“Quanto vale o trabalho de um investigador para a Universidade de Lisboa (ULisboa)?”, questionava Amílcar Moreira, investigador com uma bolsa de cientista convidado há sete anos na instituição, precário como quase todos os que se concentraram esta tarde na Alameda das Universidades, em protesto contra a universidade e contra a forma como decorre o programa de regularização de precários no Estado (PREVPAP).
Com a ajuda de alguns colegas, Amílcar foi estendendo um cordel e segurando a faixa de protesto improvisada, onde os investigadores iam agrafando o produto do seu trabalho — artigos científicos publicados em revistas internacionais essenciais a uma avaliação de desempenho positiva para as instituições, que, criticam os investigadores e cientistas precários, se recusam agora a reconhecer o contributo do conjunto de pessoas que os produziram, em regime de trabalho permanente, mas oficialmente precários.
“É simbólico de uma luta de vários anos de trabalhadores de ciência que por contingências várias não veem o seu direito ao trabalho reconhecido. Eu costumo dizer que na minha instituição a pessoa que faz a limpeza tem direitos sociais, direito a proteção no desemprego, na doença. Eu, enquanto investigador, produzo o que uma instituição de investigação produz e não tenho direito a esses direitos”, disse à Lusa Amílcar Moreira.
Doutorado em Inglaterra, trabalhou depois na Irlanda e na Noruega, até que há sete anos decidiu regressar a Portugal, aceitando uma bolsa de cientista convidado da ULisboa, para liderar um projeto que pretendia atrair investimento e cientistas internacionais para a universidade.
“Eu posso dizer que desde que voltei a Portugal há sete anos já atraí para a Universidade de Lisboa mais de 800 mil euros em financiamento, portanto já paguei o meu salário várias vezes e apesar disso a ULisboa não acha que eu e os meus colegas sejamos o tipo de trabalhadores que eles precisam”, disse, acrescentando que se as condições familiares o permitissem já teria saído do país.
Segundo dados avançados por André Carmo, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), filiado na Federação Nacional dos Professores (Fenprof), só na Ulisboa foram submetidos 1.500 requerimentos ao PREVPAP, que têm tido por parte da instituição o mesmo tratamento que os cerca de 6.000 submetidos em todo o país para avaliação da comissão de avaliação bipartida de ciência e ensino superior: o não reconhecimento dos precários como necessidades permanentes, mesmo quando admitem expressamente que o são.
“O caso mais flagrante foi a afirmação de que a pessoa em causa não satisfaz uma necessidade permanente, porque a instituição não tem dinheiro, se tivesse dinheiro passaria a satisfazer necessidades permanentes. Isto diz tudo sobre a posição de boicote ostensivo que as instituições têm em relação a este programa”, disse André Carmo, referindo que as recusas por parte das instituições no âmbito das reuniões das comissões têm sido “pouco fundamentadas ou mal fundamentadas”.
Sobre a presença de menos de uma centena de pessoas no protesto de hoje, convocado pela Fenprof, pela Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) e pelo Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, André Carmo disse que não havia à partida “uma grande expectativa” de participação.
“Há múltiplas situações que demovem as pessoas de participar e de se envolver. […] Achamos que é necessário denunciar a situação e tentar ir ganhando consciência que não se trata aqui de um grupo de privilegiados, mas sim de pessoas que trabalham em situações de grande precariedade, que ajudam ao desenvolvimento das instituições e que agora consideram inaceitável a posição que elas tomam em relação ao trabalho e ao esforço que desenvolveram ao longo de, nalguns casos, 20 anos ou mais”, disse.
O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, numa intervenção na escadaria da reitoria, afirmou que a posição das instituições nas reuniões da comissão tem sido de “uma indignidade absolutamente incompreensível” e alertou que se o Governo não corresponder às expectativas criadas “os protestos serão para continuar e agravar-se”.
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