Manuel Ângelo Rodrigues é professor/investigador da Escola Superior Agrária de Bragança e conhecedor da realidade das queimadas usadas no outono e na primavera para limpar os campos de matos e restos de colheitas.

Para este investigador, “tem de haver uma preocupação especial das autoridades que gerem o problema dos incêndios com aquilo que é o meio rural, ter veículos de informação que façam chegar a informação aos agricultores”.

“As autoridades que gerem o território e, nesta caso concreto os incêndios, admitindo que a negligência por parte de agricultores pode ser uma causa de incêndios, é óbvio que eles [autoridades e agricutores] têm de estar intimamente ligados”, defendeu em entrevista à Lusa.

O fogo estará sempre presente nas práticas agrícolas, como explicou, concretamente para eliminar o resultado da limpeza do mato que se acumula junto a pequenas hortas típicas da agricultura de subsistência mais praticada a norte do rio Tejo.

“As pessoas têm sempre pequenas hortas para obter produtos familiares e essas hortas normalmente têm zonas cultivadas, mas confinam com locais onde se desenvolvem matos, silvas, vegetação mais alta. E o que acontece é que elas não podem permitir que os campos sejam invadidos por esse material”, explicou.

Essas bermas dos prédios agrícolas, das hortas, "têm de ser cortadas, têm de ser higienizadas, têm de ser limpas e esse material não tem destino coerente” porque não pode ser aproveitado para lenha para a lareira ou qualquer outro fim.

“A tendência mais lógica é fazer uma pequena pilha e chegar-lhe fogo e isto aparentemente não seria uma coisa muito má até porque não há outros sistemsa para esse recurso. O problema é que eles deviam estar é conscientes que deviam ter algum cuidado para não haver incêndios”, afirmou.

Na opinião de Manuel Ângelo Rodrigues, a questão que se coloca é “como fazer chegar a informação a uma população que habita os meios rurais, provavelmente vê pouca televisão e menos ainda outros órgãos de comunicação social”.

“Este tipo de pessoas não estará recetiva a ouvir falar um investigador, não seria uma comunicação mais técnica, mais elaborada que teria efeito, teria que ser uma informação mais local, de uma entidade local, um presidente de junta, uma associação que de alguma forma tenha um contacto mais próximo e com uma linguagem mais simples, mais imediata”, apontou.

Segundo o investigador há ainda outro tipo de queimada agrícola que serve de preparação dos terrenos para as sementeiras, nomeadamente de searas, campos de trigo, arroz, milho, e que são feitas nesta altura do ano, no outono.

Os agricultores queimam os restolhos para facilitar a mobilização do solo (lavra) e a germinação das sementes.

Uma teoria contestada pela comunidade científica que contra-argumenta que, a queimada "tem um aspeto muito nocivo e muito negativo, de uma maneira geral, na fertilidade do solo”.

Faltam os estrumes naturais dos animais nos campos e a ciência defende que “os resíduos das culturas, os restolhos das plantas (são) matéria orgânica fundamental para o solo, ou seja, a palha do trigo, do arroz ou do milho, se for incorporada no solo é uma fonte de matéria orgânica muito importante e é fundamental para melhorar a fertilidade do solo”.

Além disso, explicou o investigador, o próprio restolho cria “um coberto vegetal que de alguma forma também é benéfico, sobretudo porque controla a erosão do solo”, considerada “o maior problema ambiental da bacia mediterrânica”.

As ajudas da União Europeia tentam travar esta prática, na medida em que para receberem os subsídios das medidas agroambientais, inclusive com uma majoração, os agricultores estão proibidos de queimar os restolhos.

Há contudo algumas exceções, já que, segundo ainda o investigador, “nalguns contextos destruir pela queima os restolhos é a única forma, ou pele menos tem sido vista nalguns casos assim, mais lógica, mais simples de eliminar problemas sanitários como as pragas”.