Para Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, os fogos catastróficos de 2017 em Portugal "trazem muitas lições" sobre o que fazer frente aos incêndios, mas "vê-se que não foram" suficientemente aprendidas.
A fuga em contramão de dezenas de condutores na A12 por causa do pânico causado pelo fumo de um incêndio em Pinhal Novo, no sábado passado, é um dos "indícios de que há lições que deviam ter sido aprendidas".
O ex-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses Duarte Caldeira, do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC), afirma que nesse caso, "o pânico gerou comportamentos de risco"
Duarte Caldeira reconhece que o programa "Aldeias Seguras, Pessoas Seguras", da Autoridade Nacional de Proteção Civil, significa que "30% ou 40%" da população que vive em zonas rurais sabe hoje mais sobre o que fazer em caso de incêndio, mas o alvo da informação devia mesmo ser "os dez milhões de portugueses".
"Não devemos entrar em autossatisfação nem glorificar medidas, para já, porque chegam tarde. Se ainda estamos à procura delas, é prova de que estamos atrasados", afirmou.
Domingos Xavier Viegas defende que a maneira mais eficaz de difundir mensagens de consciência de risco é ainda "a rádio e a televisão", afirmando que tem visto "muito pouco feito com pés e cabeça" no que toca a campanhas de grande difusão.
"Felizmente, temos tido um verão benigno, mas é uma falha grande não haver uma campanha de fundo. Já estamos a perder algum tempo", avisou.
A campanha das Aldeias Seguras pode chegar a "um público muito restrito", mas há muito a fazer, porque, sobretudo, para se evitarem mortes "em circunstâncias que podem acontecer a qualquer pessoa", mesmo que não seja habitante do espaço rural, mas aí esteja, como por exemplo os turistas que atravessam o país.
Para Duarte Caldeira, há um claro "défice de medidas de autoproteção", mesmo em serviços públicos, como os tribunais que funcionam com elevadores inseguros.
Num inquérito que conduziu com 500 pessoas, "80% não sabiam manusear um extintor", ilustrou.
"Saber lidar com a diversidade dos riscos, qualquer que seja a sua natureza" deve ser a meta, defende, ilustrando que tem que haver "um processo de educação e participação da população, com adequação dos instrumentos ao meio e ao perfil cultural de cada comunidade", defende.
A falta de cultura de autoproteção também afeta áreas como "a condução rodoviária, o risco de incêndio urbano" e vê-se na "ausência de uma cultura de socorro e de domínio do suporte básico de vida", considerou.
Na campanha das aldeias seguras, divulgada pela Autoridade Nacional de Proteção Civil em 12 anúncios de rádio, 13 anúncios televisivos, folhetos desdobráveis e cartazes, a informação tinha no mês passado chegado a 700 localidades dos 189 concelhos com freguesias rurais mais sujeitas ao risco de incêndio.
O primeiro conselho é ligar "de imediato para o 112", lê-se nas instruções da campanha, que apela às pessoas que se vejam próximas de um incêndio para que não prejudiquem a ação dos bombeiros e, no caso de o fogo ameaçar a sua casa, que avisem os vizinhos, cortem o gás e molhar paredes e arbustos à volta da habitação.
Caso o fogo cerque a área em que se encontra, toda a gente deve procurar um "abrigo ou refúgio coletivo" e, na falta deles, "uma zona preferencialmente plana, com água ou com pouca vegetação".
Um lenço húmido para proteger a cara do calor e dos fumos são outros recursos de proteção, mas na campanha apela-se para se fazer trabalho de casa pensando antes do fogo chegar.
As casas devem estar preparadas para "uma saída rápida", com saídas desimpedidas, portas fáceis de abrir e caminhos de saída e pontos de encontro comuns combinados de antemão entre as famílias.
Incêndios: Psicóloga defende que é preciso devolver confiança aos portugueses
A psicóloga Margarida Santos, docente de psicologia ambiental, defendeu hoje que é preciso “devolver a confiança” aos portugueses, ensinando-lhes como agir face a catástrofes, para evitar situações de pânico como a que aconteceu recentemente na autoestrada junto a Palmela.
Margarida Santos, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, explicou que estes comportamentos “poucos racionais” surgem quando o instinto básico de sobrevivência “é ameaçado” e quando já há uma “situação prévia” que motive estas reações, como o incêndio que deflagrou no ano passado em Pedrógão Grande e que alastrou a concelhos vizinhos, provocando 66 mortos
Uma situação semelhante aconteceu esta semana na Grécia, tendo muitas pessoas morrido a fugir a um fogo que deixou mais de 80 mortos.
“Quando somos severamente ameaçados é natural que tenhamos uma reação de pânico”, que leva a comportamentos “pouco racionais” de fuga à ameaça, disse, explicando que, em muitos casos, a pessoa em vez de criar uma distância em relação à ameaça, quase se “atira para cima dela”.
Por isso, prosseguiu, “é natural” que a pessoa abandone o carro e “fuja de uma forma pouco orientada” para escapar à ameaça. “Isso é ainda mais agravado quando existe uma situação prévia” de um desastre, que “não foi vivido diretamente”, mas que os meios de comunicação social divulgam “durante muitos dias e a toda a hora”.
“No ano passado, aprendemos duas coisas em Portugal: que somos vulneráveis, que [uma tragédia] pode acontecer em qualquer momento e nem sempre podemos confiar quando nos dizem pode ir”, disse, aludindo ao não encerramento das estradas em Pedrógão.
Esta situação “descredibilizou as pessoas” que podem ajudar em situação de catástrofe, disse, defendendo: “É preciso devolver a confiança à população e a confiança só se devolve com verdade”.
Se isto não acontecer, a pessoa não vai ter “nenhuma segurança” em relação a quem devia estar a salvá-la. “Essa é a razão pela qual tivemos agora pessoas a fugir de uma forma completamente irracional numa situação em que se via apenas um bocadinho de fumo. Isto é normal e vai acontecer mais vezes”, lamentou.
Para Margarida Santos, só é possível os portugueses voltarem a ganhar confiança quando souberem “exatamente o que se passou, o que falhou” nos incêndios. “Aquilo que sabemos é aos bocados, completamente contraditório, e como tal não confiamos, porque não tivemos acesso à verdade”.
“Todos sabemos que há uma série de relatórios que não vieram cá para fora, todos sabemos que houve muito mais do que aquilo que nos disseram e isso precisa ser clarificado para que nós possamos de alguma maneira confiar”, sustentou.
Margarida Santos acredita que se este ano houver incêndios e estes forem “devidamente controlados” os portugueses voltam a “ganhar um pouco de confiança”.
“Tal como a natureza vai precisar de muito tempo para se refazer, nós também vamos precisar de tempo para nos refazermos em relação à confiança”, comentou.
Alertou ainda para a necessidade de mudança do comportamento dos órgãos de comunicação social na transmissão de catástrofes e para a importância de as escolas ensinarem procedimentos a adotar em casos de sismo, incêndios e em situações de pânico.
“Precisamos de mais informação que não seja de espetáculo, precisamos de meios de informação que não queiram gerar pânico”, mas sim que formem e ajudem a população, o que não acontece atualmente, disse, sublinhando que “os ‘mass media’ não têm consciência do mal que estão a fazer”, condicionando as pessoas e transformando-as em “gente frágil”, fazendo-lhes uma espécie de “lavagem ao cérebro”.
Na sua opinião, a comunicação social devia juntar-se e ajudar a população a perceber o que é que correu mal e bem e, principalmente, ajudá-la a desenvolver competências sobre o que fazer numa situação destas.
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