“A manifestação de apoio de Itália aos ‘coletes amarelos’ insere-se claramente no contexto das eleições […], que vão ser uma luta entre a Europa de Macron ‘versus’ a Europa de Salvini”, disse a investigadora do Instituto de Ciências Sociais num debate na sede da agência Lusa em Lisboa.

“Macron quis ser o ‘senhor Europa’, representar uma Europa otimista, mas a verdade é que não conseguiu nada, porque a Alemanha não cedeu em nada de fundamental”, explicou.

Do outro lado, o governo populista italiano, expressão de um nacionalismo surgido contra “os efeitos negativos, económicos mas também identitários, da globalização”.

Visão semelhante foi expressa pelo embaixador António Martins da Cruz, que atribuiu os ‘ataques’ de Roma a França e à União Europeia a uma “luta de poder na Europa com as eleições em pano de fundo”.

“O eixo Paris-Berlim, antes dominante, está, não a desfazer-se, mas a deslindar-se”, com a chanceler alemã, Angela Merkel, “a sair pela esquerda baixa” e Macron “a escrever cartas aos franceses em vez de governar”, ele que “entrou com grandes ideais sobre Europa e hoje está a reboque dos acontecimentos no seu país, o que lhe retira autoridade na Europa”, explicou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros.

“E os italianos Matteo Salvini e Luigi di Maio, dois novatos na política, viram que era altura de avançar […] e arranjam aliados na Polónia, na Hungria, entre outros”, acrescentou Martins da Cruz, citando uma frase das Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar, “A arte da política é ocupar os espaços”.

Neste caso, ocupar o espaço deixado vago pela Alemanha e a França na UE.

Marina Costa Lobo explicou que o populismo italiano “é simbólico” de “uma vaga” mais vasta, de “características genéricas comuns” – a defesa de um “povo bom e genuíno” contra “uma elite corrupta e entrincheirada nas instituições” - e “situações concretas” – económicas, decorrentes por exemplo do desemprego em setores onde houve perda de competitividade, ou identitárias, geradas pela insatisfação de ser “uma porta de entrada” da imigração na Europa.

Frisando que não tem “nenhuma simpatia” pelos “tiques autoritários” de Salvini, a investigadora considerou, contudo, que a evolução política em Itália “devia ser um sinal muito importante para a Europa” no sentido de “mudar a política do euro” e as diferenças que criou.

“É pena que sejam Salvini e Di Maio a dizê-lo, são obviamente os atores errados para o fazer, mas são o sinal do falhanço da politica europeia”, disse.

Martins da Cruz explicou que a fragmentação política a que se assiste na Europa “traz ao de cima as ideologias” e estas “cruzam-se, na Comissão e no Conselho, com a luta de poder entre os países”, agora que se “assiste a uma reconstrução de poder na Europa” com o ‘Brexit’ e o enfraquecimento da Alemanha e de França, que vão permitir uma consolidação de poder de países como Itália ou Espanha.

O problema, sublinhou o embaixador, “é a falta de experiência europeia e de ‘gravitas’ [peso] destes dois partidos de governo em Itália”, dado a “derivas populistas que são perigosas para o futuro da Europa”.

Martins da Cruz sublinhou que Espanha tem vários problemas internos para resolver, especialmente os independentismos, mas, se o conseguir, “vai querer ocupar espaço na Europa”, o que “cria um problema grave” a Portugal, porque se não acompanhar Espanha, “acentua a sua periferia e Espanha fala por nós na Europa”.

Esse “ocupar espaço” traduz-se em “lugares que deem visibilidade”, prosseguiu o embaixador, “não para obter soluções que lhe sejam favoráveis”, mas “para influenciar as decisões” que venham a ser tomadas.

Frisou neste ponto a importância da eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo e a importância do próximo comissário português.

“Portugal tem especiais responsabilidades, porque somos o único pequeno país que tem uma política externa universal e uma responsabilidade histórica”, sublinhou, evocando a presença e influencia em África ou na América Latina.