Unidos. Kamala Harris foi a tempo (quase) inteiro apontada como favorita, pelos meios americanos, mas também pelos órgãos de comunicação social portugueses. Ia vencer. Até ao fim, até ao último minuto, até ter admitido a derrota. Não vi ninguém fazer mea culpa, não houve actos de contrição, penitências ou exames de consciência. Mas depois, cada vez que o jornalismo está em maus lençóis, ai Jesus, que a democracia está em perigo.

O jornalismo não é um estado de alma. E jornalismo de causas não é jornalismo, é outra coisa qualquer. Porque implica política, defesa de umas ideias e combate de outras, comportamento interessado. Esconder dados, enfatizar ou suavizar informações, porque é politicamente correcto ou por outro motivo qualquer, não faz nada pelo jornalismo. Defender uma causa limita o discernimento, condiciona.

E para restringir e influenciar o comum dos mortais já temos o malfadado algoritmo, que condiciona o que vemos e deixamos de ver na Internet, não precisamos de jornalistas. O algoritmo é serviço personalizado, dá-nos as nossas preferências sem imaginar que talvez nos possamos interessar por algo que desconhecemos (e que por esta selecção contra-natura estamos condenados a não saber que existe), impede-nos de alargar horizontes e mantém-nos na bolha.

Não há, em jornalismo, os bons e os maus, não cabe aos jornalistas fazer juízos, dizer em quem se deve votar nem é da sua competência tornar o mundo melhor (ainda que isso possa acontecer). A semântica também é importante, brincar com as palavras é para os poetas, elas têm um peso associado. E com as fontes o caso é ainda mais sério — menos fontes, o dobro do cuidado; os off, as fontes ligadas ao processo, os anonimatos são todos muito convenientes, mas pouco convincentes.

A voragem em que vivemos permanentemente, o imediatismo, a pressão de estar sempre a apresentar algo novo — mesmo quando só muda o papel de embrulho —, leva-nos com a maré, impede-nos de reflectir, de fazer essa coisa fundamental que é pensar as coisas, questionar, ser curiosos. E, num gesto quase automático, replicar, replicar, replicar (televisões, rádios e jornais), perder qualquer traço originalidade e, muitas vezes, a ligação com a realidade.

Este é um tema difícil e complexo, indissociável daquilo que é ou poderá ser o modelo de negócio da comunicação social. Mas, independentemente das transformações que atravessam os media e a informação, o jornalismo só irá sobreviver se se revelar necessário para as pessoas. E, para isso, tem de ser credível, confiável. Sem teorias, sem preconceitos, sem infantilizar o público, sem condescendência. Se todos fizerem bem o seu trabalho não há nada a temer. Este é o desafio.