Num comunicado emitido em dezembro de 2015, a Polícia Judiciária (PJ) fez saber que deteve três homens e uma mulher “fortemente indiciados pela prática reiterada dos crimes de fraude contra a Segurança Social, corrupção e associação criminosa”.
A PJ explicava que os detidos “integravam um grupo organizado que, fraudulentamente, há vários anos, facilitava a atribuição indevida de reformas por alegada incapacidade dos respetivos beneficiários”.
Presentes a primeiro interrogatório judicial, o antigo funcionário da Segurança Social de Leiria ficou em prisão preventiva, enquanto os restantes arguidos em liberdade, condicionada ao pagamento de caução, entre outras medidas de coação.
No despacho final do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Coimbra, agora conhecido, o procurador da República determinou o arquivamento dos autos quanto aos dois médicos, mas antes, “na medida em que haveria casos em que existiam dúvidas sobre o alcance da atuação” destes, foi pedida uma perícia elaborada pelo Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
“Desde logo, a perícia evidencia e coloca a nu a forma, mais ou menos pouco profissional (…) e eventualmente ilegal da forma como funcionam as CVIP [Comissões de Verificação de Incapacidade Permanente, vulgo juntas médicas] e como as informações ali são inseridas e tratadas, sem rigor, e muitas vezes sem formalismos legais de que cada caso é merecido”, lê-se no despacho.
Na perícia são apontadas, entre outras situações, “exames referidos, mas ausentes no processo”, “relatório de médico relator ilegível” ou “pareceres não fundamentados da CVIP”.
A perícia “sustenta leituras relacionadas com deficiências estruturais do funcionamento das CVIP, parecendo, no entanto, que os beneficiários estariam – eventualmente – elegíveis para invalidez”, pelo que a atuação criminosa está relacionada com “a tramitação administrativa e requerimentos de pensão”, sustenta o magistrado do Ministério Público (MP).
Segundo o MP, “apesar das diligências efetuadas e elementos colhidos, que comprovam atuações que, no mínimo, deixam muito a desejar em relação à verdade e à forma de estar na profissão médica, não foram colhidos indícios suficientemente robustos da prática de crime” por parte dos dois clínicos, que atuavam no âmbito da sua atividade privada.
Os autos foram também arquivados relativamente a 41 arguidos, que tinham procurado o antigo funcionário da Segurança Social de Leiria para este os ajudar a obter a pensão de invalidez.
Quanto a um advogado de Porto de Mós em cujo escritório o ex-funcionário da Segurança Social de Leiria – que estaria inscrito na Ordem como “empregado forense em ‘part-time’ - tinha gabinete, os autos foram também arquivados, o mesmo sucedendo com uma funcionária da Caixa Geral de Aposentações e com o gerente de um quiosque em Lisboa, através do qual era trocada correspondência e dinheiro entre os acusados.
O procurador da República escreve ainda que se verifica que “as falhas e demoras no âmbito da Segurança Social, com o eventual inerente funcionamento ineficiente dos serviços (…) seguramente levou a que possam ter grassado e disseminado este tipo de atuações”.
“Esta atuação aproveita-se de várias pessoas e da incapacidade dos serviços prestarem um papel com valor acrescentado, ao nível do apoio técnico e prático aos utentes”, considera, não deixando de constatar nesta investigação “uma aparente falta de vontade, por parte da Segurança Social, para investigação conjunta de factos”.
O magistrado do MP determinou o envio da perícia e do despacho final à Segurança Social e à Ordem dos Médicos, e ainda do despacho e do relatório final da investigação patrimonial e financeira efetuada pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, para a Direção de Finanças de Leiria, quanto aos médicos e ao antigo trabalhador da Segurança Social.
Sobre este último e ainda a médica, foi determinada igualmente extração de certidão para investigar o eventual crime de falsificação de documento.
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