Em entrevista à RTP, esta quarta-feira, João Gomes Cravinho falou sobre a reforma das Forças Armadas, que foi aprovada com larga maioria no parlamento, na semana passada, e que introduz alterações na estrutura de topo, reforçando o poder o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas.
O ministro explicou que "o documento não está fechado" e que quando uma proposta "vai para a especialidade" ainda é "possível que haja uma ou outra alteração". No entanto, afirma que "não é provável, nem desejável uma alteração substantiva, uma alteração que venha a pôr em causa à natureza desta reforma”.
“O conceito chave é adaptar o país, de forma algo tardia, aquilo que é a realidade geoestratégica atual, pós-Guerra Fria. Os outros países todos já o fizeram e nós encetámos esse processo apenas em 2009”, explica o ministro, salientando que esta "ficou muito aquém das suas ambições iniciais e necessárias" e que a que se seguiu, em 2014, ficou "aquém do desejável".
“[A reforma] dá o comando único para tudo o que é militar ao Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas”, reitera, referindo ainda que a reforma permitirá também pensar o futuro das Forças Armadas.
“Estamos a criar condições para que, por exemplo, se possa comprar equipamento para as Forças Armadas no seu todo”, exemplifica.
O governante considera ainda este "comando único" como "normal numa pirâmide" e necessário porque "hoje em dia as missões exigem interoperabilidade. Praticamente todas as missões exigem colaboração entre os diferentes ramos e faz-se melhor quando há um comando".
Para João Gomes Cravinho, “quem está dentro do modelo de funcionamento das Forças Armadas percebe facilmente que a reforma é necessária”. E exemplifica com a resposta das Forças Armadas à pandemia, salientando que a partir de, em outubro, quando emitiu um despacho que colocava "tudo o que fosse referente ao combate à pandemia sob comando do CEMGFA", verificou-se uma maior fluidez na resposta e bons resultados.
Sobre a possibilidade de o Governo tentar instrumentalizar as FA, Gomes Cravinho considera que as mudanças “não alteram rigorosamente nada o relacionamento entre o sistema político e as FA” e que “nada muda no que toca em relação à nomeação das chefias militares”.
No que diz respeito à tomada de posição pública contra a reforma, por parte dos 28 antigos chefes dos três ramos e de dois antigos Presidentes, Ramalho Eanes e Cavaco Silva, o ministro refere não ter ficado surpreendido com a contestação, até porque “anteriores chefias militares já se tinham oposto às reformas de 2009 e 2014”.
“Creio que é natural que haja, da parte de antigos militares que tiveram posições de chefia em circunstâncias muito diferentes, muita relutância em aceitar transformações que afastam o modelo daquilo que melhor conheciam”, acrescenta, justificando que as “instituições são sempre um pouco avessas às mudanças”.
O ministro afirma ter lido “com atenção e cuidado” o que foi publicado, mas reitera que “as propostas apresentadas à Assembleia da República são as que mais se adequam à realidade que nós vivemos”.
As propostas do executivo para rever a Lei de Defesa Nacional e a Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas (LOBOFA) foram aprovadas com os votos do PS, PSD e CDS. Votaram contra BE, PCP, PEV, Chega e abstiveram-se o PAN, a Iniciativa Liberal e as duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN).
Ato de pirataria da Bielorrússia foi um incidente “gravíssimo”
O ministro da Defesa Nacional condenou o ato da Bielorrússia, que ordenou o desvio de um avião para deter o jornalista Roman Protasevich.
João Gomes Cravinho classificou o incidente como “gravíssimo” e afirmou que este põe em causa a segurança da Europa, salientando ainda que o facto de "um estado utilizar as suas prerrogativas soberanas para cometer um ato de pirataria" merece “muita consideração” por parte todos.
“Quando isto acontece há muito que é posto em causa, nomeadamente a nossa capacidade de nos relacionarmos com outros países com os quais temos divergências profundas. Viajamos por cima de espaços aéreos de todos os tipos de países e é fundamental que haja um esclarecimento cabal para que não seja posta em causa a liberdade de movimento”, explica João Gomes Cravinho. No entanto, o ministro não crê “que este seja um tema para a Nato, mas antes para as instituições europeias”.
Combate à pandemia
Sobre o envolvimento das FA no combate à pandemia, o ministro explicou que, atualmente, há mais de 300 militares envolvidos no processo de rastreamento, há cerca de 40 militares envolvidos em esforços de vacinação e que acompanham a ‘task force’, e exemplifica referindo que o processo de aceleração da vacinação em Odemira exigiu a disponibilização de meios militares. O ministro destacou ainda o trabalho do Vice-almirante Gouveia e Melo, afirmando que se trata de "mérito próprio, mas também é fruto da preparação militar".
Processo de Tancos: "O impacto do caso nas FA foi desmoralizante"
Visando o caso de Tancos, João Gomes Cravinho considera que "o impacto do caso nas FA foi desmoralizante".
"Os militares sentiram, e tinham toda a razão para sentir, que o que estava a passar para a opinião pública não representava a realidade", refere, classificando que "o que se viu em Tancos" como "profundamente lamentável".
Como lição deste processo, refere que houve "uma redistribuição de armas e de material militar para diferentes partes do país que ofereciam melhores condições de segurança e "houve um reforço no investimento precisamente nas condições de segurança", garantindo também que o que se passou em Tancos não ocorreria hoje.
O processo de Tancos tem 23 arguidos, dez arguidos respondem por associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo, pelo alegado envolvimento no furto do armamento e os restantes 13, entre eles Azeredo Lopes, dois elementos da Polícia Judiciária Militar e vários militares da GNR, sobre a manobra de encenação/encobrimento na recuperação do material ocorrida na região da Chamusca, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
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